domingo, julho 30, 2006

A Democracia em África

Um dos mais importantes países africanos, porque dos mais ricos, porque dos de maior miséria, na saúde, na educação, na habitação, porque um dos que de forma mais consistente alimentou a corrupção de todo o Mundo, vai hoje a votos. A República Democrática do Congo, ex- Congo Kinshaza, ex- Congo Belga, um território, considerado, pelo Pentágono, há mais de 50 anos, como indispensável para a expansão da indústria norte-americana, na sua vertente mais inovadora, pela variedade de metais existentes no seu sub-solo, vai, depois do assassínio de Lumumba,do golpe contra Kasavuvu, pela primeira vez, tentar a via democrática para definir o poder.
Imaginemos que a tentativa resulta e que este país, potencialmente, o mais rico do Mundo, consegue organizar-se de uma forma democrática, dando capacidade de representação às maiorias e também às minorias...Imaginemos que consegue uma forma democrática de orga nizar a economia de, com o tempo, deixar que as várias culturas existentes naquele territótio imenso tenham capacidade de se manifestar...Imaginemos que, depois de eleições justas, o novo poder delas saído, resolve assumir na região em que se inscreve o papel que, teoricamente, lhe cabe, promovendo um diálogo inter-africano na busca das melhores soluções para o Continente.
Não acham que já estamos a imaginar demais?
Isso não nos impede, todavia, de desejar. Desejemos, então!!!

segunda-feira, julho 17, 2006

Os Dez Anos da CPLP

Corria o ano de 1975, a Assembleia Geral da então OUA estava reunida em Kampala, capital do Uganda e, já, com a sala cheia, à espera do presidente em exercício, Idi Amin Dada, eis que este entra numa espécie de trono transportado por quatro homens brancos de grande estatura.

Idi Amin dizia, gargalhando e utilizando um vozeirão incrível: " este é o peso do homem branco".

Terá sido a última reunião da OUA sem agenda, sem objectivos, sem ordem, já que, a partir dessa altura, um novo grupo de países, os de Língua Oficial Portuguesa, passaram a controlar as agendas, os bastidores e , juntamente com outros estados mais organizados, tentaram dar um novo sentido áquela organização continental.

"Os Cinco", como ficaram conhecidos, com o decorrer dos anos, dignificaram em certas circunstâncias, a OUA e a sua coesão era tão forte que cedo foram tentanto institucionalizarem-se a si próprios como um grupo capaz de fazer pressão para que África deixasse de ser o pasto que era.

Criou-se o Grupo dos Cinco Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palop) - o que, logo de seguida, levou a tentativas várias de interferência, nomeadamente de Portugal, com Mário Soares como primeiro-ministro e Jaime Gama como ministro dos negócios estrangeiros.

A célebre proposta do "Diálogo Continental", que Jaime Gama foi propor a Aristides Pereira, então Presidente da República de Cabo Verde.

A resposta não foi simpática a e as tentativas portuguesas pararam até que apareceu o Brasil na jogada, com José Aparecido a propor uma organização que agrupasse todos os países de Língua Oficial Portuguesa - uma coisa que se chama CPLP e está a fazer dez anos de existência. Ninguém consegue descobrir o que foi feito em seu nome, além de algumas festas de comemoração

A notícia de hoje, todavia, dizia que os tais dez anos seriam assinalados com a assinatura de uma série de acordos e protocolos. Na reunião final, em Bissau, não estariam presentes os Presidentes do Brasil, Lula da Silva, e de S. Tomé e Princípe, Frederique de Menezes.

Mas, enfim, já passaram dez anos. Os Cinco deixaram de existir, a OUA foi substituída por uma UA, cuja existência ninguém nota e estamos todos contentes. Pelo menos já não existe o Idi Amin Dada.

domingo, julho 02, 2006

Cinema de Viva Voz

A propósito das grandes dificuldades que a educação enfrenta um pouco por todo o Mundo, um dia destes, em conversa com um amigo, lembrei-me de uma prática do Colégio Alexandre Herculano do Huambo (Nova Lisboa) de há muitos anos - ainda as respectivas instalações eram na cidade baixa.
O Colégio era dirigido pelos padres espiritanos e a disciplina era uma das suas preocupações, embora, tanto quanto me recordo, se respirasse um clima descontraído. Todavia, regras eram regras e, por exemplo, só os mais velhos podiam sair uma vez por semana do internato para ir ao cinema. Os mais pequenos, só às matinés de domingo, para o que necessitavam de uma autorização dos pais.
Mas os filmes que excitavam as imaginações dos adolescentes e pré-adolescentes passavam à noite.
Ora, normalmente, os mais velhos não tinham dinheiro, as mesadas que as famílias mandavam desapareciam rápidamente, mas os mais novos tinham mesmo alguma dificuldade para gastar o que lhes chegava de casa, pelo que alguém - nunca se saberá quem - inventou um verdadeiro bom negócio, já que servia ambas as partes; os mais novos emprestavam aos mais velhos o dinheiro necessário para que eles fossem ver os tais filmes. No dia seguinte, como contra-partida do empréstimo, os devedores contavam aos credores o filme - o que acontecia durante os intervalos das aulas.
Era um espectáculo presenciar as voltas que dois a dois (um mais velho e um mais novo) davam ao campo de futebol do Colégio. Alguns mais exuberantes, paravam, de vez em quando, imitavam os gestos do que se supunham ser os personagens dos filmes. Estes passeios duravam, às vezes, todos os intervalos dos trabalhos escolares e em alguns casos, prolongavam-se durante as horas dedicadas ao desporto.
Houve um dos mais velhos - e também mais esperto - que tentou modificar o negócio inicial: um dos que fosse ao cinema contava aos "miúdos", em conjunto, a estória do filme.
Não!!! disseram os mais novos. Exigiam uma narrativa personalizada: a quem emprestassem o dinheiro tinha a obrigação de contar o filme. E alguns deles não emprestavam a todos; escolhiam aquele com mais imaginação para a reprodução da estória.
Olhando para trás, não podemos deixar de constatar que o Mundo, sendo mais simples, era também mais feliz. Os problemas da educação ainda se resolviam dentro das escolas e , às vezes, de forma imaginativa, sem necessidade de grandes tecnologias, que fomentam a solidão, as depressões, a competição desenfreada.
Naquele ambiente, que hoje não conseguimos classificar, mas que é motivo de saudade para quem o viveu, cresceu gente de que muito nos orgulhamos hoje. Por exemplo, o António Segadães, fez parte destes grupos (não sei se emprestava ou recebia), mas não deixa de ser, hoje , uma das figuras que mais orgulha uma geração de estudantes de papel, sebenta e grande espírito de solidariedade. Muitos outros andam por aí, mas, hoje lembrei-me deste, do engenheiro português mais laureado de todos os tempos.