segunda-feira, outubro 31, 2005

FreeZambia

A actualidaede africana tem tão pouco reflexo na comunicação social portuguesa que pouca gente sabe o que se passa de facto naquele continente. Para além dos passos de Nino Vieira em direcção aos patrões do Sul, pouco mais se sabe.
A verdade é que África está repleta de casos, de violências, de atropelos. Na Zâmbia, por exemplo, um país que até fez uma tran sição para a chamada democracia com algum sossego, estão a acontecer coisas bem estranhas. Por isso, resolvi incluir nos links deste blogue o «FREEZAMBIA».

VENTOS PASSADOS

Pois é, Leston, 30 anos passaram e a memória ainda se sobressalta. Em 75 também estive no Lubango. Foi depois de teres saído. Mas Sá da Bandeira ainda mexia. Funcionava o cinema, havia comércio. Comprei livros. Fui a um alfaiate bem conhecido na terra, irmão de outro alfaiate de Luanda, onde se fazia roupa por medida. Comprei dois pares de calças, confeccionadas para alguém que entretanto fora embora e conheci e dei-me bem com um dos manos Peyroteo. Ele estava envolvido. Fazia parte do grupo de «elps». Grande parte deles provinha dos comandos. De resto eu já tinha confraternizado com uns quantos, no Ambriz, entre os quais um dos seus comandantes, Santos e Castro, irmão do último governador. Lá estive com João Cardoso, ex-comando e ex-administrador do Notícia e o inditoso Manuel popó, que foi um dos guardiões de Spínola e um grupo de ex-militares. À pista do Ambriz vi chegar material de guerra, como carros blindados, canhões e coisas dessas que cabiam nos C-130. E soldados zairenses. Começou a correr mal porque o comando das operações foi entregue a um oficial zairota. Eles limparam a zona, mas não na direcção de Luanda e iam avançando na direcção de Catete. O grupo português, digamos assim, cuidou da área adjacednte e ocupou a barragem de Cambambe.
Durante a noite os soldados zairenses ouviram um ruido qualquer e fugiram. Os Faplas reocuparam a barragem, sem disparar um tiro! Na noite seguinte um pequeno grupo de comandos resolveu trepar até à barragem sem ruído. Tinham pedido aos soldados, em baixo, para não fazer barulho. Não foram capazes de cumprir a odem.
Quando estavam quase a supreender os vigias, alguém embaixo disparou uma rajada para cima.
Foi a vez dos soldados debandarem... Antes disso, já tinha tido ocasião de assistir a outras facécias. Era então um grupo de fenelás, comandados por um dos ex-chefes dos «Flechas». Estavam mais dois: um para decifrar mensagens e outro especialista em interrogatórios.
Havia um piloto brasileiro, divertido. Deves lembrar-te dele, Leston. Foi ele que pilotou o monomotor que foi largar panfletos sobre Luanda e que levava uma bomba caseira para largar sobre o Rádio Clube. Quem largou a bomba foi o Renato Ramos, mas ninguém jamais soube onde ela caíu! Eu e o Renato saímos juntos de Luanda. Apareceu por lá um tipo da CIA que foi avisar que o apoio americano ia desaparecer, com a tomada de posse do novo presidente dos states.
Entretanto os cubanos concentraram-se no morro da Cal, à espera da invasão. Acho que já contei a estória do canhão que falhou e a invasão gorou-se.
Dias depois segui com o Renato para Sá da Bandeira. Voar era o único meio seguro. Tinha sido um piloto da Taag que desviara o aparelho. Foi ele que me contou ter assistido, do ar, ao desembarque de cubanos, em Novo Redondo.
Em Sá da Bandeira não se viam soldados sul-africanos. Dos portugueses, com alguns angolanos,
havia uma porção deles, não muitos. Unitas é que eram aos magotes e muito cheios de importância. No hotel vi com frequência oficiais sul-africanos. Os soldados estavam aquartelados no aeorporto. O único soldado visível era o motorista dos oficiais. Não fui ao Huambo, à tomada de posse do governo da RDA. Um dos ministros empossados, um conhecido advogado de Luanda, voltaria à capital angolana, uns 20 anos depois, para presidir à comissão eleitoral. Creio que foram as únicas eleições que se realizaram por lá, até aos nossos dias.( continua, já a seguir)

VENTOS PASSADOS/2

No Ambriz viveram-se tempos curiosos, entre o veraneio e o dramático. Holden instalara-se em casa do tio de Carlos Fernandes, um amigo inesquecível, que me recebeu em Luanda e me ajudou bastante. À volta do líder da Fnla, o ex-ministro da Saúde do governo de transição, figura praticamente decorativa, Hendrik Vaal Neto e um tal Cascudo, jornalista brasileiro, do «Cruzeiro», que eu conheci no Rio de Janeiro, quando fui cobrir a visita de Marcelo Caetano ao Brasil. Mais tarde voltei a vê-lo, em Luanda, a dirigir uma campanha de promoção, nem me lembro de quê. Depois disso ele terá ido para trabalhar para o movimento de Holden, onde se tornou conselheiro preponderante. Ele e Hendrik tinham em comum algo que os separava: apreciavam a companhia de jovens soldados...
Antes da chegada do primeiro contingente zairense, era o operacional da DGS o estratega das operações, aliás bem sucedidas. É melhor situá-lo. Era um dos mais influentes chefes dos Flechas, os homens da mata. Quase todos ex-guerrilheiros do MPLA eram bem o contrário dos soldados africanos comuns, dos tais que fugiam ao primeiro sinal de perigo. Os «flechas» eram largados algures na mata, para operações nos corredores por onde se infiltravam os guerrilheiros. Era a guerra suja. Não havia prisioneiros, nem condições para isso. Os primeiros resultados, sobretudo pela identificação de algums dos «abatidos», causaram enorme pasmo e alguma desconfiança. Desde então, os grupos de «flechas» levavam uma máquina fotográfica "polaroid". Os resultados continuaram a ser surpreendentes.
Eu conhecia-os. Algum tempo antes tinha feito uma reportagem com os «flechas» E já hão-de perceber porquê.
De 61 a 74 a guerra nas colónias evoluiu. No princípio era todo o dramatismo que qualquer guerra gera. Depois passou a ter o seu lado menos desagradável. Em Luanda, o largo da Portugália (um café vulgar, com esplanada) tornou-se um centro de corretagem. Os militares, a começar de cima, especulavam com divisas, à luz do Sol. A guerra ia-se tornando cada vez mais tolerável. Oficiais de diversas patentes ofereciam-se para mais comissões. Passaram, em geral, a fazer-se acompanhar das esposas, que abichavam lugares nos escolas ou nas repartições do Estado. A partir de 65 morria-se mais nas estradas do que na guerra. Os militares começaram a acomodar-se.
A polícia política cedo se apercebeu do perigo. Não podia, bem entendido, acusar ou hostilizar os militares. Sem outro recurso, montou a alternativa. Não sei de quem foi a ideia, mas sei que
São José Lopes, «zero-zero Lopes», como lhe chamava Rebocho Vaz, a adoptou. Um dos operativos junto dos «flechas» era um inspector, saído do exército com "Torre e Espada", suponho que seja assim que se diz!. Terá tido a sua importância no processo de contacto com a guerrilha da Unita, no Leste, onde os madeireiros já coexistiam com os guerrilheiros da mata, sem problemas. Através deles combinou-se um encontro. O inspector foi despejado do heli e
viu-se rodeado de guerrilheiros. Além das armas visíveis, levava uma pastilha na boca. Não seria feito prisioneiro!Atirou a metralhadora ao chão e disse vamos lá conversar e deixar de suspeitas. Conversaram.
O MPLA começou logo a ter muitos problemas no Leste, mas disso falarei depois. O que arrancou de seguida foi a acção dos «flechas». Os militares não levaram tempo a torcer o nariz e ao palácio do governo começaram a chegar reparos e a situação começou a tornar-se delicada. O director da DGS não foi de modas e pediu ao governador que interferisse junto do Notícia (desculpem, mas ainda hoje não consigo escrever Notícia entre comas!) para uma reportagem sobre os...«flechas»!
Lá fui com o Baião vê-los ser despejados do helicóptero ao cair da noite. E fomos recolhe-los très dias depois, uns 50 km adiante. Fui ao Luso, ver uma sanzala só deles e das respectivas famílias.
O inspector muito condecorado fêz anos e eu ofereci-lhe uma colecção de alicates. Foi muito amarelo, foi, mas mesmo assim um sorriso! A reportagem teve cortes significativos e por uma vez tive um director da Pide a apelar a meu favor. Nem mesmo ele conseguiu levantar mais que metade dos cortes e refilou comigo: "Vocês, jornalistas são uns sacanas, sempre a pôr veneno", mas eu percebi que ele estava só a ser director e que estava tão lixado como eu, a censura era militar...( continua, se o bom Deus quiser).

