Lembro-me muitas vezes do Nicolau Borrelhas, um dos descendentes do velho Camboneu, dono de todos os terrenos acima do rio que separava o Bairro Camisão da Escola Artur de Paiva. Lembro-me daquela zona sem ponte e também da chegada do major Camisão ao Lubango para assumir a presidência da Câmara.
De resto, lembro-me dele no Roçadas, onde era apenas o comandante da Companhia Disciplinar daquela povoação. Foi lá, ainda capitão, que ganhou o gosto pelas soluções dos problemas urbanísticos.
Quando o vi, pela primeira vez, assistia, entusiasmado, aos últimos retoques da colocação de um poste de iluminação na margem direita do Rio Cunene, no sítio de onde partia a jangada para se atravessar para a margem esquerda, onde ficava a Vila do Roçadas.
As lembranças do major Camisão e do Nicolau Borrelhas cruzam-se aqui, já que eu e o Nicolau e mais para aí mais uns 30 adolescentes estávamos a fazer uma viagem verdadeiramente impensável naqueles tempos.
Tínhamos saído do Lubango numa camioneta, normalmente utilizada para o transporte de trabalhadores contratados, pertença da chamada missão do Caminho de Ferro de Moçamedes.
A transformação de uma camioneta de carga num transporte de pessoal era fácil: montavam-se bancos corridos junto aos taipais laterais e, no meio, colocavam-se outros dois, de modo a que os passageiros do meio davam as costas uns aos outros.
O condutor tinha a alcunha de Kubicheque, pela parecença que tinha com o presidente brasileiro Kubicheque de Oliveira.
A organização da viagem tinha sido levada a cabo pela Mocidade Portuguesa, mais própriamente pelo Nené Miranda, na altura o vocalista de um dos conjunto da moda (O Bossa Nova) e o membro mais entusiasta da MP, que, diga-se, em Angola não tinha todos os aspectos negativos que tinha em Portugal.
Havia um responsável pela viagem, o furriel Nóbrega.
A tal viagem levou-nos desde o Lubango a todos os pontos de interesse no Sul de Angola (sem qualauer ordem - cito apneas de memória): Calueque, Roçadas, Pereira d'Eça, Mulondo, Ruacaná, Chitado, Môngua, Matala, eu sei lá... até derivámos para a Ganda, onde o Nené dizia ter uma namorada. Ninguém a viu. E a visita serviu para fazermos um jogo de futebol onde o Tony Carranca arrancou uma exibição do outro mundo, à baliza, sendo que ele era um excelente avançado.
Voltando ao Nicolau: todas as noites nos reuniamos à volta de uma fogueira e fazíamos um espectáculo, para o qual convidávamos as populações locais.
Todas as noites era uma risota, porque o Borrelhas e o Tareco tinham um talento especial e inventavam estórias e mais estórias, que eles próprios representavam, com a ajuda de mais três ou quatro de nós. Todavia, os actores eram eles.
O Nicolau, além desse talento, era um belíssimo jogador de futebol.
Um ou dois anos mais velho do que eu, quando, na tropa, terminei a recruta em Nova Lisboa e me fui apresentar no Regimento de Infantaria do Lubango, lá estava o Nicolau - quase tão mal fardado como eu. Só a minha boina era pior do que a dele. Ele foi o meu mestre na descoberta dos pequenos truques necessários para viver dentro de uma coisa daquelas.
Era o sargento das obras e tinha que aturar o comandante do regimento, um daqueles maduros (coronel), que estava sempre a inventar obras que administrava directamente e se divertia a fazer capoeiras, coelheiras, essas coisas. Era dos que mandava avariar os conta-quilómetros das viaturas para poder debitar gasolina à vontade.
O meu amigo Nicolau aturava tudo com uma paciência de Job e sempre de bom humor, mas houve um dia que mandou o comandante do Regimento a uma parte feia e foi-se embora. Foi quando o tal coronel quis que ele levantasse o rabo a uma coelha para facilitar a vida a de um coelho.
De vez em quando tenho ligeiras notícias dele, mas a distância e o tempo separaram-nos fisicamente. A saudade, todavia, existe. E, por isso, aqui estou a lembrar o meu grande avil: o Nicolau Camboneu (Borrelhas)
2 comentários:
Porque é que o tempo tem d afastar as pessoas de quem gostamos? : (
O Nicolau Borrelhas,faleceu em Potugal em 16 de Abril de 2007
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