Fui, sim senhor. Não que fosse grande habilidade, mas fui e se fosse hoje não podia ter ido tão naturalmente. Chefiava, em Luanda, uma pequena redacção de um bem cotado, à época, semanário. Era ainda 74 e eu, como tantos patetas, quase rebentava de esperança. O meu passaporte, emitido em Luanda, era português. Por essa altura discutia-se quem podia ou não podia ser angolano e havia muitas opiniões. Eu tinha sido escalado para o Mundial de futebol, na Alemanha, nesse ano, mas não fui. Foi o Baião, sozinho. A emoção era muita e a expectativa imensa. A panela da história fervia e eu queria estar dentro.
Quando, uma manhã, cheguei à redacção soube que o governo da Zambia autorizaria a entrada a jornalistas portugueses que quisessem cobrir a cimeira de Lusaka, onde Mário Soares se iria reunir com Samora Machel. O director ainda não estava, naturalmente. A obrigação dos directores é nunca chegar cedo.
O Saavedra era o chefe da pub. Liguei-lhe e disse-lhe que precisava de ir a Lusaka e pedi-lhe que arranjasse cobertura e ele disse que ia ver. Telefonei a seguir para o aeroporto, para os táxis aéreos: sim, isso mesmo... quero ir... hoje mesmo, claro... bom, assim, não. Preço especial, ok...
Dei uma de negociante: um avião do Luso a Lusaka, quanto é... O gajo não queria. E eu refilei: mas a vossa sede é no Luso...
Vocês hoje não imaginam um simples jornalista a discutir isto, ainda sem ter passado pela direcção ou administração. Só que aquela empresa de táxis aéreos era empresa familiar de um homem só. E esse só também ficou cheio de vontade de ir e reduziu o preço, mas a partir de Luanda. Foi giro porque ele não pôde ir. O Saavedra já tinha já tinha obtido cobertura publicitária mais que suficiente. Quando o director chegou disse-lhe que iamos partir daí a uma hora e ainda era preciso passar pelo banco para sacar bala.
Nessa noite, já de madrugada, no Hotel, esperamos no quarto de Mário Soares, juntamente com os jornalistas moçambicanos (nem um de Lisboa!) por ele. Quando entrou visivelmente estafado,
acompanhado por Otelo Saraiva de Carvalho, um Otelo discreto e silencioso. Ainda não era estrela da companhia e passou quase despercebido.
Eu e o Baião aproveitamos o dia seguinte para tentar chegar à fala com o MPLA e ao jantar tivemos um grupo deles à mesa, connosco. Iko Carreira aparentemente chefiava a delegação. Ano e meio depois ficaria a dever-lhe o aviso para me pôr a recato.
De Lusaka retive alguma memória. Parecia uma cidade tranquila. Viam-se bastantes brancos, sobretudo ao fim da tarde nos bares dos hoteis. Havia muito comércio de indianos e alguns deles recém chegados justamente de Moçambique. Na altura pareceu-me bom pronúncio e a demonstração de que não havia que temer a independência...
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