sexta-feira, outubro 28, 2005

Trinta Anos (2)

Volto atrás para rememorar os últimos acontecimentos antes de abandonar o Lubango, a minha cidade. Passei pela Rádio Popular, onde, obviamente, toda a gente estava mais ou menos ameaçada. Ofereci a todos a possibilidade de seguirem comigo. Alguns - poucos - aceitaram. Outros preferiram ficar ou ira para as suas terras.

Havia um grupo de soldados das Fapla a fazer a segurança das instalações da Rádio, só que não tinham munições...

O tal avião que haveria de trazer as armas chegou, mas tarde. Quando se aproximou da pista de aterragem foi bombardeado pelas tropas sul-africanas que já se encontravam bem perto do aeroporto. O Leonel Cosme tem desse incidente uma versão bem interessante, já que passou horas num buraco de Jimbo, à espera que a calma voltasse. Viu roubarem-lhe o carro, assitiu a uma série de coisas, mas ele já contou tudo isso.

Quando deixei a cidade, os soldados sul-africanos entretinham-se a bombardear as cercanias da cidade.

A caravana seguiu viagem. Fui deixar a minha gente a Benguela e regressei com alguns camaradas para a Cacula, onde se discutiam os planos de batalha. Para alguns não havia nada a discutir, já que os cubanos estariam a chegar. Era uma fé tão grande que bloqueava.

De facto, eu tinha visto alguns cubanos: no Chongorói, um deles, enquanto bebia vinho tinto e comia melancia, assegurava que os sul-africanos não passariam daquela ponte e apontava-a. Perto de Benguela havia um CIR (Centro de Instrução Revolucionária) onde também estavam cubanos - quando me viram ficaram furiosos porque a presença deles naquele local era, supostamente,secreta.

Na noite de 23 para 24 de Outubro eu e mais um grupo resolvemos sair da Cacula e ir até ao chamado Km38, donde se avistava a cidade. Queríamos perceber se havia indícios de algum desastre. As luzes viam-se ao longe, sinal de que tudo estaria normal.
Todavia, a certa altura, quase fomos surpreendidos por uma pequena força motorizada do exército sul-africano que revelava conhecer bem as picadas da zona, já que, por aquele caminho, estava a fazer a ligação com o Kipungo.
Começámos a perceber a estratégia do grupo invasor: criava acções de diversão em determinada direcção e movimentava o grosso das forças noutra.
Para confirmar isso mesmo, rumámos Cacimbas, um ponto de ligação entre a Kibala e Quilenges, onde, mais uma vez, íamos sendo apanhados «à mão». Os sul-africanos já tinham estabelecido cumplicidades na zona.
Voltámos à Cacula e tentámos convencer alguns chefes militares que por lá ainda estavam, mas com os automóveis na direcção de Benguela, de que aquele entrocamento tinha perdido valor estratégico. Os inavasores sabiam exactamente como nos apanhar pelas costas.
Ninguém acreditou em nós. Alguns dias depois, uma coluna com mais de 300 homens, enquadrados pelos instrutores cubanos, foram dizimados em Catengue, porque foram apanhados pelas costas, por uma força que não vinha de Quilengues, mas do Cubal.
Lembro ainda desses dias uma tentativa de nos aproximarmos da cidade, para percebermos se podíamos estabelecer um cordão de defesa mais perto do Lubango - a intenção era reter a força invasora até que a tal força cubana aparecesse.
Perto do Hoque, vimos ao longe uma força militar e, sem saber se era nossa ou do inimigo fomo-nos aproximando lentamente. De repente, percebemos o cano de um canhão de um carro de combate a movimentar-se na nossa direcção.
Quem conduzia o Subaru que nos levou por todos estes caminhos era eu. Consegui inverter a marcha, o primeiro tiro partiu e bateu na estrada, um pouco à frente e à direita. A adrenalina subiu a níveis bem altos, pelo que deu para perceber que, no momento em que passasse no sítio onde a granada tinha batido, o atirador rectificaria o tiro, contando que eu me desviaria para a esquerda. O tiro partiu, mas eu estava do lado direito da estrada e a granada fez um buraco do nosso lado esquerdo. A seguir havia uma curva...
A informação que entretanto transmitimos de que havia um grupo de reconhecimento inimigo ampliou-se de tal forma que as poucas forças que estavam colocadas ao longo da estrada para a possibilidade de colocar os inimigos debaixo de emboscadas dispersaram totalmente.
Vi gente a abandonar as armas e a despedir as fardas, fugindo mato fora.
Entretanto, em Benguela ia instalando-se o pandemónio. O Comdante Monty, cunhado de Agostinho Neto e mais tarde ministro dos petróleos, não acreditava nos relatos que lhe faziam.
Fiquei sem saber se não acreditava ou se tinha instruções para não acreditar. A verdade é que a tal força cubana estava ao largo de Porto Amboím e era ali que estava verdadeiramente estabelecida a linha de defesa.
Quando alguns dias depois, já com os sul-africanos a tomarem Benguela e a caminho de Novo Redondo, resolvi rumar Luanda, onde cheguei a 8 de Novembro, percebi que todo o Sul tinha sido entregue aos carcamanos.
Luanda, a 8 de Novembro era uma cidade fantasma, podia passar-se a 120 à hora na Mutamba. Sentado num banco do jardim do Baleisão sentia a cidade a tremer com os bombardeamentos das forças de Mobutu, que a Norte, tentavam tomar Luanda antes de 11 de Novembro. As granadas caiam na Vidrul e o chão de Luanda tremia. Foi há trinta anos.

Trinta Anos (I)

Não é verdade que pareça ter sido ontem. Já foi há muito tempo. Outubro de 1975. Um grupo armado do exército sul-africano, orientado por militares portugueses do ELP e - porque não dizê-lo? - por alguns angolanos, entraram no Lubango. A 23 de Outubro. Eu tinha comemorado o meu aniversário dois dias antes e, premonitoriamente, não tinha lavado a louça - um montão de pratos e panelas.

