domingo, setembro 21, 2008

O Respeito Por Uma Vitória


Há um poema do Manuel Rui - as crianças do Huambo - que me faz sempre lembrar a minha infância. E ouço-o muitas vezes.


Recordo-me a mim e ao M. Rui ( o Cantinflas), no tempo em que éramos duas crianças felizes porque, entre outras coisas, quando olhávamos para o céu, nas noites estreladas do Huambo, éramos capazes de vislumbrar, para além das constelações e o Cruzeiro do Sul , barcos perdidos, anjos que nos acenavam. Também contávamos as estrelas que caíam e acompanhávamos os seus movimentos rápidos.


Depois criávamos as nossas próprias estórias sobre os locais onde elas iriam cair. Éramos felizes, nós e os outros da nossa idade; não havia violência nas ruas, toda a gente que por nós passava era nossa amiga. Todos nos conheciam. E,quando íamos para o Colégio falávamos dos nossos sonhos, do futuro, do que queríamos que fosse a nossa vida, trocávamos confidências sobre aquilo que imaginávamos ser já o amor...


Esta balada, que o Paulo de Carvalho canta como ninguém no CD do meu carro e que se chama os meninos do Huambo, leva-me sempre áqueles tempos em que os senhores todo poderosos viviam longe , em Lisboa, e nós éramos felizes e não posso deixar de ficar a pensar na frustação do Cantinflas ao ouvir o Paulo de Carvalho, cuja voz, inevitavelmente, lhe lembra os sonhos de há trinta anos.


OH! Rui! é que foram exactamente as crianças que mais infelizes ficaram quando os todo-poderosos dessa nossa terra ficaram perto delas.


Repara: estragaram-lhes as escolas, destruiram-lhes as casas, mataram-lhes o pai e a mãe, atiraram-nos para os caixotes do lixo à procura de alguma coisa para comer, roubaram-lhes o brilho dos olhos, fizeram das crianças da nossa terra adultos à força e meteram-lhes armas na mão. Para muitas das crianças, que deviam estar à fogueira a ouvir as estórias, matar passou a ser uma rotina e as estrelas jamais seriam do Povo...


Eu sei que o poema é do começo em que tudo era esperança - depois, tem a utopia do poeta...


Eu sei...mas também sei que o sonho do poeta pode e deve ser respeitado e cumprido se os todo-poderosos de agora resolverem ter respeito pela vitória eleitoral que o Povo lhes conferiu, na esperança de que as suas crianças possam voltar a ser felizes.


Se essa gente que passou grande parte deste tempo, que para ti e para mim foi de sonho e angústia, a conspirar para entrar no mundos dos ricos, resolver respeitar a vitória que lhes manteve o poder, talvez um dia destes possamos, com as nossas cabeças brancas ir ouvir os meninos do Huambo cantar a sua própria canção, debaixo de um céu estrelado, sem ameaças.


Tu, Rui, que estás aí, lembra-lhes a obrigação do respeito - também por ti, pela tua utopia e por nós todos que fomos crianças felizes na Kalumanda.

