quarta-feira, setembro 14, 2005

As Armas

Aquele país já não cabia nas suas ideias estreitas. Os termos da libertação por eles definidos já estavam cumpridos.
Estas duas frases de um dos meus anteriores escritos desencadeadaram algumas tempestades. Nada de grave. São os mesmos argumentos, as mesmas preocupações de quando, em Abril de 1977, nas vésperas da tentativa de golpe de estado de Nito, cheguei a Lisboa cansado, farto de todas as tropelias de um poder cego, capaz apenas de gerir os conflitos internos de si mesmo, tentei publicar, escrever, falar, dizer, o que me ia na alma. "vais dar armas à direita... vais... não sei o quê... e mais sei quantos..."
Lembro-me, inclusivé, que por essa altura alguém recuperou o título de um jornal " A Gazeta do Mês". O Adelino Gomes, assim uma espécie de "vaca sagrada" do chamado "jornalismos da esquerda", chefe de Redacção da publicação, prontificou-se a publicar-me alguns textos . O primeiro que lhe mandei chamava-se qualquer coisa como "O Poder Assimilado dos Africanbos" e, no essencial, afirmava que as entidades e os homens que tinham tomado o poder em África, em nome do povo africano, mais não faziam do que exercer o poder em nome de valores das sociedades industrializadas, quer do Ocidente, quer do Oriente, e que os valores dos povos africanos estavam a ser mais espezinhados do que tinham sido com a colonização.
Houve uma espécie de escândalo de confraria e o meu texto foi publicado em corpo oito, num verdadeiro buraco de composição. Não me parece que alguém o tenha lido, o Adelino tinha cumprido o seu papel de "papa" e eu não publiquei mais nada.
Desta vez, todavia, é diferente. Aqui estou na Net, para explicar aquelas duas frases.
É muito simples.
As únicas bandeiras que os movimentos de libertação agitavam eram as da segregação racial. Uns de uma maneira, outros de outra. O MPLA, sem perceber que o trabalho contratado já não era compulsivo e que as regras definiam uma série de obrigações dos empregadores, insistiu na ideia do trabalho "escravo". Resultado: destruiu toda a estrutura produtiva do país.
Pelo seu lado, a UNITA reclamava-se representante dos povos Ovimbundus, esquecendo o mais elementar: todos esses povos tinham sido, ao longo dos tempos, os mais destribalizados, porque também os mais activos aliados da penetração colonial do litoral para o interior. Os ovimbundus serviam, sobretudo, na administração colonial.
A FNLA, finalmente, na senda do que havia realizado em Março de 1961, seguindo os ensinamentos de Franz Fanon, defendia, pura e simplesmente, a guerra contra os brancos, mulatos e negros que soubessem ler.
O desenvolvimento do país, o bem estar das populações...tudo isso era conversa de colonos.
Quando se esperava que as forças políticas protagonistas de uma guerra de 13 anos aparecessem com propostas no sentido de colocar a democracia no centro de toda a a discussão, não. Todas elas tinham uma ambição: conquistar o poder absoluto. Tudo podia ser - e foi - sacrificado em nome deste objectivo.

1 comentário:

Toix disse...

Conheci o António Cardoso, um intelectual angolano do MPLA que tinha acabado de sair do Tarrafal e arranjado um primeiro emprego na revista Notícia. Num flagrante erro de casting, mandaram-no fazer a reportagem do que viriam a ser as últimas corridas de automóveis em Angola. As seis horas do Huambo. No regresso a Luanda apanhei boleia no carro que o trazia e não me calei com perguntas sobre o que ele achava que devia ser o futuro. Ele, espantado com tudo de novo que via, (tinha sido preso em 61) só me dizia: Não mexam em nada! Não estraguem nada! Isto só precisa é de justiça social