O tal grupo ocupou-me a casa distribuiu a louça , roubou-me os albúns e os documentos e espalhou-me a fotografia por todos os cantos oferecendo 100 contos a quem dissesse onde estava eu.

E onde estava eu?

Primeiro, tentando organizar a defesa da cidade. Ainda no dia 22, nas traseiras do Bairro da Mitcha, subi para cima de uma camioneta e disse a toda a gente o que se estava a passar. Depois agarrei em cada arma que me apresentavam - algumas bem estranhas - e explicava como "aquilo" funcionava.

Eu próprio fiquei admirado com os meus conhecimentos...

No dia 23 foi a confusão total. Eu parti para a Cacula, onde supostamente estariam os reforços cubanos. A minha mulher foi para o aeroporto, onde, supostamente, chegaria um avião com armas. Acabou convidada pelo comando local a traduzir uma conversação em inglês captada pelos receptores do Aeroporto. Rapidamente percebeu que eram conversações em código e que os seus autores estavam bem perto.

O princípio que havíamos estabelecido tinha-se quebrado: "na hora da confusão temos que estar juntos". Qual quê?

Ela voltou do aeroporto, telefonou para tudo quanto era centro de decisão do MPLA, incluindo os militares, e ninguém respondeu. Estava toda a gente a caminho de Luanda, "fazendo relatório da situação" ( não me venham agora pedir textos para memórias heróicas...fugiram todos!!!!)

Há mesmo algumas situações kafkianas. No Lubango, havia uma residência universitária, razoavelmente bem apetrechada, que dava guarida a algumas estudantes universitárias que vinham de longe e não tinham meios para pagar hospedagem noutros locais: hotéis, pensões, casas particulares...

No calor da disputa política entre 1974 e 1975, todas elas aderiram ao MPLA. A residência transformou-se, por isso, num bom local para esconder armas e outro equipamento.

Ora, a quando da invasão militar sul-africana, e a seu propósito, toda a gente se interrogava sobre o que fazer, dois responsáveis pelos serviços de "inteligência" do MPLA passaram pela residência feminina, aconselhando as suas utentes e ficar em casa, enquanto eles, detentores de poderosos carros, iam a caminho de Luanda, também "para informar".

E onde andava eu ?

Consegui montar uma caravana automóvel, onde reuni a família, isto é, os meus dois filhos mais a mãe deles, alguns amigos e algumas das estudantes entregues pelos tais dirigentes. Era uma caravana complicada, porque, na verdade, já se estava a concretizar o saque. Havia uns tantos dos chamados responáveis do MPLA que tinham em seu poder um número impressionante de livretes de automóveis e, que por isso, tentavam controlar as viaturas.

Os responsáveis militares, esses desapareceram.

Alguns deles, encontrei-os na Cacula - o cruzamento estratégico nas estradas Lubango-Benguela, Lubango-Huambo.

Os outros tinham desaparecido literalmente, internaram-se no mato e prepararam-se para viver como no tempo da guerrilha, entre a população. Alguns apareceram depois a contar estórias mirabolantes de resistência que nunca aconteceram. São alguns desses que agora se preparam para relatos literatos de heróicidades inspiradas nos filmes do Rambo.

A um deles eu devo prestar homenagem, porque não fugiu e nunca abandonou a sua gente: Emílio Braz, que, de algum modo tentou organizar o fluxo de gente que saía da cidade e que, depois, em Caluquembe organizou a logística , fazendo daquela Vila um hipotético centro de resistência.

quinta-feira, outubro 27, 2005

POUCA TERRA, POUCA TERRA

Eu gosto de tgv, mas qualquer comboio me serve. A primeira vez que ouvi falar de comboio veloz foi ao meu mano mais novo, depois de uma longa viagem que ele fez e que incluiu o Japão. Naquele Japãp dos anos 60 já havia comboios como não havia nos Estados Unidos, onde se perde muito tempo a arrumar bombas atómicas e pouco a tratar das pessoas, mesmo americanas. O comboio japonês do meu irmão que ia muito depressa de Tóquio a não sei onde, não era Lusaka, não, mas qualquer de parecido!
Nesse tempo, eu delirava com o comboio de Benguela, que por ser de Benguela saía do Lobito e Benguela amuou. Disse que não podia ser e o comboio resolveu dividir o mal pelas aldeias: saía metade de Benguela e outra metade do Lobito e entrelaçavam-se algures, suponho que na Catumbela. E eu que andava influenciado por uma senhora que me sussurava: "mais devagar, menino, mais devagar, não tenhas pressa!", habituei-me ao andar dos comboios lentos e a condicionar as velocidades...
Já nos anos 80 usei o tgv Paris-Marselha. Era mentira, tão mentira como qualquer mentira portuga. O tgv andava como tgv só até Lyon. Daí em diante rodava como qualquer comboio da linha de Sintra. Bom, não é bem assim.Nesse tempo, já os comboios franceses de longo curso
desfilavam a 180 km/hora, mas a novidade já ia nos 300 km!
Hoje em dia, os comboios andam que se desunham praticamente para todo o lado e passam pelas fronteiras sem dar cavaco.
E em Angola houve comboios e o comboio lá era coisa séria! Vai havendo uns troços, vai havendo! Mas não há o comboio que havia nem o que já devia haver. Angola tem tido o que muito poucos países do mundo conseguem: dinheiro fácil. E nos últimos anos demasiado fácil. Um pouco desse dinheiro, desses diamantes e desse petróleo podia ter recuperado, corrigido e aumentado os caminhos de ferro e desse modo empurrado o desenvolvimento para o interior, onde há espaço para toda a mão de obra que for precisa.
Repor a tranquilidade e alargar horizontes. Se necessário reinventar a extensão rural, sem complexos. Não faz sentido deixar uma população morrer à míngua, com tanta «sopa» debaixo do chão! De momento nada falta para arrumar a casa. Só a vontade parece escassa. Um dia destes o petróleo vai secar ou simplesmente passar de moda. Bom seria que quando partisse deixasse a mesa posta!...

terça-feira, outubro 25, 2005

MANDA QUEM PODE

Agostinho Neto morreu em Moscovo. Morrer em Moscovo é quase um dilema.Será que se pode, que se podia, morrer em Moscovo tão naturalmente como em New Orleans ou em Freixo de Espada à Cinta?
Espero que sim, desejo que o homem possa ter morrido simplesmente de cirrose ou de qualquer outro malefício tão saudável como outro qualquer, súbita e definitivamente. Tudo quanto houve de mau no camarada Agostinho já Leston Bandeira se deu ao incómodo de desfiar em pormenor.
Também Samora Machel teve morte súbita e susceptível de enredo à posteriori. Qualquer deles
ganhara a sua guerra e impusera-se no poder. Eles queriam. Puderem. E mandaram! Um poeta que conheci cantou o seu ódio ao fascismo, ao dono da «loja»:( ...fazei todo o mal que puderdes
e passai depressa...).
Seja o que for que tenham feito de mal, passaram razoavelmente depressa!...
O povo, um de cada lado do mapa, ainda hoje não entende porque teve de ganhar a guerra para ficar como está. E não há, por ora não tem havido, escritores suficientes para dar conta da realidade que se tem vivido e se vai vivendo, depois da liberdade! Os literatos que ensaiam explicar são, as mais das vezes, de raiz progressista. Deambulam à volta do mito, refazem a criatura e forjam a História, sem passado real e que no futuro há-de ignorar pelo menos meio
Século de terror e barbárie.
Mobutu não morreu em Moscovo, nem caiu do avião. Sucumbiu ao desgosto de ter perdido o poder, ele, que saía das nuvens, à hora do início do programa televisivo. Não lhe bastava ser rico e poderoso: queria ser Deus! Poder dizer no fecho da emissão: "até amanhã, se Eu quiser!"...
Em todo o caso foi uma pena não terem convidado Pinochet para visitar Moscovo ou deixá-lo cirandar pela praça de Tianamen, por onde perpassa, como se sabe, uma espécie rara de justiça divina...
Já não devo ir a tempo, mas se dispuser dele, hei-de ressuscitar Stalin, escrevendo a verdadeira
história de «O homem à esquerda de Deus». Oxalá esteja bem enterrado...