terça-feira, setembro 09, 2008

MPLA - Uma Vitória Respeitável

Os números são eloquentes e as declarações dos observadores internacionais também: o MPLA ganhou as eleições legislativas com um score impressionante (mais de 8o por cento dos votos expressos) e, ao contrário daquilo que muitos previam ,não há notícia de qualquer irregularidade, embora tivessse havido algumas falhas de organização, perfeitamente normais num país que há 16 anos não organizava um evento desta natureza.
Embora haja em Angola, particularmente em Luanda gente que não goste que os estrangeiros, quer dizer, os brancos, se debrucem sobre a sua realidade já que, no dizer de um jovem intelectual bem posto que eu vi um dia destes na TPA Internacional, os portugueses "estão com dor de cotovelo porque a guerra acabou...etc, etc" e mais uns disparates do género, mostrando o seu saber contido em livros de Kissinger e não sei mais de quem e, ao mesmo tempo, afirmando que viveu e estudou em Portugal...embora ainda permaneçam essas cabeças, apesar dos professores...sempre arrisco uma análise política aos resultados eleitorais angolanos.
Estes mais de 80 por cento obtidos pelo MPLA, em eleições livres, significam, antes demais, a possibilidade de se concretizar uma unidade nacional muito ameaçada com as perspectivas tribais da UNITA e da FNLA. Esperemos que estes 80 por cento permitam corrigir as atitudes claramente racistas de uma certa elite do MPLA.
O resultado atingido permitirá igualmente ao MPLA pensar na democracia económica e social, já que a democracia política lhe concedeu uma legitimidade impressionante.
Quando falo em democaria económica significo que é tempo de acabar com os benefícios escandalosos atribuídos a círculos políticos e militares que abusaram ao longo dos últimos anos do poder que a proximidade das altas esferas lhes atribuiu.
Também quero significar que é necessária uma abertura clara ao investimento estrangeiro sem que as decisões tenham que passsar por um "general" já reformado mas ainda sequioso de dinheiro e que, em alguns casos, nem sequer sabe administrar, acabando por cair nas mãos dos que estão a "correr" para Angola à espera de um bom negócio de um general analfabeto e de bolsos cheios.
Quando falo em democracia social estou a lembrar a necessidade de acorrer urgentemente às zonas mais longincuas, mais afastadas dos grandes centros urbanos e salvar o que ainda há para salvar das famílias de agricultores, de criadores de gado, promovendo um desenvolvimento que se reja por uma modernidade adaptada à tradição angolana.
Não é possível que o MPLA possa deixar que continuem a ser desenvolvidas práticas atentatórias da estabilidade social dos povos do Sul, onde aparecem os "grandes senhores" de Luanda a pagar os "casamentos" com as jovens a quem visitam de vez em quando, sem ligarem aos filhos que entretanto vão nascendo.
Esta vitória, aparentemente exagerada, tem que conduzir Angola ao clube dos países cujas leis têm em conta os direitos fundamentais de todos os individuos, ao aparecimento de uma informação capaz de estar de todos os lados, defendendo, sobretudo, os interesses do povo anónimo.
Esta vitória do MPLA tem que significar o início de uma nova era para Angola e para o seu povo, ou antes, para os seus povos. Que todos eles consigam rever-se nas instituições de um Estado que a todos representa mas que a todos respeita. Um só Povo, uma só Nação é um slogan perigoso que sugere um centralismo autoritário. Um Estado para várias nações é mais conforme à realidade angolana - o futuro o dirá.
Por último: era bom que esta vitória do MPLA tivesse efeitos positivos na comunidade internacional e que Angola começasse a ser olhada com outros olhos, sobretudo pelo esforço que vai fazer para mudar o que, evidentemente, está mal.
Já agora: que os mais de 80 por cento do MPLA tranquilizem os funcionários dos consulados angolanos no estrangeiros e comecem a sentir-se como fazendo parte de uma comunidade com mais de duas centenas de estados, cujos cidadãos viajam cada vez mais, sem que essas viagens tenham sempre que ser consideradas perigosas...

sexta-feira, setembro 05, 2008

Um dos Tabus da Nossa História

Uma questão prévia: há anos que não compro o jornal Expresso. Razões? São várias, mas a principal é perceber neste semanário um jornal de aldeia em que meia dúzia de saloios obedecem, de olhos e ouvidos tapados, às ordens dos sucessivos donos do poder, isto é, do dinheiro.



Não ler o semanário que se transformou numa espécie de instituição e vive à sombra dessa condição e de outras coisas menos definíveis , não me faz diferença nenhuma (não deixo de ser menos informado por isso).


Um dia destes alguém insistiu comigo para eu ler na Revista daquele semanário um texto sobre os acontecimentos de Março de 1961 no Norte de Angola. E o amigo, que entende a minha posição, resolveu ir mais longe: passou cá por casa e deixou-me a revista de 30 de Agosto para eu ler o texto: "Sobreviventes e ignorados".



