Uma noite destas dei por mim na Muxima. Sem nenhuma razão aparente. Vislumbrava umas vagas muralhas,um vago hotel, com quartos fortificados com parede de rede mosqueteira. Um povoado, à beira do rio imenso, com uma igreja nem sei se deva dizer épica, mas é o adjectio que me ocorre devido à presença e à força que lhe é emprestada pela crença religiosa. A Senhora da Muxima de então era uma luz de esperança e devoção. Vi muitas mulheres do povo, sentadas na igreja, a murmurar baixinho, como se cada uma estivesse só. Recordo-me de ter visto, numa manhã, uma mulher entrar, debitar os preceitos de modo atarefado e sentar-se a olhar a imagem da santa. Falou com ela. Desfiou as desditas, deu conta do que fez e trouxe à santa, do que lhe suplicou e de como cumpriu o que prometeu. Do que esperou dela e dela não recebeu. E eu pasmava e olhava em redor.
Não era fácil chegar à Muxima. Além das picadas extensas, havia que passar por cima de rios, em barcaças. Foi ali um dos vértices do triângulo onde os portugueses se mantiveram escondidos, durante o período dos Filipes, quando o território ultramarino foi ocupado pelos holandeses. Sessenta anos de comunhão, sem traições, sem que alguém tenha sido denunciado, sem que algum dos nossos tenha sido preso ou descoberto pelos novos ocupantes. É, quero crer, uma página de História na qual o heroísmo acentou na fraternidade, tão especial no espaço e no tempo que teve de ser santificada.Páginas de uma história esquecida.
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