sábado, agosto 27, 2005

Mussulo (oh! Fernando, vê lá se acabas as férias!)

(As férias do Fernando estão a demorar bué.... Vão ver que tenho que aguentar este António, na sua versão mais dura, sózinho).
Está bem, António, tens razão, o Instituto do Café era a maravilha das maravilhas, mas isso tinha pouco a ver com o outro António. Era Luanda... prontos. Lá, até a PJ era boa!
Agarro na deixa e conto-te a estória da minha primeira ida ao Mussulo. O Nóbrega, um conspirador, frequentador das tertúlias de arte possíveis nessa altura (apresentou-me o Óscar Comenda), tinha um pequeno barco, daqueles com poucos cavalos ( eu sei lá... do mar só sei navegar e nadar, que o Chico Bamba me ensinou como deve ser). E fomos, mar dentro, demos a volta à Ilha e o motor do cujo começou a oscilar.
Queres ver que o malandro nos vai prejudicar... - duvidou o Nóbrega... e ruma direito à Praia do Bispo - exactamente, o sítio onde agora está montada uma urbanização, um sarcófago e não sei mais o quê.
Quando já estávamos perto da praia, eu, afoito, deixei-o ir sózinho e atirei-me às águas, qual Luís de Camões a salvar os Lusíadas. Não é que um bando de alforrecas malucas resolve atacar-me, assim, sem mais nem menos? Bem esbracejei, mas o Nóbrega estava entretido, a limpar as velas do motor daquela geringonça - explicou-me depois. Todavia, consegui chegar à praia como herói derrotado, e sem palmas.
Fim de semana no Mussulo, princípios dos anos sessenta. Estás à espera que te conte alguma coisa extraordinária? Se tivesse acontecido terias noticiado no "Notícia", aquela revista fabulosa que era uma espécie de televisão angolana e da qual eras o chefe de redacção.
Acabado o fim de semana, com aquelas coisas que tu não conseguiste saber, rumámos Luanda. Tinha, entretanto, acabado tudo quanto era líquido para beber, água, cerveja, vinho, o que quer que seja. Só faltava beber água do mar, daquele mar lindo, que tinha tudo, menos água para beber.
As promessas do paraíso tinham partido ainda o Sol era apenas um ameaça de cor e já estariam em suas casas, a usufruir de merecidos repousos (sem férias)
O barquito do Nóbrega ia levar umas três horas até chegar ao Clube Naval. A sede apertava. A noite tinha sido agitada, a madrugada, já o sol ia alto. Comecei a pensar na cerveja que iria beber na Bracarense, quando chegasse à Maianga, onde morava nessa altura.
Não joguei conversa fora e o Nóbrega bem me provocou de todas as maneiras e feitios, ("independência, não independência, autonomia"... essas coisas), mas eu só pensava na cerveja da Bracarense.
Quando chegámos ao Clube Naval, agradeci o fim de semana, apanhei um taxi e Maianga com ele. Entrei em casa com a promessa prometida de não beber pinga de água - nem do chuveiro.
Tomei banho, com os lábios cerrados - não fosse alguma maldita atravessar a fronteira... - vesti-me, água de colónia ( naquela altura era a Lavander) e rumei a Bracarense.
Oh! senhor ( eu agora podia dizer António) Saraiva, são duas imperiais!
Duas? Está à espera de alguém?
Olhei para ele com cara fechada. Ficou espantado, mas trouxe, a correr, as duas imperiais.
Bebi a primeira de um fôlego, com o Saraiva a olhar espantado e a segunda, a saborear, calmamente, olhando a rua, enquanto não apareciam os amigos da tertúlia e a quem contaria a aventura da minha primeira ida ao Mussulo.
Mais uma vez foi discutida a ideia da Independência, em surdina, sem que o sr. Saraiva ouvisse.
O Mussulo, hoje, é um ilha do mais feroz neo-colonialismo de que já ouvi falar. Nâo é possível a um jovem luandense viver uma aventura semelhante à minha. Era 1962 e eu só vivia com conspiradores, mas com a alegria de quem tinha uma terra por que lutar.

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