Os cinquenta anos da RTP estão a trazer à ribalta pedaços de passado. Imagens desse passado, devia dizer. Seja como for, comove os mais velhos e pouco ou nada impressiona os jovens. para mim, como para tantos, como eu,africanizados e devolvidos, o tempo de tv é menor. Em África não tivemos televisão praticamente, até ao retorno. Já estava no «Jornal Novo» quando apareceu a «Gabriela». Claro que já muitos de nós deitavamos um olho à televisão, pelas férias, mais ou menos demoradas ou por viagens, daquelas a que os pobres jornalistas se sujeitavam, pelo mundo fora...Seria exagero dizer que havia tv no Zaire ou na África do Sul, mas vi televisão, em Joanesburgo, ou em Kinshasa, esta inesquecível, pela forma como se apresentava, ao princípio da noite: céu amplo e das nuvens surgia Mobutu, com o imperial varapau!Em Luanda ainda não.Talvez por isso, a imprensa escrita e a informação pela Rádio eram mais vivas do que as congéneres metropolitanas. Tal como havia feito aos típicos cafés lisboetas, a Televisão foi empurrando os jornais para o lado.Ao princípio encheu as páginas dos matutinos de novidade,tal como começara por encher os cafés com televisor.Muita gente recorria ao jornal diário para entender o que vira à noite. Além de que a informação televisiva era escassa e tendenciosa. Algo que iria afectar, anos depois, o futebol. Os clubes foram mais prontos a ver o perigo e não queriam os seus na Televisão. Um presidente da República, pós 25 de Abril, pediu publicamente ao líder de um clube lisboeta que autorizasse o jogo domingueiro na televisão, que a lotação estava mais que esgotada.Fez-se-lhe a vontade, mas os outros clubes protestaram, porque tiverem menos receitas do que contavam. O grosso da coluna ficara em casa a ver o jogo lisboeta.Se ainda não perceberam, eu explico melhor. A TV era do Estado. O Estado, quando o dono morava na calçada da Estrela, vendia o produto televisivo como fazia com os isqueiros: cobrava taxa. Se não contassem bem os tostões,o «botas» mandava vir com eles.Para conseguir explorar a Pub, sem perder a taxa, inventou-se o segundo canal. O segundo canal não dava pub, mas também nada dava que se visse, servia para segurar a taxa, como passou a servir no submundo nocturno, quando se começou a perguntar às meninas se o menu tinha segundo canal!Fui crescendo entre jornais. O pai trazia-nos, ao almoço, o matutino «O Século». Sem qualquer razão política, o velho trabalhava com calçado e os sapateiros liam o «Século». Ao jantar trazia o «Popular». A minha mãe lia à cunhada, a única de seis irmãos que nunca aprendeu a ler, os dramas de «a cidade». Arrumados, tranquilos,os jornais não dependiam de manchetes.Os anos da guerra geraram grandes «cabeçalhos», como então se dizia,mas eu era ainda miudo.Só dei pelo lado especulativo, digamos assim,da imprensa, quando um célebre baile na Linha (Estoril) gerou um morto misterioso.Toda a gente falava daquilo, e alimentou os jornais alguns dias a fio, até que ouvi o meu tio explicar às senhoras da casa o que era aquilo:«Ó meninas, eu não sei nada. Só sei que houve música, só senhores estavam no baile. Não sei nada, Sei que houve um crime, mas não sei quem no cometeu»... Este último ó bem surdo, por sinal!As artes voltaram a ser agitadas nos jornais quando um treinador de futebol apareceu morto no parque Eduardo VII, quando um arguido (como se diz agora),que era magala, foi preso e o articulista do «Século» explicou:«Tanto a vítima, como o criminoso eram dois miseráveis». Ainda não descernia se a moral era assim tão, tão convencional ou se o jornalista era mesmo filho de puta.(continua)
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