segunda-feira, outubro 24, 2005

Agostinho Neto

Hoje vai ser lançado um livro sobre Agostinho Neto. É mais uma tentativa de recuperar um mito sem direito a existir. É necessário perceber que a prática de Agostinho Neto não correspondeu minimamente à teoria que largamente difundiu, quer através da sua poesia, de palestras proferidas um pouco por toda a parte e de discursos, ditos quer na condição de chefe de um movimento político e militar, quer na condição de Presidente da República Popular de Angola.
Agostinho Neto não cumpriu nada do que teorizou.
Recuperar Neto, apresentando-o na capa de um livro de AK na mão, com um boné e o ar de quem está a sair de casa para um passeio, chega a ser ridículo.
Neto destruiu em dois anos um país, expulsando de forma ilegal a população que tinha condições para assegurar a viragem política necessária a um país independente e forte do ponto de vista económico.
Neto reprimiu com uma violência inaudita uma tentativa de golpe de estado que ele próprio poderia ter evitado, se tivesse agido correctamente.
Neto aliou-se aos soviéticos e aos cubanos para garantir um poder que queria total.
Neto foi tudo em Angola, desde Presidente da República, a Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, chegando a envergar uma farda ridícula de desenho soviético, a reitor da Universidade de Angola.
Neto administrava pessoalmente as finanças do Estado com critérios absolutamente duvidosos. Se o ministro tal se portasse bem tinha orçamento, se, ao contrário, se portasse mal, não tinha orçamento.
O ministro da Economia, por exemplo, Carlos Rocha Dilolwa ( que se suicidou há alguns anos por não aceitar que a sua luta tivesse conduzido o país ao estado em que se encontrava) não tinha orçamento para desenvolver a economia, «porque se portava mal», isto é, não concordava com Neto.
O mito do poeta universal e humanista foi morto pelo político do poder absoluto.
Provavelmente, também será fácil apresentar Oliveira Salazar com um rosto humanista se atendermos apenas aos seus textos e esquecermos a sua prática política

segunda-feira, outubro 17, 2005

O Desespero de Lusaka

Zâmbia reforça cooperação com Angola no domínio da Defesa e Segurança

O ministro da Defesa da Zâmbia, W. Muliokela, disse hoje que a 22ª- reunião da comissão mista permanente nos domínios da Defesa, Segurança Pública e do Estado Angola/Zâmbia, com início marcado para quarta-feira, em Luanda, tem como um dos principais objectivos reforçar a cooperação entre os dois países nestes ramos.

Em declarações à imprensa, momentos após a sua chegada a Luanda, no Aeroporto Internacional "4 de Fevereiro", o ministro referiu que a Zâmbia e Angola são países irmãos e com grandes laços de amizade, mas que precisam ser fortalecidos cada vez mais em todos os domínios.

O responsável, que diz estar muito expectante quanto ao início do encontro, salientou ainda que vai debater a situação da segurança ao longo da fronteira comum, a fim de facilitar o controlo da imigração e de garantir a tranquilidade nestas zonas.

A 22ª- reunião da comissão mista Angola/Zâmbia vai passar também em revista as deliberações do último encontro, realizado em Livingstone (Zâmbia), em Outubro de 2004.

A delegação zambiana, encabeçada pelo titular da pasta da defesa, W. Muliokela, é composta ainda pelo ministro do Interior, Bates Namuyamba, generais, comissários e oficiais das Forças de Defesa e da Polícia da Zâmbia.
Esta é a notícia. A leitura é a seguinte: a Zâmbia vive uma situação de catásfrofe, com o seu presidente, Levy Patrick Mwanawasa, a tentar, desde que recebeu das mãos de Chiluba - que, inclusivé lhe financiou a campanha eleitoral - construir um poder à africana, isto é, contra tudo e todos. Contra quem não pensa como ele, contra quem possa representar alternativas à sua presidência.
A verdade é que esta é uma prática que na Zâmbia não acontecia há muitos anos. Todavia Mwanawasa tem-se comportado como um verdadeiro líder africano. O povo não existe. Nesta altura, para além da situação catastrófica no sector da saúde, educação, etc. há, agora, uma crise de energia que parou o país.
Por isso vai tanta gente a Luanda, tentando convencer Angola a fornecer combustíveis a Lusaka. Todavia, as dificuldades de Mwanawasa com Luanda são evidentes. Ele praticamente cortou as relações com Angola desde que chegou ao poder. É provável que os homens da Zâmbia aproveitem o facto de terem uma enorme fronteira com Angola para fazer pressão, mas também já parece tarde, porque haverá eleições na Zâmbia no próximo ano. Será uma reunião desesperada para os ministros zambianos.

domingo, outubro 16, 2005

UMA VEZ FUI DE TAXI À ZAMBIA

Fui, sim senhor. Não que fosse grande habilidade, mas fui e se fosse hoje não podia ter ido tão naturalmente. Chefiava, em Luanda, uma pequena redacção de um bem cotado, à época, semanário. Era ainda 74 e eu, como tantos patetas, quase rebentava de esperança. O meu passaporte, emitido em Luanda, era português. Por essa altura discutia-se quem podia ou não podia ser angolano e havia muitas opiniões. Eu tinha sido escalado para o Mundial de futebol, na Alemanha, nesse ano, mas não fui. Foi o Baião, sozinho. A emoção era muita e a expectativa imensa. A panela da história fervia e eu queria estar dentro.
Quando, uma manhã, cheguei à redacção soube que o governo da Zambia autorizaria a entrada a jornalistas portugueses que quisessem cobrir a cimeira de Lusaka, onde Mário Soares se iria reunir com Samora Machel. O director ainda não estava, naturalmente. A obrigação dos directores é nunca chegar cedo.
O Saavedra era o chefe da pub. Liguei-lhe e disse-lhe que precisava de ir a Lusaka e pedi-lhe que arranjasse cobertura e ele disse que ia ver. Telefonei a seguir para o aeroporto, para os táxis aéreos: sim, isso mesmo... quero ir... hoje mesmo, claro... bom, assim, não. Preço especial, ok...
Dei uma de negociante: um avião do Luso a Lusaka, quanto é... O gajo não queria. E eu refilei: mas a vossa sede é no Luso...
Vocês hoje não imaginam um simples jornalista a discutir isto, ainda sem ter passado pela direcção ou administração. Só que aquela empresa de táxis aéreos era empresa familiar de um homem só. E esse só também ficou cheio de vontade de ir e reduziu o preço, mas a partir de Luanda. Foi giro porque ele não pôde ir. O Saavedra já tinha já tinha obtido cobertura publicitária mais que suficiente. Quando o director chegou disse-lhe que iamos partir daí a uma hora e ainda era preciso passar pelo banco para sacar bala.
Nessa noite, já de madrugada, no Hotel, esperamos no quarto de Mário Soares, juntamente com os jornalistas moçambicanos (nem um de Lisboa!) por ele. Quando entrou visivelmente estafado,
acompanhado por Otelo Saraiva de Carvalho, um Otelo discreto e silencioso. Ainda não era estrela da companhia e passou quase despercebido.
Eu e o Baião aproveitamos o dia seguinte para tentar chegar à fala com o MPLA e ao jantar tivemos um grupo deles à mesa, connosco. Iko Carreira aparentemente chefiava a delegação. Ano e meio depois ficaria a dever-lhe o aviso para me pôr a recato.
De Lusaka retive alguma memória. Parecia uma cidade tranquila. Viam-se bastantes brancos, sobretudo ao fim da tarde nos bares dos hoteis. Havia muito comércio de indianos e alguns deles recém chegados justamente de Moçambique. Na altura pareceu-me bom pronúncio e a demonstração de que não havia que temer a independência...

