No começo de 63 a ficha técnica repete: director A.S.R. Albuquerque. O dito Albuquerque dirigia tanto como um conhecido engenheiro desta praça engenhava projectos covilhanenses! Era director de cruz, mas por exigência burocrática
do regime político.Na ficha constava igualmente o sr. Simões. como fundador, editor
e administrador. A malta da escrita, ou da reportagem não tinha lugar na ficha. Nada da daquilo era invulgar. Os jornais e revistas da época não se davam muito ao trabalho de divulgar as bases, as redacções. Mais do que um reparo é um amuo por não saber quem era quem nas Redacções
Podia presumir-se que alguns dos textos fossem de colaboradores eventuais, tal como as fotos, mas haveria decerto escrevinhadores efectivos.
Uma crónica enorme,mas com tipo de letra minúsculo, de Manuel Galhós, uma rubrica aberta, segundo parece.E extensa,lá isso era. Dizia pouco, mas ler que o Papa, de então, estivesse em fim de carreira deve ter causado alguma perplexidade...
Logo a seguir apareceu algo que me interessou mais: João Azevedo a argumentar que «os chineses não têm o exclusivo das coisas bem feitas»! E dito isso revela: «Temos em Luanda o único Preventório Anti-tuberculose de toda esta parte de África»! Não é (foi) um mero comentário. Era sobretudo uma notícia. Ficou a saber-se que Luanda dispunha de um valioso instrumento para travar a tuberculose infantil. É preciso hoje ter-se muitos anos para recordar o doloroso pesadelo daqueles tempos! Não se tratava de mera obra de fachada e talvez por isso estivesse obscurecida!
A rúbrica «Semana vai/semana vem» continua a não ser assinada, mas tem sumo e o tom não engana. Há alguém no escuro a fazer o trabalho de casa...
Um tal Alberto Santos aparece com o Observatório da Mulemba e, por acréscimo, com Betencourt Faria. O assunto tinha que se lhe diga e teve pano para mangas, como se diz por cá, que mangas lá tinham outro sabor!
Ainda na primeira quinzena, um «assalto» às estações de Rádio. A reportagem confraterniza com os homens (e senhoras) da Rádio. Brandão Lucas, ele próprio um radialistae Raul Moreira, fotógrafo, encarregam-se datarefa, facilitada para o repórter, que bem conhecia os cantos das casas... Bem como quantos por lá falavam ou moldavam o som. Tem graça, «ver» à distância, sobretudo alguns dos que das leis da vida se foram borrifando. E lembro que nessa parte do Globo, onde se falava português não havia TV, daí que os «radiosos» colegas atraissem alguma curiosidade, entre os quais contei mais tarde alguns bons amigos...
Alguèm no Jornal o esteve a pôr por ordem. Gente interessante foi aparecendo com textos giros. A reportagem rebuscava. Mas os comentários críticos ou culturais revelavam também uma Luanda a mexer. Pena que o +N+ se perdesse um pouco nas
limitações tipográficas.
Em Fevereiro, o semanário aparece apertado no mal da época: excesso de Pub...
Não resisto a relembrar uma delas: três páginas, três, com fotos de pessoas mais ou menos popularizadas, nas diferentes artes e ofícios e identificadas como fumadores ou fumadoras, para destacar a chegada ao mercado de nova marca...
E, finalmente, a 9 de Fevereiro, a ficha indica que João Charulla de Azevedo ingressou no +N+, como redactor principal; Brandão Lucas fica como adjunto e Raul Moreira, fotógrafo principal. Curioso é que não era indicado o Chefe de Redacção!Charulla assume a liderança e determina a orientação:«Concordamos,mais ou menos,
com a política do governo, todos e cada um de nós tem a obrigação de opor a vida, por amor de Angola»...
Tornam-se mais frequentes reportagens com imagens de guerra e de soldados nela empenhados, a puxar o jornal para um natural populismo.E, por acréscimo verbera-se asperamente a intervenção da ONU no Katanga, acusam-se os soldados do «sr. Uthant» de excesso de violência sobre populações indefesas e de violação de mulheres...
Na semana seguinte, a crónica de Charulla é um completo blá-blá-blá,suficientemente explícito sobre prepotências da Censura.
