quarta-feira, dezembro 14, 2005

Chico Bamba/ Congo

Relendo o que está para trás neste blogue descubro a promessa (minha) de recuperar aqui um texto que mandei para a Associação de Antigos Estudantes de Nova Libsoa Huambo(AAENLH) - logo à partida uma coisa complicada e de que eu sou membro. Na página da Net desta coisa aparece sempre o Rui Gomes com um sorriso velho de galã nunca realizado e um apelo a textos de homenagem ao Chico Bamba e ao Congo.

Um dia, enchi-me de brios - fui amigo de ambos - e escrevi alguns episódios( naturalmente pessoais, mas que envolviam o Chico e Congo num período de tempo bastante alargado). Enviei o escrito para o e-mail do tal Rui Gomes, que foi meu colega no Liceu de Nova Lisboa, ele e todos os prof. drs. que são nomeados na tal página jurássica, a propósito de tudo e de nada. De resto, penso que tal exagero é feito à revelia dos próprios, mas o Rui Gomes...

Já que falamos de personalidades - os únicos lembrados pela AAENLH - seria interessante tentar saber onde andam os outros, aqueles que foram nossos colegas e que, muitas vezes, por circunstâncias adversas da vida não se aproximam e não são lembrados.

É óbvio que para aquele presidente, com aquela pose, nada disso conta.

