Não há memória que aguente. O passado é para se perder. O passado que resiste não é mais do que um presente fugidio, desesperado. Lembro-me de um jornalismo em que participei e que fazia de nós interlocutores do tempo, no tempo em que eramos os campeões do café. Mas nós não sabíamos de televisão. Não havia no nosso espaço, embora já houvesse no Zaire ou já houvesse na África do Sul. E quando digo no Zaire, não quero dizer que houvesse no Zaire todo. Havia um bocadinho do Zaíre que via, ao princípio da noite, Mobutu a sair das nuvens. Salazar nunca se lembrou disso, lembrou-se, isso sim, da televisão, quando a raínha de Inglaterra veio a Lisboa. Na África Portuguesa, não, nada. As rainhas não passavam por lá.
Maria Armanda ainda não era a Vera Lagoa que Pinto Balsemão haveria de inventar, mas era uma mulher interessante e surgiu pela Televisão inovadora. Acabaria por ser dispensada por se recusar a dizer: «até amanhã, se Deus quiser». Ser muito bonita e ter personalidade bastava
para compensar, quem sabia sair pela esquerda alta ganhava e o «Diário popular» ganhou a aposta. Durante alguns anos não faltaram tentativas de imitação. Marcelo R. de Sousa foi mais um, no «Expresso», digamos que o mais parecido, no que toca a sucesso. Maria Armanda preenchia qualquer coisa como duas colunas e Marcelo, quando chegou, um rodapé discreto.
Por essa altura, a ordem dos factores era arbitrária. Os americanos preparavam-se para atirar
a nave lunar com tripulação. Marcelo (Caetano) ia ao Brasil. Em Israel havia tensão. O «Notícia»
tinha em Cap Canaveral O Moutinho Pereira e o Quim Cabral; a mim mandaram-me para o Brasil, à fresca e gramei com zero graus à chegada a S.Paulo! O Director e o Eduardo Baião, no
Médio Oriente.
Ri-me, ainda em Lisboa, quando vi a «Flama», com chamada de primeira página, ao festival aérea em Sintra, com os enviados especiais! Já era, mas eu não sabia, nem tinha ideia, o peso da TV a limitar a imprensa escrita.
Haveria de perceber mais tarde, no pós Vasco Gonçalves, quando voltei a Lisboa e dei conta da tristeza das tiragens e do peso da imprensa escrita. Deixou de haver jornais ao domingo e as tascas fechavam quase todas. Andava pelo «Jornal Novo» e com o ardor africano, tentei mudar qualquer coisa. O distribuidor com quem conversei pareceu receptivo à ideia, mas...
O mas era a dificuldade em colocar uma edição fosse do que fosse à venda. As tabacarias estavam fechadas ao domingo e as casas da venda também. Os ardinas não tinham onde ir buscar os jornais.. Quem agarrou a ideia foi um dos administradores, que foi colaborar no arranque do «Correio da Manhã», suportado por uma distribuidora, que não só se bateu pela saída do matutino ao domingo, como daria corpo ao suplemento dominical, em formato de revista, ideia que eu trazia de Paris, do «Figaro», e que mais pôs em marcha, ainda antes do «El País», em Espanha.
Hoje em dia, imprensa escrita praticamente não há. Não há como houve. Há outra. Mais próxima das revistas do coração. Intriga ou apelo ao pirilau. Peseiro é quase hoje o que Reagan foi há há 20 anos. Mourinho é muito mais. Vi hoje uma revista com uma senhora bonita na capa a propósito do que o primeiro marido dela ia revelar. E pasmei, até perceber que agora é assim.
E dei por mim a pensar nas crises, que temos, e noutras que aí vêem. Se eu tiver que voltar ao trabalho, como vai ser?
Acho que vou começar a ensair, aos poucos, a ver se os apanho no tempo. Vamos lá a ver. Por exemplo, um título chamativo, para os tempos que correm: "Sorte muda para Artista das Neves", manchete. Noutra linha, tipo mais pequeno: "o gajo que lhe anda a comer a mulher ganhou a lotaria!"
Uma mais ao jeito do «correio da manha», na secção laboral: «Traficantes de "coca" exigem paragem do TGV em Alcantara». Ou, mais política: «Durão Barroso exige taxas moderadoras para a importação de camisinhas da China».Não sei se vou a tempo de aprender
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