terça-feira, agosto 29, 2006

A Leste Tudo de Novo

Confesso que já respondi ao teu texto, meu velho amigo ( já lá vão mais de 50...eh...eh...eh). Foi na noite de ontem, mas, hoje, logo pela manhã, não gostei do que tinha escrito. Sabes como é: havia qualquer coisa que não correspondia. E apaguei. Fiz "delete", pensando que teria de voltar ao tema do Leste, que, em certas circunstâncias, jogando com o meu nome, tu usaste maravilhosamente.
Lembrei-me, a propósito do título do teu texto de um outro , escrito no "África": " A Leston Tudo de Novo". Era uma época feia. Toda a gente nos atacava porque não percebia por que razão um grupo desconhecido, sem o beneplácito de qualquer partido ou de outra confraria qualquer, mantinha um jornal de qualidade. Suponho mesmo que foi na altura em que decidimos passar de Quinzenário a Semanário.
Estou sem tempo para fazer essa pesquisa, mas lembro-me da emoção que as tuas palavras, encadeadas com um talento que te reconheço desde os teus 16 anos, me provocou. Não exactamente a mesma que me fez humedecer os olhos agora com o teu "Ao Leston que já voltou do Leste", mas quase.
Ir ao Leste, depois de tudo quanto se passou, foi uma proeza. Descobrir uma Juventude, já não socialista, mas ávida de saber o que se passa à sua volta, descortinar os vícios de uma aristocracia, cuja nata vive em Londres e não em Moscovo, perceber que os mecanismos do "império" estão montados num país que, para ser o mais rico, só lhe falta querer mostrar a riqueza que ainda tem escondida, descobrir que o poder bolchevique apenas mudou de roupagem e que o povo gosta...
Descobrir tudo isso e mais as montanhas dos impressionistas que eu procuro por toda a parte onde vou: salas de Gauguin, Degas, Monet,Cézane, Pissarro, Renoir, a par das outras como Picasso, Matisse, Kandiski...
Descobrir isso e uma dúzia - ou mais - de homens, meus companheiros num dos voos, exibindo bilhetes da TAG e o mesmo ar humilde daqueles outros de que nos lembramos a descer dos "paquetes" com as taleigas às costas, mas com a esperança de que o facto de absorverem menos luz lhes daria alguma vantagem, foi uma aventura.
A chegada a Lisboa é sempre um sofrimento: tenho a sensação de que tenho que fazer alguns exercícios para adpatar não só o corpo mas a cabeça à dimensão do "aquário" que me destinaram. Quem terá sido?
A única alegria é a de poder contar com os amigos - também eles fartos de se interrogarem sobre se o fado é uma canção ou um programa de governo.
Para terminar, e a propósito do Leste, lembro aqui aquela tua outra crónica, "Bué de Sede" (Ainda hás-de fazer uma selecção e publicar um livro...hen?) em que tu desafiavas a CIA ou a KGB a mandar o cheque, uma vez que toda a gente acusava o "África" de ser pago por uma delas.
Desta vez, porém, ao desembarcar em Lisboa também trazia na cabeça os olhos daqueles camponeses "ex-soviéticos" (russos?), segurando com força o bilhete da TAG, que os levaria a um mundo novo.

domingo, agosto 20, 2006

A "Invasão" Está Aí

Em 1958, o então jovem Sékou Touré, cidadão francês da chamada África Ocidental Francesa, depois de ter comparticipado no esforço de guerra para derrotar as hostes de Hitler disse "NÃO" à integração do que viria a chamar-se de Guiné Conackry no território francês.

Este foi o primeiro grito de revolta africana contra a dominação europeia. E podia ter tido o significado da expressão de uma aliança de África com uma certa Europa capaz de substituir valores retrógrados de superioridades rácicas e outros por conceitos de solidariedade, pelo respeito e pelo direito à diferença.
Outras independência se seguiram à da Guiné Conackry. Lembro-me de ter passado em Dakar nas vésperas da declaração da independência do Senegal. A euforia e o medo misturavam-se no ambiente geral da cidade, cuja imagem mais forte que guardo é a do mercado.

Quando chegou a vez da Independência da jóia da coroa francesa - Argélia - o resultado foi uma guerra em que morreram milhões de pessoas.

O Reino Unido também foi cedendo alguns dos territórios que a Conferência de Berlim lhe tinha outorgado, mas deixou que os Botha e companhia instalassem o regime do apartheid na República da África do Sul, cujo problema não era a independência política, e que Ian Smith alimentasse o sonho de uma Rodésia independente conduzida pela minoria branca.

Com as colónias portugueses aconteceu o que se sabe: depois de guerras que constituiram sobretudo indústrias para uma meia dúzia de maduros e que tiveram como único objectivo manter artificialmente mercados para onde os portugueses mandavam toda a sorte de porcarias, impedindo, ao mesmo tempo, que em certas colónias ,se desenvolvessem sectores como a agricultura e a indústra, que lhes permitisse uma maior autonomia, o Estado português abandonou sem honra, glória e mesmo sem educação as suas colónias.

Portugal adoptou, como o resto da Europa, a atitude de esperar para ver. "Vamos ver o que eles fazem sem nós...".