sábado, outubro 15, 2005

Zâmbia - o Caos Desconhecido

Na Zâmbia vivem-se momentos verdadeiramente angustiantes. O actual sistema de poder não consegue sequer alimentar um esquema de fornecimento de consbustíveis para o país funcionar. Está tudo parado - ainda pior que na Guiné Bissau nos maus momentos. Nenhum autocarro circula, nem mesmo as ambulâncias. Há mesmo um caso caricato de um tribunal não poder cumprir uma diligência judicial porque não há gasolina para nenhum dos automóveis desse tribunal.
A imprensa internacional esquece, não tem informação, não quer falar do assunto porque não tem dinheiro para mandar correspondentes com imagens em cima do acontecimento, o que quer que seja...
Mas uma parte importante de África - a Zâmbia - atravessa momentos difíceis porque um presidente quer voltar à lei do "quero, posso e mando".
Quem é o presidente? Quem são as alternativas? Não me compete estar a dar essas indicações. Já o fiz em tempos. Agora, os novos jornalistas, os novos projectos de jornais e que se afirmam interessados nos assuntos não se deixem embalar nos almoços, nos jantares, nos cocktails e informem-se. OXALÁ!!!

sexta-feira, outubro 14, 2005

ÁFRICA ATÉ QUANDO?

O «até» está a mais, o que torna o «quando» absurdo. Porque essa África romântica, das negrinhas macias e disponíveis, como as atónitas negras que o poeta cantou, e ele sabia do que falava, porque por muito plaino, que a morna brisa aquecia, ele passou e mais a sul, em inglês, estudou. Essa África, que temos na memória, já não há, já não é como era. Nem as negrinhas divinizadas e precocemente consumidas.
Muito dessa África quimérica se foi perdendo, ao longo dos séculos. Li coisas sobre uma espécie de gente de porte elevado que teria habitado o espaço onde hoje são as Canárias, da qual não resta vestígios. Algures perto, mas já no continente, houve memória de um povo sereno, de hábitos simples, onde se o homem queria esposa, a tinha de ganhar, trabalhando para o pai da moça, um tempo aprazado, findo o qual a recebia com o dote estipulado. Era a escravatura na fase ideológica. A mais crua floresceu na outra Costa, onde os gregos, por exemplo, se abasteciam de mão de obra, praticamente gratuita. Pessoalmente não estou a ver os gregos descer tanto, pela geografia abaixo. Presumivelmente seriam os árabes a descer e «pescar», que forneciam gregos abastados.
Muito tiveram que esperar, desde então, as doces negrinhas tão queridas de um dos meus companheiros de blog, até que os bravos lusitanos lhes aparecessem com o primeiro espasmo de europeu desembaraçado. E a troco, os viajantes recém-chegados ocuparam os espaços, para alegria do Rei.
Essa nova África foi-se fazendo. Novos senhores foram chegando, espaçados por séculos e quanto mais tarde mais poderosos. Em Tordesillas dividiu-se o Globo. Nem os portugueses, nem os castelhanos eram demasiado ambiciosos: meio mundo chegava bem para cada um deles. Pedro Álvares Cabral teve que inventar uma desculpa para descobrir o Brasil, mas seriam os espanhois a abocanhar o resto da América do Sul. Foi o Cristóvão quem reivindicou a descoberta americana do norte, onde, aliás, os suecos já tinham chegado de piroga s remos. Em todo o caso, Colombo não pode nem deve ser responsabilizado pela eleição de Bush, nem sequer do pai deste!
As augustas magestades tiveram, então, um problema para resolver: que fazer com os novos horizontes? Eram precisas gentes: gente para mandar fazer e gente para trabalhar. Para «mandar fazer» arranjava-se. Para laborar havia que ir sacá-los a África. Os primeiros a embarcar devem ter sido os do «meu» povo plácido, a pensar nas noivas que iam ganhar...
Foi tempo de muitas Áfricas. Por todo o lado foi o inferno, por toda a santa América se dizimou gente. Os espanhois acabaram com civilizações, c omo as dos Incas, dos Maias e sei lá que mais! Não havia americanos, a não ser os índios, mas esse não sabiam que eram americanos e se soubessem se calhar também não queriam ser! O que havia era gente europeia que abalou para as américas e gerou americanos, montes deles, incluindo Clington, um que adorava americanas doces e gulosas! Má raiz tinha que gerar maus frutos...
Noutros continentes foi e vai sendo o que se sabe. Mas o pior continua a ser a África, das negrinhas macias e de muitos filhos de puta. Já não existe administração europeia, como havia. A portuguesa era a mais delicada, nem dizia pretos. Chamava-lhes autoctones, nativos ou naturais. Os brancos nativos, quer dizer os que por lá tivesse nascido, eram brancos de segunda, o que lhes permitia safarem-se dos quadros militares. Não podiam ser oficiais do exército ou da marinha. Também é verdade que um branco vulgar de lineu, natural de Portugal ou dos
Algarves não podia demandar as colónias, sem carta de chamada. Coisas que mudaram, é certo,
não por evolução natural, mas por força da guerra!
Um belo dia, já nesse tempo de conflito, dei comigo a ler um telex, que dava conta da atribuição do prémio «não sei quê», uma espécie de pémio Nobel para pobrezinhos, mais virado para a generosidade, que premiava a bravura de um garoto que tinha enfrentado na sanzala um leão que atacava o tio. O garoto conseguiu afugentar o bicho e salvou o parente. A guerra colonial deve ter contribuido para a distinção, mas miudo que afronta leão não é pouca coisa. Pior foi quando Luanda pede à administração do distrito (suponho que era Sá da Bandeira) que encontrassem o garoto, para ser agraciado, a resposta seca foi a de que não podia ser nada: o miudo tinha ido no contrato! E não explico a quem não sabe o que isto quer dizer. Ainda hoje me envergonho.
Não melhorou a África, desde que se emancipou. Não há povos, há bandos de famintos e alguns ricaços muito ricos. Morre-se muito de muita fome e morre-se por tantas outras razões sem razão. Morre-se de sida, que se expande, Os exércitos ou são revolucionários ou anti-revolucionários. Qualquer sargento hoje pode ser presidente amanhã.
Também, a hiena ri, mas só Deus sabe porquê...

