domingo, junho 15, 2008

Uma Verdade que Dói

Não resisto à tentação de transcrever aqui um texto publicado no "The Times", no dia 26 de Maio de 2008 e assinado por uma mulher sul-africana: Nom Fundo Xulu
XENOFOBIA

Para onde iremos quando a África do Sul estiver destruída?

Houve uma altura na minha vida em que procurei desesperadamente uma empregada doméstica porque não conseguia dar resposta ao trabalho, ao bebé e às tarefas domésticas.
Dirigi-me ao quadro de anúncios de uma loja de conveniências da vizinhança e anotei alguns contactos. Telefonei a um certo número de mulheres e marquei encontros com seis.
Uma delas, sul-africana, não apareceu, mas mandou-me um kolmi. Quando lhe liguei, perguntou-me se podia ir buscá-la, porque não tinha dinheiro para o transporte.
Disse-lhe que outras cinco mulheres, que não eram sul-africanas, tinham conseguido chegar a minha casa à hora marcada. Uma delas até veio com uma criança às costas, na neneca.
Esse episódio, entre muitos outros, mostrou-me claramente que nós, sul-africanos, achamos que temos direito a tudo. Achamos que o mundo nos deve alguma coisa.
Isso é sobretudo verdade para os negros. Não me levem a mal, mas, directamente ou indirectamente, pensamos que o apartheid é uma coisa a que nos podemos agarrar para podermos ser vistos como vítimas, e que tudo nos devia ser facilitado.
E aqui estamos nós, 14 anos após o início da democracia na África do Sul, ainda agarrado a 1976.
Muitos de nós não conseguem aproveitar o acesso à educação nem a oportunidade para aprender mais e marcar a diferença. Por isso abusámos de pessoas que estão simplesmente a fazer os possíveis por ganhar a vida.
Os recentes ataques contra estrangeiros são a prova de que somos uma nação estúpida.
"Roubam-nos os empregos e violam-nos as mulheres", dizem os responsáveis por centenas de crianças inocentes estarem agora a viver em tendas com as famílias.
Como é que alguém pode tomar em mãos o seu destino quando os sul-africanos, no velho estilo dos bairros negros, se sentam todo o dia a apanhar sol, na má língua e a queixarem-se dos estrangeiros que lhes roubam os empregos?
Como é que uma pessoa que se esforça tanto por arranjar emprego e por exercê-lo bem merece ser espancada e até queimada?
Não percebo como fomos engendrados como sul-africanos. Sei que não temos todos a mesma mentalidade, e que há cidadãos instruídos que são completamente opostos a tais actos. Mas a rapidez com que esses ataques se espalharam é uma vergonha nacional.
Porque é que não participamos de forma tão rápida e colectiva em actividades de construção nacional? E porque estamos tão dispostos a participar quando se trata de coisas que não só destroem vidas humanas como também a economia e a credibilidade do país?
Dizemo-nos uma nação civilizada? Tenho vergonha de ser sul-africana.
Somos uma nação bárbara, e o nosso pior pesadelo.
Pergunto-me o que acontecerá quando finalmente atingirmos o objectivo de arruinar por completo o país - a economia, a credibilidade e os valores sociais - e precisarmos da ajuda dessas mesmas pessoas que andamos a matar.
Será que esperamos que esses países cuidem dos nossos filhos como fizeram no tempo do apartheid para regressarem à África do Sul como dirigentes instruídos, sábios e capazes?
Ou será que esses países também têm o direito de espancar os nossos filhos, de os queimar vivos e de os escorraçar como se fossem criminosos?
NOMFUNDO XULU

In The Times, 26/5/2008