terça-feira, setembro 06, 2005

DE COIMBRA AO CUNENE (3)

A Marília, além do mais, uma moçamedense, pelo menos tão convicta como qualquer tripeiro, amigo de Pinto da Costa!, trabalhava no escritório do pai, que era despachante. Foi ela que me
«explicou» o Namibe e muitas das suas nuances, mas foi o «Turra» que me levou pelo deserto dentro, algumas vezes.

Não sei, nunca soube, o que dizer do deserto. Por vezes custa não ser capaz, como Miguel Torga,
de cantar a paisagem humana ou geográfica. Mas sei que me fascinou. Dentro dele, a única referência era o Sol. Tudo o mais areias aquecidas que refulgiam, escondendo perigos terríveis. Até o andar de jeep pelo deserto das areias não é simples nem de aconselhar a novatos.

E foi também a Marília que me «despachou» para a Baía dos Tigres. Na realidade era um pedaço do deserto que o mar isolou, mas a ilha manteve teimosamente a designação de baía. Bonita e perigosa era, inóspita não. Era sobretudo , acho que já o referi antes, um «entreposto» de pesca.

As primeiras tentativas de ocupação correram mal. Casa de tijolo e cimento ou barracas de madeira «desapareciam» às primeiras rajadas de vento. Ficavam soterradas. A solução foi construir habitações e armazéns sobre colunas, de modo a que por baixo circulasse o ar e o vento, e, bem entendido, as areias passassem.

Não havia ruas, nem travessas ou largos. Não dava. Mas tinha pista de avião!
Era feita de placas sólidas de pedra e cimento, encostadas umas às outras, até ser suficiente. Embora fosse pista, tinha casas de cada lado. As casas, bem entendido, não estavam encostadas
e um ou outro jeep circulava, se fosse preciso. Ai habitava o admnistrativo, vulgo chefe de posto,
e o respectivo gabinete. Era ele que acendia e apagava a Luz, proveniente de um motor limentado a gasóleo. O posto de correio e a habitação do funcionário. O clube recreativo. E não sei que mais. Eram umas cinco ou seis de cada lado.
Assentemos que era uma rua, onde se circulava a pé ou de jeep e onde, também, de vez em quando, subiam ou desciam aviões...
Aos domingos, a população espalhada pela ilha, reunia-se no clube, transportando previamente
o jantar domingueiro. Durante a tarde, pequenos grupos, por afinidades, percorriam a pista de um lado para o outro conversando, enquanto as mulhres, sentadas no clube conversavam e preparavam a mesa. As crianças faziam de crianças; corriam, subiam e desciam escadas e escondiam-se debaixo das casas. Às horas do futebol, todos se sentavam para ouvir o relato. Não havia televisão, que sorte!

Lembro-me de ter comido um pastel de nata e ter ficado assombrado. Era macio e muito saboroso. Na Baía dos Tigres não havia comércio. Nem intermarchée, nem pastelaria. Mas havia bolos, os bolos que habitualmente vemos em pastelarias. Eram feitos em casa. A velha história: quem não tem cão caça com gato!

Aparentemente era uma ilha cheia de nada, carregada de gente feliz. Zanguei-me comigo por ter
citado a Baía dos Tigres. Para mim funciona como recordações de infância, como as que os «manos» do blog tão bem sabem expressar! O que eu de facto não queria era interrogar-me, porque senti que ia doer.

Talvez melhor do que eu, Vera Lagoa contou no «Diário Popular» o que viu na Baía dos Tigres, depois de ter descido a Leba, pela estrada nova, ainda inacabada, e com uma paragem para almoço saboroso no Caraculo, como lhe recomendei.

Mas, hoje, como estará? Oxalá bem, com gente boa, que peixe por ali não falta...

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