domingo, outubro 09, 2005

Angola - Finalmente

Hoje estou em Angola, percorrendo as ruas de Luanda, buzinando, buzinando, da Mutamba ao Roque Santeiro. Vou mesmo buzinar nas portas do Futungo. Percorro o Prenda, sempre a buzinar. Estou subindo o Lubango até à Senhora do Monte, dando a volta pela Mitcha, rumando o Aeroporto, Não me importo mesmo de ir até ao 16. Hoje estou no Huambo, dentro de um automóvel , mesmo velho, desde que tenha buzina, de bairro em bairro, de Santo António a São João, do Caminho de Ferro a Cacilhas. Estou no Lobito, percorrendo a restinga, passando no Pontão, de mão firme na buzina de um automóvel, mesmo de luxo. Hoje estou em Benguela, na Praia Morena, na Caotinha, na Baía Azul, no Cavaco; vou mesmo ao Cassoco e percorro a primeira estrada angolana asfaltada. Paro na Catumbela e bebo mais uma cerveja.

Hoje sou capaz de ir até ao Kuito e com os adeptos do Vitória saborear a vitória gostosa do futebol angolano, que, finalmente, concretizou em resultados o valor que tem há muitos e muitos anos. E Lá, no Kuito, transformada em cidade cemitério, meditar nos caminhos que foi necessário percorrer para aqui chegar.

No Kuito e no Luena, onde o Recreativo, com Chico Gordo, Seninho e outros, abalou as certezas futebolísticas angolanas

E, nessa meditação relembrar o Miau, o bom gigante do futebol benguelense, Rogério Simões, o mestre da bola no Lubango, Flávio, seu dilecto discipulo, Carinhas, o verdadeiro Garrinha da bola do Huambo; posso ainda lembrar o Juca e o seu portentoso pé esquerdo, no Recreativo da Caala, o Rogério Peyroteu e o seu toque de bola fabuloso.

Que me desculpem os brilhantes de Luanda, mas eles eram todos mais "brinca- na- areira" e , assim de repente, não me lembro de nenhum nome. Só mesmo do Diniz, um "brinca-na-areira " a sério

Todavia, nos nomes aqui evocados, fica a minha homenagem a um futebol que sempre teve grande qualidade e, em certa altura, até teve condições ( por exmeplo, em 1973, o Lubango tinha três campos relvados. Em Portugal, apenas em Lisboa isso acontecia).

Vamos lá, Angola, pelo menos no futebol, vamos mostrar que estamos perto daquilo que valemos!

sexta-feira, outubro 07, 2005

António Cristino

Nunca deixou de me chamar "meninoTino...". Tinha para aí um metro e noventa e muitos, calçava uns sapatos feitos expresssamente para ele. Umas mãos enormes. Funcionário do matadoruro do Lubango, era ele que matava os bois (as vacas...sei lá eu...). Tinha uma grande família e todos os seus filhos nomes de jogadores do Sporting: Travassos, Albano, Carlos Gomes... e tantos outros. O António ganhava o suficienete para sustentar a família e o seu grande vício: a cerveja. Primeiro, tinha sido do vinho.
Ao Sábado à tarde, depois de resolvidos os problemas do matadouro, subia à cidade e encalhava logo na loja do "Mafra". Garrafão de cinco litros, conversa do Sporting, da vida e garrafão aviado. Um dia, o médico avisou. "António, não podes continuar a beber tanto vinho..."
Mudou para a cerveja. Marcava uma grade. Ia bebendo, falando. Da família, do Sporting ( eu acho que o meu filho Sérgio é do Sporting por causa do António).
Grade de cerveja aviada, continuava a ronda. Noutras lojas, noutros locais, o António Cristino tinha outras grades, mas a mesma conversa.
1987. Muitos anos depois de ter visto pela última vez o António. Vou visitar o meu filho Ruca ao Lubango. Novidades para aqui e para ali: " O António está muito doente... tiveram que lhe cortar uma perna..."
Respiro fundo, fico alguns minutos sem dizer nada. O meu filho pega-me na mão. conduz-me até um carro, ultrapassamos a cidade, rumamos o bairro do matadouro. Lembro-me vagamente de algumas ruas que não conhecia e, de repente, parámos.
Batemos à porta de uma casa e aparece a mulher do António, mais velha, magra e com um brilho nos olhos. Um grande abraço e encaminhou-me para dentro de casa. Numa cadeira, reduzido a uma ínfima parte do que fora o gigante António Cristino, estava o António, sorrrindo e lavado em lágrimas: "menino Tino..."
Peguei-lhe ao colo e fomos ver a cidade, ao longe. Entre soluços de contentamento e de tristeza, contou-me a história dolorosa dos seus últimos anos. Ficámos longas horas a conversar ( também do Sporting).
O Ruca telefonou-me alguns dias depois a dizer que o António tinha deixado Alvalade.
Para o António Cristino e para a família, aqui fica um retrato, ainda que minguado, e a minha homenagem a um amigo do coração.

quarta-feira, outubro 05, 2005

Nicolau Borrelhas

Lembro-me muitas vezes do Nicolau Borrelhas, um dos descendentes do velho Camboneu, dono de todos os terrenos acima do rio que separava o Bairro Camisão da Escola Artur de Paiva. Lembro-me daquela zona sem ponte e também da chegada do major Camisão ao Lubango para assumir a presidência da Câmara.
De resto, lembro-me dele no Roçadas, onde era apenas o comandante da Companhia Disciplinar daquela povoação. Foi lá, ainda capitão, que ganhou o gosto pelas soluções dos problemas urbanísticos.
Quando o vi, pela primeira vez, assistia, entusiasmado, aos últimos retoques da colocação de um poste de iluminação na margem direita do Rio Cunene, no sítio de onde partia a jangada para se atravessar para a margem esquerda, onde ficava a Vila do Roçadas.
As lembranças do major Camisão e do Nicolau Borrelhas cruzam-se aqui, já que eu e o Nicolau e mais para aí mais uns 30 adolescentes estávamos a fazer uma viagem verdadeiramente impensável naqueles tempos.
Tínhamos saído do Lubango numa camioneta, normalmente utilizada para o transporte de trabalhadores contratados, pertença da chamada missão do Caminho de Ferro de Moçamedes.
A transformação de uma camioneta de carga num transporte de pessoal era fácil: montavam-se bancos corridos junto aos taipais laterais e, no meio, colocavam-se outros dois, de modo a que os passageiros do meio davam as costas uns aos outros.
O condutor tinha a alcunha de Kubicheque, pela parecença que tinha com o presidente brasileiro Kubicheque de Oliveira.
A organização da viagem tinha sido levada a cabo pela Mocidade Portuguesa, mais própriamente pelo Nené Miranda, na altura o vocalista de um dos conjunto da moda (O Bossa Nova) e o membro mais entusiasta da MP, que, diga-se, em Angola não tinha todos os aspectos negativos que tinha em Portugal.
Havia um responsável pela viagem, o furriel Nóbrega.
A tal viagem levou-nos desde o Lubango a todos os pontos de interesse no Sul de Angola (sem qualauer ordem - cito apneas de memória): Calueque, Roçadas, Pereira d'Eça, Mulondo, Ruacaná, Chitado, Môngua, Matala, eu sei lá... até derivámos para a Ganda, onde o Nené dizia ter uma namorada. Ninguém a viu. E a visita serviu para fazermos um jogo de futebol onde o Tony Carranca arrancou uma exibição do outro mundo, à baliza, sendo que ele era um excelente avançado.
Voltando ao Nicolau: todas as noites nos reuniamos à volta de uma fogueira e fazíamos um espectáculo, para o qual convidávamos as populações locais.
Todas as noites era uma risota, porque o Borrelhas e o Tareco tinham um talento especial e inventavam estórias e mais estórias, que eles próprios representavam, com a ajuda de mais três ou quatro de nós. Todavia, os actores eram eles.
O Nicolau, além desse talento, era um belíssimo jogador de futebol.
Um ou dois anos mais velho do que eu, quando, na tropa, terminei a recruta em Nova Lisboa e me fui apresentar no Regimento de Infantaria do Lubango, lá estava o Nicolau - quase tão mal fardado como eu. Só a minha boina era pior do que a dele. Ele foi o meu mestre na descoberta dos pequenos truques necessários para viver dentro de uma coisa daquelas.
Era o sargento das obras e tinha que aturar o comandante do regimento, um daqueles maduros (coronel), que estava sempre a inventar obras que administrava directamente e se divertia a fazer capoeiras, coelheiras, essas coisas. Era dos que mandava avariar os conta-quilómetros das viaturas para poder debitar gasolina à vontade.
O meu amigo Nicolau aturava tudo com uma paciência de Job e sempre de bom humor, mas houve um dia que mandou o comandante do Regimento a uma parte feia e foi-se embora. Foi quando o tal coronel quis que ele levantasse o rabo a uma coelha para facilitar a vida a de um coelho.
De vez em quando tenho ligeiras notícias dele, mas a distância e o tempo separaram-nos fisicamente. A saudade, todavia, existe. E, por isso, aqui estou a lembrar o meu grande avil: o Nicolau Camboneu (Borrelhas)