Tentemos, então, reconstruir o tal texto que o Rui Gomes mandou para o lixo electrónico do seu computador, tal como um censor de outros tempos inutilizava um escrito com um simples lápis azul.
É muito natural que esta segunda tentativa saia melhor que a primeira
Tentemos.
Antes de falar das circunstâncias em que conheci o Chico e o Congo e aquelas em que a nossa amizade se desenvolveu, gostaria de lembrar um outro membro da família: a Gaby, a drª. Gabriela Antunes, de quem fui amigo em condições especiais da história da República.
O Colégio D. João de Castro (nunca me interroguei sobre a razão deste nome) ficava na Avenida 5 de Outubro. Ocupava uma grande parte do quarteirão que fazia esquina com a rua que ligava a avenida ao que, mais tarde, seria a Avenida da Granja. O Palácio do Governador ficava na curva seguinte.
Do outro lado da Avenida 5 de Outubro estava o Colégio Adamastor e o apeadeiro do combóio, sem nenhuma estrutura de apoio, apenas uma zona terraplanada, onde os passageiros esperavam, nomeadamente " O Piolho", o nome pelo qual era conhecido o combóio, de duas carruagens, que transportava os estudantes de Nova Lisboa para a Caala.
Nesse terreno se derimiam as questiúnculas criadas durante as aulas, nos intervalos, já que o prof. Cabral - director do D. João de Castro - não consentia nas brigas, fossem elas o que fossem.
Frequentava eu o segundo ano do Liceu - o tal que haveria de me levar ao exame na Escola 32 - e apaixonei-me, doidamente, por uma colega, de olhos azúis, cujo nome ainda hoje recordo. Não o escrevo porque tenho receio de, por alguma razão que nem sequer imagino, poder fazer-lhe algum mal.
Um "rústico" da turma, rapaz alto, e óculos, cujo nome não recordo, disse qualquer coisa sobre o objecto da minha paixão que me pareceu ofensivo. Tanto bastou para que ficasse marcado um "ajuste de contas" no final das aulas - no apeadeiro do piolho.
Eu tinha 11/12 anos, era muito pequeno, cresci - embora pouco - a partir dessa idade, mas tinha o "génio" de um guerreiro. O meu adversário estava claramente surpreendido porque avaliou-se mal. Estava eu dando-lhe umas "chapadas", umas "galhetas", umas "lamiras"umas... quando ouvi uma voz com um ligeiro tom irónico:"... oh miúdo, ainda te vais magoar...o melhor é parar com isto..."
Olhei em direcção áquela voz e reconheci o Chico (quem não o conhecia em Nova Lisboa?). Com um sorriso bem disposto aproximou-se de nós os dois, disse qualquer coisa sobre a parvoíce de fazer aquelas cenas frente a tanta gente ( só então reparei que a colina que protegia a linha do CFB da Avenida e era coberta de acácias estava cheia de "mirones", quase todos eles com uma bicicleta segura e um sorriso irónico nos lábios)
O Chico Bamba lá nos convenceu a fazer " as pazes". Apertámos a mão e o espectáculo acabou. Para mim, tudo bem, tinha defendido a "minha amada"(naquela altura eu lia muito o Júlio Diniz...).
Asssim foi estabelecido o meu primeiro contacto com o Chico Bamba.
Semanas mais tarde, não sei como, mas seguramente levado por amigo, a um domingo de manhã, fui ter a uma piscina, perto da casa onde morava. A piscina era a "dos Machados", adjacente a uma fábrica de sabão que a família Machado, igualmente proprietária do África Hotel, tinha.
Nadar era uma coisa que me fascinava e eu não sabia. O pessoal que já lá estava brincou comigo, provocou-me, alguns deles tinham-me visto na tal briga... e eu lá fui tentando fazer daquela minha passagem pela piscina alguma coisa que, pelo menos, não me desprestigiasse. O Chico chamou-me e, com um jeito de professor nato, explicou-me os vários estilos de natação. Entrou na piscina e ensinou-me tudo, fazendo.
Eu disse que sim, olhei e ouvi, mas fiquei quieto. Então o Chico saiu da piscina, pegou em mim e com toda a força da sua capacidade atlética, que naquele tempo era enorme, atirou-me para o meio da piscina.
Enquanto me sentia ir ao fundo, perder o pé, todas aquelas coisas horrorosas que acontecem a quem se sente perdido num mar de água sem a poder beber, fui rememorando a lição do Chico e, paulatinamente, saí a nadar bruços, com todas as regras de respiração, numa técnica que mais tarde aperfeiçoei e me levou a vencer algumas provas na piscina do Ferrocia. Uma técnica que, muitos anos depois, ensinei ao meu filho mais novo que se transformou num nadador tecnicamente irrepreensível.
O Chico riu-se com aquela gargalhada que fazia dele uma companhia desejada e disse :"...afinal estavas a enganar a malta, tu sabes nadar, e bem..."
Começou ali a nossa amizade. Fez de meu treinador de natação, ajudou-me a libertar de montes de fantasmas, passava pelo "ringue" da Feira, ao cimo da Granja, onde eu andava a aperfeiçoar a minha patinagem, brincava comigo, dizia piadas, mas estimulava-me. Achava que eu iria ser um "grande patinador". Ele sabia que me irritava, porque eu queria era jogar hoquei em patins.
De repente, a família transfere-se para Sá da Bandeira. Lá ficam os amigos e entre eles o Chico. Tive algumas oportunidades de estar com ele, ou simplesmente de o ver, nas deslocações que ele fazia ao Lubango para disputar os quadrangulares de hóquei entre selecções de cidades, nas Festas da Senhora do Monte.
Eu fui, entretanto, aperfeiçoando as minhas qualidades de "patinador" e também de jogador de hóquei em patins e um dia, depois de uma grande confusão no Liceu Diogo Cão, o meu pai resolveu transferir-me para o Colégio Alexandre Herculano (também nunca me questionei sobre o nome), em Nova Lisboa.
Ora, o Chico era o treinador de tudo no Alexandre Herculano e como eu não tinha altura para o Basquetebol, embora fosse hábil para o jogo, resolveu fazer de mim um jogador de andebol. E lá fiz parte da equipa que se sagrou, em Silva Porto, contra a forte equipa dos maristas locais, campeã provincial da Mocidade Portuguesa de Andebol. E, sempre que era necessário, dava um jeito na equipa de voleibol.
Na final do campeonato de andecol, a assistência dos maristas elegeu-me como sua "vítima" principal e sempre que eu tinha a bola choviam as piadas e até alguns insultos. Eu ia respondendo e foi-se criando um clima de grande tensão. No final do jogo, com a nossa vitória, eu era ainda mais "vítima" e, quando um grupo de alunos do Colégio de Maristas de Silva Porto se foi aproximando de mim, notoriamente com más intenções, eu fui-me aproximando do Chico.
