quarta-feira, fevereiro 28, 2007

António Trabulo e "Os Colonos"

Ontem fui assitir ao lançamento do livro "Os Colonos", do António Trabulo, e antes de me referir propriamente ao evento, quero falar da enorme alegria que senti ao reencontrar o meu velho amigo Samuel Matias. Descobri-o - já ele andava à minha procura - porque mantém os mesmos traços fisionómicos, a mesma alegria no olhar e uma enorme parecença com o pai, o velho Matias Lopes (José).
Sempre a caminho do Caculuvar, onde a família ainda mantinha as suas terras, o pai do Samuel era uma figura imponente. Assim está o agora "velho" Samuel, um dos descendentes dos primeiros colonos idos do Funchal e cuja saga serve de base a este romance de amor que António Trabulo nos dá agora para ler, assim como uma espécie de homenagem à terra onde viveu os primeiros tempos das grandes aprendizagens da vida.
Como legenda de os colonos uma frase lapidar: "Partiram de mãos vazias. Enraizaram-se a amaram a terra. Mudaram África e foram mudados por ela".
Para se perceber uma das eventuais intenções do livro, valerá a pena tomar atenção a uma interrogação colocada na apresentação do livro: "Ouvimos com frequência dizer, ao longo das últimas décadas, que a nossa descolonização foi mal feita. Mas poucos lembram que a colonização não correu melhor. O que aconteceu, afinal, aos colonos que partiram para terras de África? Sem traumas ou preconceitos, este romance acompanha a eopopeia dos madeirenses que fundaram o Lubango, no Sul de Angola.
"Os Colonos" é também um livro corajoso porque é a estória ficcionada de um grupo de gente boa e menos boa e até má, que, com todas as suas contradições, iniciou a construção de uma cidade de que toda a gente que nela viveu ou vive se orgulha.
A apresentação do livro foi feita pelo Fernando Dacosta, no seu estilo displicente, convidativo ao sono e pouco cuidado. E com erros. Por exemplo, pôs no Lubango uma casa do Norton de Matos que existe no Huambo. Além do mais, continua com ideias erradas sobre o que pode ser o futuro dos portugueses em África. No futuro, o neo-colonialismo obedecerá a esquemas de Estados, subordinados a programas das multinacionais. A colonização portuguesa foi feita ao sabor do espírito aventureiro de um povo que se sentia mal-tratado na sua própria terra. O Estado só apareceu para estragar...

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

ETERNIDADES

O meu caro editor pode dormir tranquilo:em Luanda havia quem apreciasse o balador. Não eu, confesso, então pouco ligado à Rádio. Por felicidade, não havia tv em Angola e eu podia sair, apressado, pela manhã. Não havia (ainda não tinha) o hábito de escutar a Rádio, nem sequer pelas notícias. O vício de pequenino era o de espreitar os jornais, a «telefonia» era coisa de música. Claro que ia muito ao cinema. Podia dar-me a esse luxo e além do mais nem pagava bilhete.Zeca Afonso chegou-me pelo Joaquim Cabral, que o venerava. Tinha-me, nem sei porquê, habituado à ideia de que não gostava do fado de Coimbra e eu tinha por Coimbra a mesma simpatia que o Leston conservou por Luanda. Eu achava que «eles» tinham a mania e nem me ocorria que a «mania»podia ser minha. Graças ao Quim, o meu muito estimado colega e extraordinário fotógrafo, aprendi a ser menos precipitado nas conclusões. E sempre que passava por casa dele a caminho da reportagem fazia uma pausa para escutar uma faixa do disco.Mas foi no Moxico, no Luso, se faz favor, que «sofri» a lavagem completa ao cérebro. O Quim conhecia o secretário do governador do distrito e nós precisavamos de pedir meios para deslocações afins à reportagem. O governador facilitou as coisas, mas foi o seu secretário que convidou o Quim para que jantássemos com ele.Fiquei meio lixado com a ideia de jantar em casa de alguém que não conhecia, mas o Quim não se conteve:-- É pá! O gajo tem os discos todos do Zeca Afonso!...E tinha! Estar sentado à mesa do poder tem regalias! Foi uma noitada e peras e eu saí de lá lavado de obscurantismo saloio.Mais tarde viria a saber de perseguições e convicções, em Lourenço Marques, por uma amiga que com ele conviveu. Dela me vem à memória a coragem irresponsável, numa tarde na Av, da Liberdade (!), a Céu ostensivamente grávida, a bramir contra a repressão policial, numa manif das que ocasionalmente se levantavam, no pós Delgado!

