segunda-feira, dezembro 12, 2005

PEREGRINAR

Não se trata, bem entendido, de devoção. Já gostei mais do Benfica do que gosto hoje em dia. Viajar, sim, mas da maneira que os reformados podem: de memória. Sempre que chove na minha aldeia memorizo o suave entardecer e o pôr-do-Sol, no Morro da Lua! Sempre que à noite, a tiritar de frio, passeio o cão, imagino-me sentado no Miramar a desfrutar o filme!
Ir pelo tempo fora não aquece nem arrefece. Mas pode ajudar a entender quando se está disposto a tolerar. A intransigência reflecte, por certo, algumas fragilidades. Toda e qualquer insegurança requer carapaça espessa e desconfiada.
Eu tenho dúvidas, logo existo. Caramba!, desconfio que estou a ir longe demais! Inflecte, rapaz, inflecte. Limita-te aos poetas do povo, que ensinam sem canudo, foi-me soprando algum antanho apiedado. É por via desses sopros que eu mais naturalmente canto: «...e o polícia malfeitor que só malvadez contém/ prendeu a pobre velhinha/qu'andava a roubar flores/ p'ra pôr no túmulo da mãe!», do que me defendo com um concludente: «mas sei que não vou por aí»! Tempo houve que tal saber régio ocupava lugar e não raro saía caro!
Deve ser por isto que me acolhi à aldeia, numa rua com três casas. E cada casa é um acaso. Não há ódios nem rancores/ Tem-se amor pela vida alheia/ cada qual seu pão grangeia. Não é bem assim, convenhamos. Ninguém é primo de ninguèm, todas as casas têm fechadura e à noite
vê-se televisão. Calha melhor buscar da cabeça alguém como Cezarini, que me apareceu uma noite destas, com Sampaio, no Telejornal: «no país no país no país onde os homens são só até ao joelho». Eu sei, eu sei, por aqui nem ao artelho se chega, são os recos quem mais ordena. É a grunhir que a gente se entende.
Que mares nunca dantes navegados nos afundem. Que Louçã nos defenda e o bom profeta nos Alegre o caminho!

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