sexta-feira, novembro 11, 2005

Uma Noite Com Trinta Anos

Já descrevi a minha chegada a Luanda, a 8 de Novembro de 1975, sob a pressão de tropas invasoras do Sul. Os amigos, os conhecidos e os que passaram por uma coisa e outra tinham fugido. Depois, os camaradas, "bazado". Em Luanda, aonde já não ia há alguma tempo, a surpresa quase me paralisou. A cidade não existia, parecia um sítio onde tinha caído uma bomba de neutrões.
Do Lubango até Luanda tinham viajado connosco a Bany e outras criaturas (hoje, por sinal, gente célebre na praça). Quando digo "connosco", quero dizer eu e a Zi, a minha companheira, a minha mulher.
Chegámos a Luanda e, por acaso, encontrámos a casa do Pedro D'Ornelas ( de quem, um dia destes destes, contarei um par de estórias).
Em Casa do Pedro estava ele, a Rita e não sei mais quem. E algumas latas de atum e arroz. Deu uma refeição. No final, olhámos uns para os outros, com alguma dignidade, porque esta coisa da fome perturba, analisámos a situação politico-militar e cada um seguiu o seu caminho.
Dia nove ainda houve um resto do arroz, com a água do atum, mas no dia dez, NADA! De manhã à noite. Nem um grão de arroz. Luanda era uma cidade sem vida. Estava toda a gente escondida em casa. Ninguém atendia o telefone.
Na casa do Pedro encontrámos o Graça, professor de Matemática no Lubango e que também tinha feito " a retirada estratégica" para Luanda. No prédio onde vivia, na Rua Direita de Luanda, havia um apartamento de um amigo, que tinha "bazado", e de que ele tinha a chave.
Subimos não sei quantos andares para nos instalarmos e, por volta das onze da noite, com os estômagos a roncar com fome, começámos a ouvir tiros de armas pesadas. Pensámos: "os zairenses conseguiram entrar..."
Pelos vistos, era preciso inventar um esquema de sair de Luanda sem ser notado. A minha fotografia fazia parte dos dossiés dos invasores: "cortar a barba, ir para o porto...sei lá".
Sem informação, sem rádio, sem nada que nos explicasse o que estava a acontecer, só percebíamos os tiros de armas pesadas e ligeiras.
No dia seguinte percebemos que tudo aquilo eram as comemorações da "Dipanda". Com algumas vítimas à mistura: houve uma família que morreu toda, porque lhe caiu na comemoração da independência uma granada de morteiro lançada por um vizinho que tinha o morteiro e a granada guardados para aquele dia.
O dia 11 não foi muito diferente. A retirada vergonhosa dos portugueses e dos altos comandos, as fantochadas políticas, todas nos passaram ao lado. A nossa gente estava em dificuldades e nós com eles. Comemos mabangas, arroz com feijão, peixe espada frito até ao enjoo.
Um dia, num restaurante que, entretanto, tinha reaberto, segui o inclinar das cabeças de todos os clientes e descobri uma criança que estava a entrar portas adentro. Há que séculos aquela gente não vislumbrava o sorriso de uma criança...
Viver em Luanda transformou-se num acto de fé.
Também dava para a brincadeira: à hora do comércio abrir, sobretudo depois da hora de almoço, dois ou três de nós colocávamo-nos em fila à entra de uma loja. Logo a seguir, se formava uma longa fila de gente que ia perguntando: "camarada, tá a sair o quê?..."
Começou aí a realizar-se a grande capacidade da sociedade angolana para se defender dos sistemas, para se auto-organizar.
Também principiaram aí as grandes fortunas angolanas, ostentadas, trinta anos depois, por personalidades que não as explicam, mas se afirmam, em semanários portugueses ( Expresso) disponíveis para investir em Angola, escondendo que as reais fortunas de que dispoêm estão espalhadas um pouco por toda a parte, inclusivé em Portugal.
Não posso deixar de constatar que há aqui uma convergência de interesses: o do Expresso, que quer instalar-se em Angola, para aproveitar um pouco da ocupação chinesa e o dos detentores de fortunas inexplicáveis que as querem transformar em motivo de honra nacional e até de pretexto para candidaturas à presidência da República.
Ao que a lembrança de uma noite de fome conduz...

1 comentário:

natacha disse...

querido senhôr,estou a escrever-lhe pois li a sua reportagem "uma noite com trinta anos".o meu caso é o seguinte,chamome natacha e nascí no 1 de dezembro de 1975.a minha mae chama-se paula e há dois anos por fim disse-me o nome do meu pai o cual eu nunca cheguei a conheçer...ela disse-e que ficou grávida cuando ela era muito jovem,16 anos,e que ele nunca chegou a saber que ela tinha realmente ficado grávida pois a avó dela deu conta do asunto e enviou-a a portugal...o nome do meu pai é pedro romeiro.sou consciente que tal vez nao tenha nada que ver a minha história com a sua ,mas se calhar o senhor pode ajudarme já que nao tenho muita familia e isto é realmente importante para mim...agradeço desde já a sua ajuda e que pelo menos tenha lido esta mensagem até ao fim,se podesse ser pedia-lhe que o senhor me envie nem que seja uma mensagem curta ao meu mail,aunque seja para me dizer que nao sabe nada desse pedro romeiro.por favor,se pode ajudar-me vou-lhe agradeçer sempre,obrigada....o meu nome é natacha e o meu mail é natachafigueira@hotmail.com.