Colocou-me o braço por cima do ombro, olhou para os candidatos a algozes, sorriu, encheu o peito e disse: "então, rapaziada, e se vocês nos mostrassem a cidade...?"
Foi um fim de tarde óptimo, durante a qual acabámos por fazer novas e boas amizades.
O Chico era assim, mas quando a alternativa era o convencimento por meios mais físicos, ele também os sabia utilizar. Vi-o, uma vez, de um só golpe, rasgar a intrincada rede de cordões que lhe seguravam os patins aos pés e partir à desfilada para a bancada do campo da Feira para pôr na ordem alguém que não parava de o insultar.
A chegada do Chico ao campo de treinos era sempre um momento de alegria e de respeito. Não precisava de ralhar, de falar alto, de fazer cara feia. Todos nós aceitávamos o que nos dizia, cumpriamos as suas instruções.
Quando regressei a Nova Lisboa, vinha cheio de entusiasmo com a ideia de poder jogar no Óquei Clube, onde jogava o Chico, o Daniel, o Figueiredo e outros. O Óquei era, contudo, um clube com limitações e, portanto, a entrada de mais um jogador significava a necessidade de comprar um equipamento, patins, e tudo o resto. Portanto, o Chico foi adiando, adiando... até que o Ferrovia de Nova Lisboa, onde eu jogava futebol, através do Zeca Araújo, do Lubango, me convenceu e eu integrei-me, com 15 anos, na equipa de Hóquei em Patins do Ferrovia de Nova Lisboa.
Um dia foi-nos dito que iriamos inaugurar um "ringue" de patinagem em Quinjenje, a alguns quilómetros de Nova Lisboa. Foi-me dito para esperar o autocarro numa paragem frente ao palácio do governador, na Cidade Alta, onde eu morava.
Quanto lá cheguei, com os meus patins, o meu stick e o meu ar contente, já lá estava o Chico, que me olhou surpreendido: "...estás a fazer aqui, miúdo?..." Não sei o que disse, mas ficou claro que eu ia jogar pelo Ferrovia contra o Óquei Clube na tal inauguração.
O Chico Bamba, depois da surpresa inicial, percebeu, lamentou e voltou a ser o amigo de sempre. Durante os dias de estadia em Quinjenje divirtia-se com o meu aptetite de adolescente. No jogo, a primeira vez que joguei contra ele, deu-me algumas lições práticas: chamava-se à tabela, no seu meio campo e aí, sem me magoar e a rir-se, castigava-me nas pernas com o stick. Ia sempre dizendo: "...vê lá se aprendes, miúdo".
Entretanto, a minha vida de estudante ia sofrendo voltas e mais voltas e consegui transferir-me do Alexandre Herculano para o Liceu de Nova Lisboa, ainda instalado no prédio da Lello e na Associação Comercial.
As aulas de Educação Física e o Desporto que lhe estava associado tinham lugar no Ginásio do Sporting Clube do Huambo e um dia, o Chico lá voltou a ter uma surpresa: apareceu com a sua equipa de basquetebol do Alexandre Herculano para disputar um jogo contra a equipa do Liceu.
Eu estava do outro lado. Tínhamos como orientador e professor um senhor chamado, salvo erro, Portugal Colaço, que era apenas boa pessoa. O Chico deu-nos uma "surra" e riu-se.
Foi neste período da minha vida que estabeleci com o Congo relações pessoais. Toda a gente o conhecia em Nova Lisboa. Gordo, em cima de uma bicicleta reforçada, sempre com máquina fotográfica pronta para uma fotografia, o Congo escrevia sobre Desporto e ia assistir a todos os jogos, inclusivé os de juniores (futebol). Como já disse, eu fazia parte da equipa de juniores do Ferrovia de Nova Lisboa e, no final de cada jogo, lá tinha o Congo a chamar-me "peneirento", o que, segundo ele, seria a minha desgraça. Não sei se foi. A verdade é que jogar futebol foi das coisas que mais prazer me deu na vida.
Os anos correram e um dia eu aparecia no Rádio Clube do Huambo, no tempo em que por lá andavam a Maria Dinah, o Aurélio(...), o Fernando Pereira, O Ribeiro Cristóvão, o Paulo Cardoso e o Congo...
Lembrou-se logo de mim e recordou a minha habilidade para o futebol e outras modalidades. Ficámos camaradas de trabalho, verdadeiros amigos. O Congo nunca se zangava com ninguém, sempre tentava perceber as dificuldades dos outros, embora houvesse atitudes que não desculpava.
Nos anos seguintes, em Nova Lisboa ou no Lubango, tivemos oportunidade de trocar provas de amizade real.
Até que todos fomos sacudidos por uma guerra que ninguém desejou embora todos pensássemos nas possibilidades que a todos se abririam num país independente.
E a guerra dispersou-nos. Ficámos sem saber uns dos outros. Foi-se construindo em cima da realidade que sempre nos tinha envolvido uma coisa estranha que ninguém entendia. Eu envolvi-me na política, outros preferiram não o fazer, mas, no final, acabámos todos, embora longe uns dos outros, mais perto do que imaginávamos.
Um dia fui encontrar o Congo em Proença-a-Nova. Era Verão e ele curtia o pouco calor que lá chegava. Tomava conta de um salão de jogos. Sempre rodeado de jovens, sempre bem disposto. Ficou contente por me ver. Pouco tempo depois do nosso encontro faleceu. A notícia abalou-me
Em relação ao Chico, sei da sua presença em Castro Verde. Por amigos comuns soube que não está muito disposto a recordar. Respeito-lhe a vontade. Um abraço, Chico, velho mestre da vida!

2 comentários:

Luis Nogueira disse...

Eu andei no Colégio Alexandre Herculano em Nova Lisboa (1949-50 e 50/51) e lembro-me do nome Chico Bamba, ou de haver um aluno com esse nome, mais velho, no Colégio. Também fui colega de um Leston Bandeira na Fac. Letras da Un. De Coimbra (Filosofia a partir do lectivo 1960/1961, colega do Jacinto Rodrigues, João Quintela, Chico Delgado, etc...)
Serão os mesmos, o Chico e o Bandeira?

Luis Nogueira
E-mair: nogueira1930@live.com.pt

Leston Bandeira disse...

Meu caro Luís Nogueira: o Chico Bamba seria aluno do Alexandre Herculano na data que indica. Hoje vive em Castro Verde, no Alentejo. Quanto ao Leston Bandeira de que foi colega em Coimbra, é meu irmão e, por acaso, vai dar a sua última aula como professor catedrático do ISCTE no próximo dia 20. Eu também ffrequentei o Alexandre Herculano, mas mais tarde. Nessa altura o Chico era o noso treinador.