terça-feira, agosto 30, 2005

Paixões Descontroladas

Morávamos na Calumanda. O meu pai achava que eu tinha de pôr na cabeça um daqueles capacetes coloniais, em miniatura obviamente, quando ia para o colégio. Porque o sol, porque não sei mais isto e mais aquilo. Destestava contrariá-lo. Dizia que sim. Saía de casa com o tal capacete na cabeça e, logo ao virar da esquina, deixava-vo debaixo de uma bissapa. Assunto arrumado. Puxava do pente repunha a pôpa e lá ia alegremente. A minha vida era uma festa. Aos doze anos apaixonei-me a sério. Tão a sério que ainda hoje me lembro do nome completo dela. Só não o escrevo porque... sei lá, não é de cavalheiro.

Tão apaixonado fiquei que, de repente, tinha febre, tanta, que deixei de ver. Não era da paixão. Era da escarlatina. O médico, que não cheguei a ver, curou-me mas esqueceu-se de avisar que havia riscos. Para os outros.

O meu mano começou a aparecer com sinais estranhos de saúde: inchado, muito inchado; médicos e mais médicos e nada. Foi para o Hospital - para o Hospital velho de Nova Lisboa, uma espécide de casa assombrada, situada entre o quartel da alta, a administração do concelho, assim num descampado, lá estava o hospital, quatro assoalhadas, umas batas brancas, um verdadeiro susto. Sempre que imaginava o meu mano lá dentro, a minha alegria esvaziava-se e eu ficava sem saber o que fazer.

Ele também.

Detestava leite e obrigavam-no a beber canecas . E inchava ainda mais.

Um dia, arrojado, corajoso, chamou um soldado do quartel ao lado, onde o meu pai trabalhava e disse-lhe para ir buscar uma carrinha, aquela em que, de vez em quando, íamos passear, aos domingos: Ilha dos Amores, coisas assim.

O soldado lá foi e ele montou-se no veículo e apareceu em casa - fugido do Hospital - a dizer "não volto mais".

Que fazer? O pai lá se informou e descobriu, como médica do CFB, uma médica, de nome Jacqueline, belga, que, com umas análises, descobriou na hora o mal: neferite num rim provocada pelo contágio da minha febre escarlatina.

São tantas as lições desta estória que eu me furto à mais simples: era um perigo real viver.

1 comentário:

Rita disse...

Sou a fã nº1 deste blog. Adoro as histórias e todos os dias aqui venho à espera de mais : ))