domingo, outubro 02, 2005

Uma Nesga de Sol

Resolvi não ter preocupações de qualquer tipo de organização para a sequência destes escritos. Uns deles dizem respeito à minha meninine, outras à adolescência, outros ainda a uma fase mais adulta e, finalmente, muitos deles à minha experiência política como diregente do MPLA, de 1974 a 1977.

Conto-vos agora, à mistura com o texto anterior que fala de coisas muito importantes para quem quiser fazer a História, uma pequena estória da minha juventude.

Era noite cerrada, nas margens do Cunene. Éramos quatro rapazes num jeep, rodando pelas picadas, à caça, ou talvez não.

De mansinho começa a ouvir-se ao longe o ruído característico de um batuque. Parámos a viatura para percebermos de que direcção vinha de facto o barulho. À noite, no mato, as certezas são poucas, mas aos poucos lá nos fomos aproximando.

Chegámos, finalmente, a um terreiro de uma sanzala, animadíssima. Corria "macau" de massambala (cerveja) a rodos e toda a gente dançava.

Nós os quatro estávamos na tropa, estávamos armados e a reacção poderia ter sido a debandada geral.

O povo daquela região, todavia, já nos conhecia os hábitos e o gosto de nos misturarmos nas festas.

Fomos recebidos de braços abertos e, de um momento para o outro, lá fomos entornando o macau das cabaças que nos passavam e fomos rodopiando ao som daqueles tambores que ecoavam em quilómetros de distância.

Uma festa daquelas só tem fim para quem desiste. Muitas vezes, o Sol já vai alto e ainda há quem requebre o corpo e engula mais uma caneca de cerveja.

Não sei quando é que a festa acabou para mim.

Lembro-me de como começou o dia: um raio de sol entrava pela fresta de uma cubata e acertava-me nos olhos. Acordei para me tentar situar. A meu lado, olhando-me com um sorriso divertido (talvez mesmo de alguma felicidade), estava uma rapariga, jovem, bonita, bem feita, simpática.

O cheiro a fumo característico das cubatas agradou-me, mas senti que ia entrar em ressaca.

Estava eu bebendo um chá não sei do quê que a minha companheira de momento me tinha arranjado quando ouvi os gritos dos meus camaradas à minha procura e já preocupados com o meu "desaparecimento".

Apareci à porta.

Não havia razões para preocupação.

A minha arma estava junto à minha farda, devidamenete arrumadas num canto daquela que por uma noite foi a minha casa e onde cheguei chamado por um som que jamais esquecerei.

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