terça-feira, novembro 01, 2005

VENTOS PASSADOS/3

Já se falou de soldados fugidores e de guerrilheiros idem, mas eu também fugi algumas vezes!
A primeira vez começou por ser ao contrário. Estava em Lisboa, de férias, em Fevereiro de 75. Saí de Luanda a 3, porque não quis lá estar a 4. Já andava desiludido! Gozei uns dias tranquilos,
ainda que me espantasse com aquele país, que, hoje, recorda Adelino Gomes, no «Público», uma democracia de sentido único, com revolucionarismo festivo. Não tinha a ver comigo. Não percebia ainda aquele «agora» e não me sentia dentro.
Até que de Luanda me telefonaram: os militares tinham ido ao Notícia e prenderam o director. Levaram-no, em mangas de camisa, para o aeroporto, onde o despacharam de avião para Lisboa, onde seria encaminhado para o forte da Trafaria. Era, pois, conveniente que eu voltasse. E lá fui eu para o avião, sem saber ainda que estava a fugir, pois já andavam em Lisboa à procura do Sousa Oliveira, esse, que tinha ultrajado o Copcon ao chamar-lhe «o novo medo»! Em Luanda, passei por casa, a deixar o saco e fui para a Redacção. Outro telefonema: «é pá. pira-te! Eras tu o segundo nome da lista»...
O «segundo da lista» pirou-se e escondeu-se, onde ninguém se lembraria de o procurar: em casa da mãe!Entre o homem da «Casa das Ferramentas» e o Mário, pai do Carlos Fernandes, fez-se o plano da fuga. A FNLA forneceu um "deixa passar" com um nome qualquer e lá fui eu de carro de Luanda para Kinshasa.
Foi lá que tomei conhecimento que o Notícia fora encerrado e que o «Província de Angola» passara para o controlo da FNLA. Ora bem: nessa altura, o governo de transição integrava quadros dos três movimentos revolucionários, além dos portugueses. Não via fechar-se um
jornal, que só era hostilizado por um dos movimentos, com o agreement do governo. Fui isso que eu quis saber junto do gabinete de Holden Roberto. Ele nem sabia que o Notícia tinha fechado, mas o chefe de gabinete, esse sabia e alegou que o semanário estava a pender muito para o MPLA! E percebi. Os dias que levava de «aquartelamento» ajudaram-me a perceber. Ali tudo se pagava e tudo se comprava. Só me faltava saber até que nível ia a sordidez. Pedi para me recambiarem para Luanda. Iam ver. Já sabia o que isso significava. Quase todos os dias chegavam camions de Luanda, traziam quase sempre Sal e levavam, em geral, armamento para Luanda, além de algum contrabando de coisas comuns que escasseassem em Luanda. Almocei
com um dos motoristas e ele aceitou levar-me de volta.
Encontrei-me com ele fora do recinto e abalei sem me despedir. Em Luanda, era a febre dos caixotes. Viam-se já montanhas e montanhas deles no porto e não poucos no aeroporto.
O jornal tinha pouca gente na redacção, mas muito manda chuva. Tinham nomeado para a chefia da redacção um jovem pouco dotado e esperavam que eu andasse com o jornal às costas. Mudei o título para o que, suponho, ainda hoje vigora e quis arrumar a redacção. Que não, o jovem chefe fora nomeado pelo administrador e estava dito. O administrador recebia mimos da secretária, que por acaso era esposa do jovem. Tentei fugir mas não fui muito longe, o ministro mandou-me chamar. Esperei uma hora na sala e saí sem o ver. Passei pelo jornal e combinei fazer uma crónica diária e lá apareceu outro Sousa Oliveira, que se chamou Lopes Guilherme.
Não raro entrava no «Comércio» para um bate-papo com o Araujo e lá mesmo batia a crónica para o jornal do lado. Até que recebi o aviso de Iko Carreira, e, sim, dessa vez zarpei de novo. No Uige estava o Chipenda. Ajudei-o a elaborar uma declaração que ele queria dizer na Rádio e ele arranjou-nos, a mim e ao Renato, um jeep sem gasóleo, que os tempos eram de crise. Fez jeito. Eu encontrei o combustível. Tinha amigos por lá. Os hotéis estavam cheios. E não de turistas! Isso não me assustou. Ainda havia uma base do Instituto do Café. Que bem que nós dormimos, num bom quarto, numa cama macia, feita de lavado! Não era, acreditem, pouca coisa.
No dia seguinte, ao fim da tarde, arrancamos para o Ambriz...
(Continuam as próximas fugas...)

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