E, entretanto, grupos económicos e de aventureiros foram imitando o que similiares de outras nacionailidades já faziam: aderiram ao método da corrupção, na continuação de uma exploração que continuava a beneficiar os antigos exploradores - não os colonos que estiveram no terreno e construiram verdadeiros países onde a vida seria progressivamente mais fácil para todos - mas os que, vivendo nas metrópoles, conheciam das colónias apenas os números das contas bancárias.

A estes grupos de exploradores, transformados agora em corruptores, juntaram-se os corruptos, que ascenderam ao poder nas antigas colónias, agora países independentes.

Esta combinação foi desastrosa para as populações em nome das quais se lutou pela independência e a quem se instilaram sentimentos racistas e xenófobos: os explorados de ontem são os super-explorados de hoje; os exploradores de ontem são os corruptores de hoje e os lutadores pela liberdade de ontem são os interlocutores de um sistema económico liberal onde tudo vale e tudo se esquece.

África é um amontoado de desgraças, de miséria, de onde se foge, mesmo tendo como quase certa a morte.

A Europa procura esconder o conhecimento do que por lá se passa e os homens de negócios continuam a encontrar-se em hotéis de luxo com os seus imitadores africanos com quem dividem grande parte das riquezas que saqueiam, sem, todavia compartilharem a miséria, a morte, a fome, a doença, o obscurantismo, que se instalam nos antigos impérios coloniais europeus.

A desgraça já é, porém, tão grande que começa a trasvasar e a chegar às costas dos mares europeus na forma mais absoluta da miséria e do desespero.

Já não é mais possível esconder a estupidez a cegueira dos dirigentes europeus dos últimos quase sessenta anos, que não perceberam a importância do Continente Africano na salvaguarda dos interesses de ambos os continentes - uma salvaguarda tanto mais posssível, quanto se salvassem as diferenças étnicas, culturais e políticas.
Os europeus, todavia, agarraram-se à sua "superioridade" civilizacional, tentaram impôr regras de organização política e no rescaldo dos falhanços verificados aumentaram os níveis de exploração até ao impossível.
Para que constasse foram, em assembleias engravatadas e montadas para o efeito, lamentando a situação e fazendo apelos a ajudas que transformassem os povos africanos em povos assistidos, incapazes, ou pelo menos com sérias dificuldades em desenvolver os seus próprios recursos.
E o que acontece agora?
A Europa está cercada por todos os lados: pelos Estados Unidos com o seu desenvolvimento programado na guerra preventiva; pela China, um estado totalitário, ditatorial, a dominar a seu belo prazer o sistema económico liberal inventado com a conivência da Uniâo Europeia; pela Índia, uma superpotênca no domínio das novas tecnologias.
Para Leste ressurge o império russo e os seus aliados, que rapidamente se reorganizarão em termos económicos, aproveitando também as regras do liberalismo económico e esquecendo o tão propalado sistema social europeu, já moribundo em toda a União Europeia.
E aqui perto, África a desmoronar-se, com a sua gente em debandada, à procura, na Europa, de um sítio onde, pelo menos, possa viver tranquilamente, com uma refeição por dia e os filhos por perto.
Os barcos chegam. São cada vez mais pequenos - dizem as notícias - mas cada vez mais carregados de potenciais cadáveres.
As elites europeias, que exploram miseravelmente os seus povos e também os africanos e nada fizeram para perceber que melhor seria auxiliar um "desenvolvimento africano"vão ter que resolver o problema dos africanos na Europa.
Como dizia o prof. Agostinho da Silva, a "invasão" do Norte pelo Sul já começou há muitos anos. Mas agora é mais visível e mais dramática - acrescento eu

quarta-feira, agosto 02, 2006

Um Só Povo Uma Nação

Estou há muitos anos afastado do quotidiano angolano. Durante muitos anos não consegui afastar-me, mas, depois de "tanta porrada e tão mau viver" só os masoquistas resistem. Os masoquistas ou os verdadeiros heróis.
Hoje vi, em DVD, um filme sobre a actividade da Ana Clara Guerra Marques, cujo pai tive o orgulho de encontrar nas "batalhas" por uma Universidade capaz de transmitir conhecimento universal, e não posso deixar de me assombrar com o que aquela mulher franzina, criadora de uma escola de dança, de uma companhia de bailado, acusada de uma série de "pecados" ideológicos por ensinar música clássica aos angolanos, conseguiu com uma arte tão rica, tão difícil e tão fácil, como a dança, concretizar a ideia do MPLA de "Um Só Povo, Uma Só Nação".
Na realidade em mais nenhuma actividade desenvolvida em trinta anos de independência é tão visível a facilidade de entendimento entre todos os angolanos. Quando eles dançam, misturando a dança clássica com o que aprendem nos movimentos das danças tradicionais, conseguem mostrar a facilidade de construir uma Nação com vários Povos.
No mesmo filme também aparece muita gente a falar do esforço da "miúda". Ainda bem que ela também conseguiu eliminar as chamadas "barreiras ideológicas". Os meus agradecimentos pelos momentos gratificantes, impensáveis, de que hoje usufruí. É bom voltar a pensar que o slogan pode traduzir uma realidade, sobretudo se for através da cultura. E já agora, obrigado pelo verdadeiro heroísmo de uma vida dedicada a todos nós, mesmo aos descrentes.