segunda-feira, agosto 29, 2005

As Pitangas do Careca

Hora de almoço. Chego a casa está tudo de cara fechada. A mãe quase não aceitou o beijo, fugidía, o pai estava com o ar dos grandes dias e os manos olhavam-se e olhavam-me com olhos a esconderem-se.

Fiquei parado. A fome passou e o riso feliz que sempre me acompanhava morreu.

O primeiro a falar foi o pai: " que estória é esta, que eu já sou chamado à polícia por tua causa...?"
- ...polícia?
- Sim... polícia, confirmou a mãe. Diz que foste apanhado a assaltar a fruta de uma quinta, lá perto do Colégio...

- Agarrado?! eu? A mim ninguém me agarra. O Cantinflas, o Cantinflas é que foi agarrado.

Foi um almoço triste. Eu não gostava que a família tivesse problemas por minha causa. Tinha doze anos felizes, divirta-me todas as horas da minha vida e um dos divertimentos era fazer uns assaltos à Quinta do Careca, o director do Colégio Adamastor. Mas, naquele dia, um dos guardas resolveu levar o papel a sério e agarrou o Cantinflas, que era o mais lento e também o mais medroso.

Éramos três - o outro era o Araújo, da Rua do Comércio.

O Cantinflas foi levado à esquadra e deu os nomes dos nossos pais . Em Nova Lisboa, nessa altura, havia oito polícias, incluindo o chefe.

Toda a gente se conhecia, mas o "Careca" estava farto que lhe assaltassem a quinta, onde existiam saborosas pitangas, mangas, nonas, enfim, um salada magnífica. Mas, sobretudo, era o gozo, o risco, como se diria hoje, a adrenalina.

A denúncia do Cantinflas custou-me, fiquei triste, saí de casa a imaginar o que iria fazer ao meu grande amigo. Começámos por nos desencontrar no caminho de casa para o Colégio (viviamos perto um do outro).

Quando cheguei ao D. João de Castro ele já lá estava, encostado a um canto, triste, pesaroso, aproximei-me dele com más intenções. Ele percebeu... "tá bem pá...tá bem, mas o Araújo já me bateu... escusas de vir também tu armado em mau..."~

Desisti, mas durante dias não falei com ele. Faziamos o mesmo caminho, ele à frenrte eu atrás, até que um dia comecei a rir sózinho com aquele andar saltintante dele, razão por que lhe chamávamos Cantinflas. Voltámos à amizade e sempre que falávamos do assalto nos riamos com a cena: ele a dizer ao guarda: "foi aquele menino russo, que está escondido ali no meio do milho que me disse que esta quinta era do tio dele, um tio chamado "foge". E eu a ouvir a conversa, quieto que nem onça a preparar o salto.

Todavia o guarda não caiu na armadilha, que era largar o Cantinflas e correr atrás de mim.

Durante um tempo deixámos a quinta em paz, mas, sobretudo as pitangas eram uma tentação.

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