As estórias que venho contando situam-se nos anos 50, altura em que Angola era terreno aberto para um colonialismo retrógrado, com um sistema de trabalho montado na base dos contratados, homens autênticamente capturados nas suas terras pelos chamados "angariadores", com a colaboração activa das autoridades administrativas, os chefes de posto e administradores de concelho.
Ainda me lembro da minha surpresa ao ver, pela primeira vez, homens amarrados uns aos outros, guardados à vista de chicote empunhado por cipaios (agentes da autoridade negros que usavam umas fardas mais ou menos miseráveis e que podiam ser verdadeiramente carrascos para a sua gente).
Estes contratados alimentavam as grandes roças do Norte, propriedade dos verdadeiros colonialistas e que hoje estão a regressar a Angola pela mão dos que dizem ter tomado o poder em nome do Povo. As grandes plantações de algodão e de café do Norte de Angola pertenciam a gente que não vivia lá.
Essa era uma das realidades. A outra era o completo desinteresse pelo desenvolvimento daquele território (14,5 vezes maior que Portugal) com um potencial económico inimaginável (o que aliás continua a verificar-se, porque os tais novos donos do país, só conseguem imaginá-lo à maneira dos colonos. E há, seguramente, um milhão de outras).
As leis eram verdadeiras aberrações. Por exemplo, não podia cultivar-se oliveiras ou vinha - culturas que tinham condições excepcionais na zona de Moçâmedes - para que os produtores da Metrópole pudessem continuar a usufruir da exclusividade daquele mercado.
Angola era, portanto, uma terra deprimida. Lembro-me de as pessoas se referirem à Huíla (naquela altura um distrito, com uma extensão 2,5 maior que Portugal) como uma "terra pobre".
O sistema de educação, como já percebeu, era restrito (dois liceus, um no Lubango e outro em Luanda) . Em algumas das outras cidades havia colégios, normalmente caros.
Nós éramos dois a frequentar o Colégio D. João de Castro, em Nova Lisboa. Ficava pesado nas finanças da família. Por isso, o meu pai pediu a transferência para o Lubango. E lá fomos.
A viagem começava às sete da manhã e não se sabia quando acabava, porque a estrada que ligava as duas cidades era uma verdadeira plantação de buracos. Terra vermelha. Fizémos a viagem em tempo de férias - que já coincidiam com as da "Metrópole" - e, portanto, era tempo de pó e não de chuva.
O autocarro em que viajámos( mãe e mais quatro filhos; o pai já lá estava) era misto, isto é, de passageiros e de carga. O compartimento para os passageiros tinha uma divisão: para brancos e para negros.
Parecia um barco no alto mar, o motor gemia, o motorista, que viajava com a mulher, transpirava e ia parando para descansar os braços, para desentorpecer as pernas. Havia paragens obrigatórias: Caala, Cuima, Caconda, Caluquembe, Cacula, Hoque... e , finalmente chegámos. Era noite. Tínhamos jantar à espera - a família de um colega do meu pai, o sr. Pacheco, um madeirense amável e solidário, tinha-nos obsequiado com essa atenção.
Lembro-me que eu queria era dormir, mas o barulho do motor do autocarro continua a gemer-me na cabeça.
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