domingo, setembro 11, 2005

A estórias da História

Tem-me dado prazer recordar alguns dos primeiros anos da minha vida passada no Paraíso, antes que o Senhor tivesse mandado Lucifer para nos expulsar.

Prometo voltar a eles, mas talvez seja tempo de começar a satisfazer a curiosidade dos que, de vários modos e em diversas circunstâncias me incitam a escrever o que sei, o que presenciei. É tempo.

Só um parêntesis para lembrar Mário Pinto de Andrade, com quem estabeleci relações de amizade em Cabo Verde. Nas longas conversas que íamos tendo, havia quase sempre uma provocação minha: "então, Mário, quando é que conta aquilo que queremos saber, os bastidores da luta, as razões do abandono, essas coisas todas?"

"Sabes como é que começou a Revolta Activa? Um miúdo, assim como tu, chegou-se ao pé de mim, e com o mesmo jeito, perguntou: então, camarada, quando é tomamos posição?" O miúdo de então era o Adolfo Maria.

Todos sabemos que a Revolta Activa acabou por não se traduzir em grandes resultados. Foi uma divisão importante dentro do MPLA, com muitos dos seus intelectuais de maior valia a abandonarem a linha dominante de Neto.

As minhas estórias não terão seguramente consequências , mas tenho a curiosidade de saber se esclarecerão algumas dúvidas.
Vamos a elas.
A primeira grande questão a colocar é a de saber se quem chegou para tomar o poder, em 1974, sabia o país que os esperava?
A minha resposta é não.
Ninguém dos que andavam na mata ou nas chancelarias a promover a luta pela Independência de Angola sabia exactamente que terra queriam libertar. Falavam todos de uma realidade que já não existia e esqueciam, deliberadamente, a nova Angola.
Mais grave que esquecer a nova realidade económica , era esquecer a sua nova realidade social, assente no desenvolvimento de um sistema escolar que a própria OUA classificou como o mais avançado de África, na aplicação de novas leis do trabalho, que eliminaram totalmente toda a realidade praticamente esclavagista que vigorou até ao início dos anos 60.
Toda a propaganda política era desenvolvida em cima de realidades mortas, portanto, quando os dirigentes, quer do MPLA, quer da UNITA quer da FNLA, chegaram ao terreno ficaram estupefactos e sentiram-se ultrapassados.
Aquele país já não cabia nas suas ideias estreitas. Os termos da libertação por eles definidos já estavam cumpridos. Em 1974, do que se tratava era dar independência política a uma sociedade que já o era do ponto de vista económico e social.
Não o entenderam assim os libertadores do povo e utilizavam uma terminologia política arcaica, falando, por exemplo, em reconstrução nacional como se o país tivesse suido destruído. Ora, a verdade é que Angola era um estado em plena construção, com milhares de quilómetros de estradas a rasgá-lo de Norte a Sul, do mar para o interior, com uma indústria cada vez mais pujante, com uma agricultura que garantia autonomia alimentar e já permitia a exportação de alguns produtos, com uma agropecuária de grande luxo, que também já impulsionava a exportação de carne.
O que é que estava mal ? A dependência de uma estrutura anquilosada, de um sistema político retrógrado, de uma organização económica que desviava para os cofres do Banco de Portugal as divisas conseguidas com o ferro, diamantes, petróleo, café, farinha de peixe, carne, milho, etc., etc. exportados de Angola.
Quando os tais libertadores chegaram de que falavam? Todos eles destilavam ódios raciais. Era preciso desalojar os que, mercê do seu empenhamento, do seu trabalho do seu amor à terra, tinham construído aquele que, juntamente com a República da África do Sul, eram os únicos com reais possibilidades de se constituirem em estados africanos independentes.

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