sexta-feira, outubro 07, 2005

António Cristino

Nunca deixou de me chamar "meninoTino...". Tinha para aí um metro e noventa e muitos, calçava uns sapatos feitos expresssamente para ele. Umas mãos enormes. Funcionário do matadoruro do Lubango, era ele que matava os bois (as vacas...sei lá eu...). Tinha uma grande família e todos os seus filhos nomes de jogadores do Sporting: Travassos, Albano, Carlos Gomes... e tantos outros. O António ganhava o suficienete para sustentar a família e o seu grande vício: a cerveja. Primeiro, tinha sido do vinho.
Ao Sábado à tarde, depois de resolvidos os problemas do matadouro, subia à cidade e encalhava logo na loja do "Mafra". Garrafão de cinco litros, conversa do Sporting, da vida e garrafão aviado. Um dia, o médico avisou. "António, não podes continuar a beber tanto vinho..."
Mudou para a cerveja. Marcava uma grade. Ia bebendo, falando. Da família, do Sporting ( eu acho que o meu filho Sérgio é do Sporting por causa do António).
Grade de cerveja aviada, continuava a ronda. Noutras lojas, noutros locais, o António Cristino tinha outras grades, mas a mesma conversa.
1987. Muitos anos depois de ter visto pela última vez o António. Vou visitar o meu filho Ruca ao Lubango. Novidades para aqui e para ali: " O António está muito doente... tiveram que lhe cortar uma perna..."
Respiro fundo, fico alguns minutos sem dizer nada. O meu filho pega-me na mão. conduz-me até um carro, ultrapassamos a cidade, rumamos o bairro do matadouro. Lembro-me vagamente de algumas ruas que não conhecia e, de repente, parámos.
Batemos à porta de uma casa e aparece a mulher do António, mais velha, magra e com um brilho nos olhos. Um grande abraço e encaminhou-me para dentro de casa. Numa cadeira, reduzido a uma ínfima parte do que fora o gigante António Cristino, estava o António, sorrrindo e lavado em lágrimas: "menino Tino..."
Peguei-lhe ao colo e fomos ver a cidade, ao longe. Entre soluços de contentamento e de tristeza, contou-me a história dolorosa dos seus últimos anos. Ficámos longas horas a conversar ( também do Sporting).
O Ruca telefonou-me alguns dias depois a dizer que o António tinha deixado Alvalade.
Para o António Cristino e para a família, aqui fica um retrato, ainda que minguado, e a minha homenagem a um amigo do coração.

1 comentário:

Rita disse...

Devo dizer-lhe que este post me deu enormes arrepios e me fez chegar as lágrimas aos olhos...