O «até» está a mais, o que torna o «quando» absurdo. Porque essa África romântica, das negrinhas macias e disponíveis, como as atónitas negras que o poeta cantou, e ele sabia do que falava, porque por muito plaino, que a morna brisa aquecia, ele passou e mais a sul, em inglês, estudou. Essa África, que temos na memória, já não há, já não é como era. Nem as negrinhas divinizadas e precocemente consumidas.
Muito dessa África quimérica se foi perdendo, ao longo dos séculos. Li coisas sobre uma espécie de gente de porte elevado que teria habitado o espaço onde hoje são as Canárias, da qual não resta vestígios. Algures perto, mas já no continente, houve memória de um povo sereno, de hábitos simples, onde se o homem queria esposa, a tinha de ganhar, trabalhando para o pai da moça, um tempo aprazado, findo o qual a recebia com o dote estipulado. Era a escravatura na fase ideológica. A mais crua floresceu na outra Costa, onde os gregos, por exemplo, se abasteciam de mão de obra, praticamente gratuita. Pessoalmente não estou a ver os gregos descer tanto, pela geografia abaixo. Presumivelmente seriam os árabes a descer e «pescar», que forneciam gregos abastados.
Muito tiveram que esperar, desde então, as doces negrinhas tão queridas de um dos meus companheiros de blog, até que os bravos lusitanos lhes aparecessem com o primeiro espasmo de europeu desembaraçado. E a troco, os viajantes recém-chegados ocuparam os espaços, para alegria do Rei.
Essa nova África foi-se fazendo. Novos senhores foram chegando, espaçados por séculos e quanto mais tarde mais poderosos. Em Tordesillas dividiu-se o Globo. Nem os portugueses, nem os castelhanos eram demasiado ambiciosos: meio mundo chegava bem para cada um deles. Pedro Álvares Cabral teve que inventar uma desculpa para descobrir o Brasil, mas seriam os espanhois a abocanhar o resto da América do Sul. Foi o Cristóvão quem reivindicou a descoberta americana do norte, onde, aliás, os suecos já tinham chegado de piroga s remos. Em todo o caso, Colombo não pode nem deve ser responsabilizado pela eleição de Bush, nem sequer do pai deste!
As augustas magestades tiveram, então, um problema para resolver: que fazer com os novos horizontes? Eram precisas gentes: gente para mandar fazer e gente para trabalhar. Para «mandar fazer» arranjava-se. Para laborar havia que ir sacá-los a África. Os primeiros a embarcar devem ter sido os do «meu» povo plácido, a pensar nas noivas que iam ganhar...
Foi tempo de muitas Áfricas. Por todo o lado foi o inferno, por toda a santa América se dizimou gente. Os espanhois acabaram com civilizações, c omo as dos Incas, dos Maias e sei lá que mais! Não havia americanos, a não ser os índios, mas esse não sabiam que eram americanos e se soubessem se calhar também não queriam ser! O que havia era gente europeia que abalou para as américas e gerou americanos, montes deles, incluindo Clington, um que adorava americanas doces e gulosas! Má raiz tinha que gerar maus frutos...
Noutros continentes foi e vai sendo o que se sabe. Mas o pior continua a ser a África, das negrinhas macias e de muitos filhos de puta. Já não existe administração europeia, como havia. A portuguesa era a mais delicada, nem dizia pretos. Chamava-lhes autoctones, nativos ou naturais. Os brancos nativos, quer dizer os que por lá tivesse nascido, eram brancos de segunda, o que lhes permitia safarem-se dos quadros militares. Não podiam ser oficiais do exército ou da marinha. Também é verdade que um branco vulgar de lineu, natural de Portugal ou dos
Algarves não podia demandar as colónias, sem carta de chamada. Coisas que mudaram, é certo,
não por evolução natural, mas por força da guerra!
Um belo dia, já nesse tempo de conflito, dei comigo a ler um telex, que dava conta da atribuição do prémio «não sei quê», uma espécie de pémio Nobel para pobrezinhos, mais virado para a generosidade, que premiava a bravura de um garoto que tinha enfrentado na sanzala um leão que atacava o tio. O garoto conseguiu afugentar o bicho e salvou o parente. A guerra colonial deve ter contribuido para a distinção, mas miudo que afronta leão não é pouca coisa. Pior foi quando Luanda pede à administração do distrito (suponho que era Sá da Bandeira) que encontrassem o garoto, para ser agraciado, a resposta seca foi a de que não podia ser nada: o miudo tinha ido no contrato! E não explico a quem não sabe o que isto quer dizer. Ainda hoje me envergonho.
Não melhorou a África, desde que se emancipou. Não há povos, há bandos de famintos e alguns ricaços muito ricos. Morre-se muito de muita fome e morre-se por tantas outras razões sem razão. Morre-se de sida, que se expande, Os exércitos ou são revolucionários ou anti-revolucionários. Qualquer sargento hoje pode ser presidente amanhã.
Também, a hiena ri, mas só Deus sabe porquê...
2 comentários:
O prémio chamava-se Vale Flor, o miúdo valente vivia no Bié. O leão era velho e magro, e foi morto com um golpe de machete no crânio.Penso que em 1967, 68.
Só agora vos descobri, que pena!
E ao Leston, de cujo «Africa» fui leitor do princípio ao fim.
E este post, se me dão licença, vai levar um link.
Um que sonha com África, embora os sonhos andem desencontrados.
Abraço.
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