sexta-feira, agosto 26, 2005

O FADO

Saudade tenho saudade
Do tempo em que não sabia
Que esta palavra saudade
Infelizmente existia...

Fado é fado, não tenho culpa. Também gosto, por vezes, de relembrar o passado, mas nem sempre por saudade. Muitas vezes é contra a forma presente como se conta o passado. Salazar é a imagem de um passado doloroso. Imediatamente antes o passado não foi famoso, apesar da limpeza (muito pela ausência) que dele se vai fazendo.
Politicamente incorreto, administrativamente o país foi andando, devagar, é certo, mas foi andando. A guerra na Europa permitiu, mesmo devagar, chegar-se aos da frente. Pelos bolseiros da Gulbenkian ia sabendo coisas. O tabaco negro, o que eu bem gostava, era mais barato em Paris do que em Lisboa. E as camisas e não sei que mais. E os jornais eram melhores porque diziam coisas que os de cá não diziam, sobre nós, que nós sabíamos mas de que se falava baixinho.
Curiosamente viria a dar por isso, anos depois, já africano. Quando saía de Luanda encontrava tudo mais barato. Mesmo na Europa o hotel (bom) era menos caro que o de Nova Lisboa ou Sá da Bandeira, este era óptimo, com excelente serviço, antes e depois dos serviços de turismo terem completado um bom trabalho, que modificou por completo o folclore assaloiado do nosso turismo, bem distante do moçambicano. No regresso era fatal o peso a mais no balcão da TAP.
Foi no meu tempo que muita coisa mudou. Em quase todo o lado onde a nossa bandeira flutuasse, as chefias governativas eram entregues a senhores militares. Talvez a explicação
para o lento desenvolvimento e má vontade para a evolução seja essa. Mas quando a sociedade civil entrou no processo, na gestão dos sectores, com mais e melhor pedalada, o desenvolvimento dava saltos promissores.
Para vencer o peso da burocracia justificavam-se os projectos, como de interesse militar!
Com Santos e Castro, que substituiu o coronel Rebocho Vaz, o salto foi extraordinário. No caso da Educação as coisas já vinham a melhorar bem detrás, deve reconhecer-se. E o meu amigo, magoado e ofendido, sabe da matéria bem melhor do que eu.
Também é conveniente lembrar e reconhecer, que foi o levantamento popular, que condiziu à guerra, que fez andar todo o aparato construtivo, as cidades cresciam a olhos vistos e as estradas
abriam-se em todas as direcções.
Por essa altura apareciam muito por Luanda os figurões da finança, desconfiados ou descrentes das informações que lhes chegavam de Angola. E apareciam, a convite de empresários angolanos, alguns agentes económicos sul-africanos, curiosos e interessados.
O mais notável, porém, era o café. O Instituto, dito português, do Café, funcionava surpreendentemente bem. Não se limitava a controlar a produção e exportação, como se impunha ao respeito daquela coisa londrina que se chamava, se bem me lembro: Acordo Internacional do Café, que determinava cotas com extremo rigor.
O divertido, se assim se pode dizer, é que o Instituto angolano(sim senhor) era gerido por gente «suspeita». No Portugal desse tempo, qualquer pessoa suspeita era comuna, claro. Os dois cabeças do Instituto não eram situacionistas e talvez por isso o seu prestígio, que eles aproveitaram para fazer a sua batota. Os novos países africanos tinham-se esquecido do café e as respectivas produções baixaram imenso. Não podiam, bem entendido, preencher as cotas.
Os portugueses (oficialmente não havia angolanos) não tinham relações com outros países do continente. Mas os homens do Instituto, nos corredores do Acordo, cobriam os colegas desses países e assegurava-lhes o preenchimento das cotas. Era com o nosso café que os países desalinhados, com os quais evidentemente não tinhamos relações, cumpriam as cotas de exportação. Como se sabe, as inimizades não são para as ocasiões. Tenho algum orgulho em ter sido amigo do presidente do Instituto e uma admiração maior pelo trabalho que o Instituto desenvolveu no Uige.
Onde é que tudo isso já vai? E pior; porque teve tudo isso de se perder? Por esta altura Salazar já tinha abalado. Por mal dos nossos pecado, outros piores apareceram. Não há Jornal que nos salve!
Ou haverá?...

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