domingo, outubro 02, 2005

REGRESSO

Voltei a Lisboa no fim do ano de 75, exactamente a 31 de Dezembro. Trazia alguns rands no bolso e, como se costuma dizer, uma mala cheia de nada. Possuia um passaporte que me assegurava a nacionalidade portuguesa, emitido em Luanda. Não se pode dizer que tenha passado dificuldades ou problemas de reintegração. Tinha saído no auge do fascismo, um
fascismo heroicamente escondido atrás de Salazar. No regresso encontrei o país diferente, um país fruto do 25 de Abril. Esperei trinta anos pelo resultado. Deu nisto. Do que ficou para trás nem vale a pena falar. Quem tiver dúvidas que vá lá ver, com duas pequenas excepções: Cabo Verde, que se tornou um país decente e Macau, que se reintegrou na China com sublime dignidade.
Tudo o mais são estórias, não é História. Pessoalmente não me sinto muito à-vontade para criticar as maldades que se fizeram ou continuam a fazer, sabendo, como muito bem se sabe por aí das maldades que por cá se vão fazendo aos ultramarinos que para aqui fugiram ou para cá vieram pelas mesmas razões que muitos de nós para lá fomos: sobreviver.
É bem verdade que por lá muitos de nós sobrevivemos muito bem, enquanto por cá os de fora não tiverem nem têm sorte que se veja. Hoje, sábado, saiu-nos um editorial no DN muito choramingas, com lágrimas, senhores, lágrimas de crocodilo. No mês passado, em Paris, foi pior!
Quer seja num musseque de Cascais ou num hotel parisieiro são sempre os mesmos a pagar a crise. É rigorosamente assim.

Uma Nesga de Sol

Resolvi não ter preocupações de qualquer tipo de organização para a sequência destes escritos. Uns deles dizem respeito à minha meninine, outras à adolescência, outros ainda a uma fase mais adulta e, finalmente, muitos deles à minha experiência política como diregente do MPLA, de 1974 a 1977.

Conto-vos agora, à mistura com o texto anterior que fala de coisas muito importantes para quem quiser fazer a História, uma pequena estória da minha juventude.

Era noite cerrada, nas margens do Cunene. Éramos quatro rapazes num jeep, rodando pelas picadas, à caça, ou talvez não.

De mansinho começa a ouvir-se ao longe o ruído característico de um batuque. Parámos a viatura para percebermos de que direcção vinha de facto o barulho. À noite, no mato, as certezas são poucas, mas aos poucos lá nos fomos aproximando.

Chegámos, finalmente, a um terreiro de uma sanzala, animadíssima. Corria "macau" de massambala (cerveja) a rodos e toda a gente dançava.

Nós os quatro estávamos na tropa, estávamos armados e a reacção poderia ter sido a debandada geral.

O povo daquela região, todavia, já nos conhecia os hábitos e o gosto de nos misturarmos nas festas.

Fomos recebidos de braços abertos e, de um momento para o outro, lá fomos entornando o macau das cabaças que nos passavam e fomos rodopiando ao som daqueles tambores que ecoavam em quilómetros de distância.

Uma festa daquelas só tem fim para quem desiste. Muitas vezes, o Sol já vai alto e ainda há quem requebre o corpo e engula mais uma caneca de cerveja.

Não sei quando é que a festa acabou para mim.

Lembro-me de como começou o dia: um raio de sol entrava pela fresta de uma cubata e acertava-me nos olhos. Acordei para me tentar situar. A meu lado, olhando-me com um sorriso divertido (talvez mesmo de alguma felicidade), estava uma rapariga, jovem, bonita, bem feita, simpática.

O cheiro a fumo característico das cubatas agradou-me, mas senti que ia entrar em ressaca.

Estava eu bebendo um chá não sei do quê que a minha companheira de momento me tinha arranjado quando ouvi os gritos dos meus camaradas à minha procura e já preocupados com o meu "desaparecimento".

Apareci à porta.

Não havia razões para preocupação.

A minha arma estava junto à minha farda, devidamenete arrumadas num canto daquela que por uma noite foi a minha casa e onde cheguei chamado por um som que jamais esquecerei.