sábado, fevereiro 24, 2007

Zeca Afonso

Fez ontem vinte anos que morreu Zeca Afonso, uma referência de luta contra a opressão o obscurantismo, mesmo para aqueles que nunca lutaram por coisa nenhuma - o que é bom. Alguém disse que as nações não se constroem sem heróis. Entre os portugueses do sec. XX eles foram poucos, mas, seguramente, o Zeca um deles.
E foi-o durante muitos anos e em muitos lugares. Os seus discos, proibidos de passar nas Rádios, alimentavam os sonhos de muita gente de um dia viver na mesma terra mas com outra gente a mandar.
Quando falo em muitos lugares, não posso deixar de me lembrar da afirmação de um homem da Rádio e Televisão, que num programa em que se falava da Rádio de Angola, transmitido há pouco tempo pela RTP África, o Latitudes, afirmava que em Angola, quem trabalhava na Rádio não conhecia, sequer, o Zeca Afonso.
Hoje, que estou com tempo, vou contar uma estória sobre essa ideia de que em Angola eram todos uns ignorantes sobre as movimentações culturais e políticas portuguesas. Assim, o Carlos Brandão Lucas, meu amigo e com formação de historiador, poderá ficar orgulhoso pelo facto de no Lubango - não em Luanda, onde não havia tempo para certas coisas - haver um grande interesse pelo Zeca Afonso e também um grande conhecimento da sua música e o que ela representava.
No final dos anos 60, suponho que mesmo em 1969, o Rádio Clube da Huíla, onde eu trabalhava, convidou o Zeca Afonso para fazer um espectáculo no Lubango (Sá da Bandeira). Escrevemos-lhe para Setúbal, donde ele nos respondeu aceitando o convite, dando-nos algumas facilidades e pondo algumas condições.
Como pagamento apenas queria as viagens e a estadia - e mesmo assim utilizaria uma passagem que tinha para Moçambique, faria uma paragem em Luanda e de lá voaria para o Lubango.
As suas condições eram: aceitava fazer um espectáculo pago, desde que a preços baixos e queria fazer um outro espectáculo, "para o povo", sem qualquer pagamento.
O Leonel Cosme, que também trabalhava no Rádio Clube da Huíla, embora com funções administrativas, eu, o Humberto Ricardo, o Pereira Monteiro, a Eunice Correia e, de uma forma geral, todos nos empenhámos neste evento. E connosco, a cidade inteira.
O espectáculo gratuito "para o povo" seria feito numa plataforma, a sair da chamada esplanada capela da Senhora do Monte, com colunas de som, espalhadas pela serra em torno do então parque da Senhora do Monte. As pesssoas tinham um espaço muito razoável para ver o Zeca Afonso, como que a sair da Serra e ouvi-lo de uma forma totalmente inédita.
Houve bastante correspondência trocada com ele e o Zeca Afonso ficou verdadeiramente entusiasmado com a ideia do espectáculo na Serra.
Enviou-nos a listagem das canções que iria cantar. Foram todas à censura local e aprovadas. Promovemos os espectáculos.
O espectáculo com público pagante seria realizado no Pavilhão Gimnodesportivo e os bilhetes esgotaram-se em dois ou três dias.
Estava tudo preparado para receber em festa o Zeca Afonso, quando recebemos comunicação, directamente do Governo Geral ( o governador era o Coronel Rebocho Vaz) a proibir o espectáculo.
Tivémos, como é óbvio, de devolver o dinheiro às pessoas e fomos impedidos de explicar as razões por que não haveria espectáculo, mas o povo era sereno mas não estúpido e percebeu que o São José Lopes, o homem da PIDE em Angola, não tinha gostado da ideia.
Penso que esta história não faz sequer parte das várias biografias do Zeca Afonso, mas ela revela o seu grande empenhamento em fazer da canção "uma arma" e a sua grande generosidade, dispondo do seu tempo, a troco, praticamente, de nada.
Por último, também deixo aqui a ideia de que o Zeca não era uma desconhecido em Angola - sê-lo-ia em Luanda ?
Eu, por exemplo, trazia no meu automóvel um gravador portátil que só tocava música do Zeca Afonso. Já que não a podia passar na rádio...