«Os últimos defensores do Katanga» foi uma reportagem expressiva sobre o rumo que a História ia tomando. Mostrou Denard, frustrado, a entregar, na fronteira, as armas a Fialho Prego, oficial português.Denard, como qualquer outro militar francês batido na Indochina, na Argélia ou corrido do Congo! O jornalista comentou, crente de existir alternativa à submissão da ONU! A lição estava dada.Quem não quis,ou não soube sair a tempo, fê-lo empurrado,expulso, derrotado!
Mas isso levou o seu tempo a ser entendido, de forma dramática e, claro, sem alternativa!
E havia as praias de Luanda e os domingos nas praias de lazer,onde o que não fosse festa ficava para trás...O aniversário do Rádio Clube festejado naturalmente.Desde agora(de então!), Angola e os angolanos não faltam no semanário. Brandão Lucas brinca a sério com os meninos engraxadores,novidade importada do «puto». Mas, atenção, há um angolano escuro a ser devidamente engraxado!
E foi penas que as fotos de J.V. não possuirem grande expressão nem impressão suficiente para a nocturna reportagem de um aparatoso abate de quatro toiros tresmalhados, género de ocorrência que em Luanda se pensava só ser possível em Vila Franca. Dois dos animais foram abatidos a tiro.Um dos quais acabou por morrer no mar, junto à praia!
Em Março, Brandão Lucas desaparece da ficha técnica, presumivelmente assoberbado por afazeres de radialista.Na ficha aparece uma inovação: Manuela Carregado, maquetista!
A seguir uma capa,pelo menos inesperada: três rapazotes nus lavam os rostos, num enorme lavatório. Dentro,percebe-se: «homens de amanhã», na reportagem sobre a Casa Pia de Luanda!
Se Alberto Santos é quem eu penso, duas páginas para o lutador Carlos Rocha e companheira foi excessivo. Menos foi o incidente no muro de Berlim, que ainda separava os alemães, como separava o Ocidente do Leste. Também lá não se colocava a questão de saber quem era o bom, qual o mau. O problema estava na força. Cada parte exibia o seu apoio.Quando um deles fraquejou, o muro caiu. Mas para isso ainda faltavam alguns anos.E enquanto isso, os incidentes que ocorriam eram ocidentalmente explorados, como a reportagem evidenciou!
Mais preocupante a fuga de civis africanos, naturais do Katanga. Fugiam à chegada dos militares africanos da ONU! Mulheres, com crianças de colo (nas costas)e cestos à cabeça fugiam deles alucinadas, procurando abrigo em Angola. Eram os novos e pragmáticos sinais do tempo, incompreendidos até pelo autor do texto-legenda! Noutro comentário, o comentarista, o já citado Galhós, avisava que «estavamos como os espanhois estiveram até 1640! Ou, depois, quando das invasões francesas: tivemos de os expulsar»!
Surge nova seccão, que vai perdurar:«Isto tornou-se Notícia».
A 23 de Março comenta-se a Reunião promovida pelo Movimento Panafricano Central, Ocidental e do Sul de ameaçar invadir Angola, caso Portugal não acatasse as deliberações de Leopoldville, até ao fim de 1963.
O efeito Charulla ia dando resultados. A 30 de Março,uma página dá curso ao Correio dos leitores. E a seguir um fait-divers permitiu-lhe um texto soberbo sobre violência policial, nos Coqueiros, que passou pela Censura, mercê de argúcia, muito necessária naqueles tempos: começa porlembrar que o jornal tem divulgado repetidas vezes factos demonstrativos do bom nível a que guindou a PSP...
...Mas o comportamento dos agentes da PSP, em serviço no Estádio dos Coqueiros, testemunhado por milhares de pessoas; «e estes milhares de pessoas pensariam que a Imprensa está sob coacção se, nos jornais, não vissem o incidente devidamente verberado!»
Censor nem sempre tinha tomates...desta não cortou, não senhor, o arraial de porrada
aos assistentes, bem como aos fotógrafos, um dos quais foi detido; obrigado a revelar as fotos e a ficar sem algumas. Foram frequentes, naturalmente os choques
com a severidade do regime imposta pelos censores e, em África, muitos desses censores eram militares no activo!
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