Fiquei surpreendido com o nome da autora, Valentina Marcelino, que se iniciou nas lides do jornalismo - já lá vão muitos anos - no Jornal África, de que eu era director. Era uma época em que se formavam jornalistas com a ideia de que de nós se esperava uma atitude de controlo e crítica. Éramos o "quarto poder" e nunca "aliados" dos outros poderes.



O texto revela uma história importante, alicerçada em factos reais, contada por um homem, um administrador de Concelho dos velhos tempos coloniais, Custódio Ramos, que, além de contar o que viu em dois relatórios, agora encontrados no espólio de um antigo homem do regime, teve ainda a oportunidade de esconjurar o seu apoio ao regime fascista, do qual acabou por ser vítima.



Vítima porque o teor dos seus relatórios não convinha à ideologia do momento já que evidenciavam uma facto "horroroso": o regime tinha abandonado miseravelmente os portugueses do "ultramar" depois de uma parte importante dos brancos que habitavam o Norte de Angola ter sido chacinada por terroristas absolutamente tresloucados.



E, como se não bastasse, mais tarde resolveu incluir num relatório de inspecção levada a cabo por si no Golungo Alto actos de corrupção, de cumplicidade em práticas de escravatura e abusos de poder da PSP. Também não convinha ao sr. ministro do ultramar, Silva Cunha.



Ao acabar de ler o texto da Valentina fiquei perplexo e mais se arreigou em mim a justieza da minha decisão de continuar a não comprar tal jornal.



É que a estória pedia mais. Não sei quem foi, mas aposto que não foi a sua autora, porque conheço os princípios em que foi formada, deitou fora a oportunidade de começar a esmiuçar a sério um dos grandes tabús da nossa História.

E porquê? Pela mesma razão que levou o regime fascista a castigar o administrador de posto, posteriormente promovido à condição de intendente e ainda de inspector, Custódio Ramos.

Ao Expresso e à comunicação social portuguesa de uma maneira geral não convém mexer neste passado. O que convém a todos é a ideia de que os portugueses "africanos"eram todos uns bandidos e uns exploradores de escravos e, por isso, as acções de terrorismo a que foram sujeitos não foram nada disso, constituiram o começo de uma guerra justa, embora iniciada contra uma população pacífica e desarmada.

Aos donos de hoje, que mandam nos saloios, convém manter essa versão dos acontecimentos para não correrem o risco de lhes cortarem o acesso aos negócios milionários e pouco claros da chamada "elite" angolana, a proceder à "acumulação primitiva" de capital.

Os "donos" de hoje conhecem a História de 1961; alguns deles provocaram o descontentamento em cima do qual se desenvolveu a ideia de massacrar os brancos - "o inimigo".

Os "donos" de hoje também já regressaram a Angola e estão a aproveitar da "acumulação primitiva" de meia dúzia de corruptos para reassumir, ainda que de forma mais discreta, mas mais rentável, a posição de outros tempos, dos tempos em que - eles sim - promoviam a escravatura na mais rica "provincia ultramarina"do império salazarento.

Estes dois relatórios podiam ser o ponto de partida para que os portugueses soubessem parte da verdadeira História dos portugueses de África e percebessem, de uma vez por todas, que os crimes do regime fascista não se ficaram pelas prisões arbitrárias, pelos assassínios políticos e pelo controlo absoluto da informação.

O regime colonial fascista português negou aos portugueses a possbilidade de viverem noutras paragens, em harmonia com toda a gente, promovendo o desenvolvimento e o bem estar para todos, no respeito dos direitos de todos.

Hoje ninguém quer saber disso. Já lá vão quase cincoenta anos e a verdadeira exploração só agora principiou.

É por isso que "Sobreviventes e Ignorados" é um texto seguramente incompleto e deixa aquele sabor " a pouco"...