O Regresso

Eu vou escrevendo e vão chegando os telefonemas. A Net é um fenómeno distante ainda de muita gente .
A possibilidade de trocar opiniões em tempo real de um lado para o outro do Mundo fascina-me. Sempre detestei o eco como resposta aos meus gritos.
Neste caso, não sendo bem o eco, não tem, todavia, o gozo de uma discussão em tempo real.
Há quem preconize o fim rápido do "Africandar". Por razões várias, a mais importante das quais é o facto de nem todos termos vivências africanas que permitam alimentar um determinado caudal de escrita.
Outros falam de pouco rigor na narrativa dos acontecimentos. É o velho problema da História e das fontes da História. Neste caso, eu sou fonte, não faço história. Fui testemunha, protagonista, só falo do que vi, do que vivi e do que senti. Admito que o último item é problemático, mas os outros não.
Por exemplo, vi fotografias minhas com inscrições nas costas oferecendo quantias avultadas a quem desse informações sobre o meu paradeiro. Fotografias que me foram roubadas da casa que eu habitava e que foi saqueada logo após a entrada das tropas sul-africanas no Lubango, a 23 de Outubro de 1975.
De resto, a minha casa foi a primeira a ser visitada pelos serviços secretos das forças racistas, que depois, permitiram o saque.
E o saque não foi feito apenas por gente que não tinha nada ou que esperava uma oportunidade para ver como os "outros" viviam.
Estou a reportar-me a Fevereiro de 1976, altura em que regressei ao Lubango e tentei reconstruir a minha casa, exactamente no mesmo sítio de onde tinha partido a 22 de Outubro do ano anterior.
Os vizinhos eram os mesmos. Alguns deles até tinha piscina nas respectivas casas .Um dia, a Zi foi pedir um favor a uma das vizinhas; a senhora abriu a porta e quando a viu ficou pálida e a tremer.
Espantoso: a senhora vestia uma bata que era, sem dúvida, pertença da minha mulher.
Perante o inaudito do ocorrido, solicitámos a intervenção das autoridades e - maior espanto ainda- algumas das nossas mobílias e louças faziam parte da casa do vizinho.
Há até um pormenor da estória curioso. Um dos móveis tinha umas gavetas que estavam forradas com papel. A Zi, ao ver o móvel, abriu as gavetas e apalpou o forro de papel, porque, numa outra altura em que a casa nos tinha sido assaltada, uma pulseira minha, daquelas coisas que se usaram em determinada altura, que não fazia o meu género, mas que era valiosíssima porque era de ouro e muito pesada, tinha escapado ao assalto porque tinha escorregado para debaixo do papel.
O forro da gaveta tinha-se revelado um bom esconderijo e a tal pulseira por lá ficou.
Estava lá! Os saqueadores, nossos vizinhos, não tinham percebido. Aquela foi a prova. Foi uma cena deveras constrangedora. Os vizinhos imaginavam que nós não voltaríamos mais.
De resto, esse não regresso também estava a ser programado pelas altas instâncias do MPLA, que tudo fizeram para impedir que os quadros dirigentes da região voltassem a tempo de reorganizar a vida na cidade e em toda a região, logo a seguir à sua "libertação", ocorrida a 13 de Fevereiro.
O primerio avião que chegou ao Lubango, a 18 de Fevereiro de 1976 era um voo mais ou menos clandestino, organizado à revelia a direcção nacionald do MPLA. Havia um entendimento com o governo de Cuba para instalar no Sul de Angola um total de 35 mil famílias cubanas e nós conseguimos chegar antes das tropas cubanas.
O MPLA tinha entregue, em Outubro de 75, o Sul aos sul-africanos, sem oferecer resistência. Agora, em Fevereiro de 76, tentava entregá-lo aos cubanos.
Tal porém não foi possível.
Aquele avião - ainda um "friendship" - quando aterrou na pista do aeroporto do Lubango, tinha a esperá-lo, no final da pista, um jeep com uma enorme bandeira vermelha, segura pelo comandante Farrusco, o verdadeiro herói da libertação da cidade.
A partir desse dia começou a saga da reconstrução, da organização, até que o MPLA se revelou em toda a sua plenitude : um partido de burocratas e ignorantes, autosuficientes arrogantes, nada preocupados com a governação e sempre disponíveis para acumularem benesses, surrupiarem algum bem e prejudicarem alguém que tivesse ideias.
Depois dessa revelação começou a caminhada para o abismo.

NUNCA MAIS É ONTEM

Não há memória que aguente. O passado é para se perder. O passado que resiste não é mais do que um presente fugidio, desesperado. Lembro-me de um jornalismo em que participei e que fazia de nós interlocutores do tempo, no tempo em que eramos os campeões do café. Mas nós não sabíamos de televisão. Não havia no nosso espaço, embora já houvesse no Zaire ou já houvesse na África do Sul. E quando digo no Zaire, não quero dizer que houvesse no Zaire todo. Havia um bocadinho do Zaíre que via, ao princípio da noite, Mobutu a sair das nuvens. Salazar nunca se lembrou disso, lembrou-se, isso sim, da televisão, quando a raínha de Inglaterra veio a Lisboa. Na África Portuguesa, não, nada. As rainhas não passavam por lá.
Maria Armanda ainda não era a Vera Lagoa que Pinto Balsemão haveria de inventar, mas era uma mulher interessante e surgiu pela Televisão inovadora. Acabaria por ser dispensada por se recusar a dizer: «até amanhã, se Deus quiser». Ser muito bonita e ter personalidade bastava
para compensar, quem sabia sair pela esquerda alta ganhava e o «Diário popular» ganhou a aposta. Durante alguns anos não faltaram tentativas de imitação. Marcelo R. de Sousa foi mais um, no «Expresso», digamos que o mais parecido, no que toca a sucesso. Maria Armanda preenchia qualquer coisa como duas colunas e Marcelo, quando chegou, um rodapé discreto.
Por essa altura, a ordem dos factores era arbitrária. Os americanos preparavam-se para atirar
a nave lunar com tripulação. Marcelo (Caetano) ia ao Brasil. Em Israel havia tensão. O «Notícia»
tinha em Cap Canaveral O Moutinho Pereira e o Quim Cabral; a mim mandaram-me para o Brasil, à fresca e gramei com zero graus à chegada a S.Paulo! O Director e o Eduardo Baião, no
Médio Oriente.
Ri-me, ainda em Lisboa, quando vi a «Flama», com chamada de primeira página, ao festival aérea em Sintra, com os enviados especiais! Já era, mas eu não sabia, nem tinha ideia, o peso da TV a limitar a imprensa escrita.
Haveria de perceber mais tarde, no pós Vasco Gonçalves, quando voltei a Lisboa e dei conta da tristeza das tiragens e do peso da imprensa escrita. Deixou de haver jornais ao domingo e as tascas fechavam quase todas. Andava pelo «Jornal Novo» e com o ardor africano, tentei mudar qualquer coisa. O distribuidor com quem conversei pareceu receptivo à ideia, mas...
O mas era a dificuldade em colocar uma edição fosse do que fosse à venda. As tabacarias estavam fechadas ao domingo e as casas da venda também. Os ardinas não tinham onde ir buscar os jornais.. Quem agarrou a ideia foi um dos administradores, que foi colaborar no arranque do «Correio da Manhã», suportado por uma distribuidora, que não só se bateu pela saída do matutino ao domingo, como daria corpo ao suplemento dominical, em formato de revista, ideia que eu trazia de Paris, do «Figaro», e que mais pôs em marcha, ainda antes do «El País», em Espanha.
Hoje em dia, imprensa escrita praticamente não há. Não há como houve. Há outra. Mais próxima das revistas do coração. Intriga ou apelo ao pirilau. Peseiro é quase hoje o que Reagan foi há há 20 anos. Mourinho é muito mais. Vi hoje uma revista com uma senhora bonita na capa a propósito do que o primeiro marido dela ia revelar. E pasmei, até perceber que agora é assim.
E dei por mim a pensar nas crises, que temos, e noutras que aí vêem. Se eu tiver que voltar ao trabalho, como vai ser?
Acho que vou começar a ensair, aos poucos, a ver se os apanho no tempo. Vamos lá a ver. Por exemplo, um título chamativo, para os tempos que correm: "Sorte muda para Artista das Neves", manchete. Noutra linha, tipo mais pequeno: "o gajo que lhe anda a comer a mulher ganhou a lotaria!"
Uma mais ao jeito do «correio da manha», na secção laboral: «Traficantes de "coca" exigem paragem do TGV em Alcantara». Ou, mais política: «Durão Barroso exige taxas moderadoras para a importação de camisinhas da China».Não sei se vou a tempo de aprender