sexta-feira, junho 15, 2007

NO ANTIGAMENTE (5)

«E Deus criou Eusébio», título da responsabilidade do chefe de redacção, tinha mais a ver com a idolatria pelo crack do que a manchete obrigada a mote dos nossos dias. No Notícia, a preocupação pela capa da revista fazia sentido, mas a manchete era em geral feminina e acalorada. As chamadas à capa eram poucas e sobre assuntos que os leitores já aguardavam com impaciência. Evoco a entrevista de Edite Soeiro ao «pantera negra» porque, nessa edição, a parte de baixo do bikini da menina da capa era de malha e o censor em Lisboa acreditava ver entre as malhas cruzadas uns pelos escurecidos e creio que ele se serviu de uma lupa para ver melhor. Moral da história: não autorizava. Em Luanda já estava impressa e desde a véspera que ia na camioneta a caminho do Lobito, onde apanharia o comboio, até ao Luso.
Em Lisboa foi preciso improvisar. Foi assim mesmo: a manchete «E Deus criou Eusébio» cruzou por cima do arrendado calçãozinho e salvou o pudor censório.
Menos sorte teve o Baião. Fomos a S.Tomé, por alturas da guerra do Biafra.Mal chegados e ainda sem hotel fomos a correr para um avião. Era um casamento que ia ter lugar por cima da linha do Equador, entre um piloto e uma enfermeira um e outra ao serviço das igrejas humanistas que procuravam acudir às populações indefesas, dizimadas pela guerra. Os aviões levavam mantimentos e traziam feridos para improvisados hospitais de lona, onde médicos e enfermeiras voluntários ajudavam.
O Baião teve artes de convencer a noiva a posar. Na manhã seguinte, e cedo, à noite de núpcias,
a jovem fez a vontade ao fotógrafo a fomos até junto do mar fazer os bonecos. Não estava maquillada. Foi levantar, lavar à pressa, pentear o cabelo no carro e vai disto. Não só com a bata, mas, também de bikini. Era bonita.
A reportagem sobre o dramatismo que se vivia, incluiu o casamento, bem entendido e uma das fotos da noiva junto do mar, mas não foi capa. A Censura cortou. Não havia razão, mas cortou. E cortou não pelas fotos mas pelo facto do carnaval do Rio de Janeiro ter sido pouco antes e de terem aparecido na imprensa de Lisboa algumas fotos do corso que escandalizaram a Igreja, o que levou a que o governo impusesse um período de recato, com ordem à Censura de não deixar passar nada...
E foi justamente em S.Tomé que, pela primeira vez vi o dr. Mário Soares. Estava na pista do aeroporto, junto a um bimotor, de conversa com os tripulantes. Dei por isso porque o responsável pela polícia política estava a dizer ao colega que assistia à chegada dos passeiros de Luanda «já disse que não queria aquele cavalheiro na pista»...
Haveria de vê-lo numa África mais profunda, em Luzaka, a dar conta aos poucos jornalistas que ali estavamos também, para saber do que poderia sair da reunião com a Frelimo. Estafado o ministro parecia vergado ao peso do colonialismo maquiavélico que representavamos. Sabia pouco de África e de africanos. Deviamos despir o colonialismo e zarpar. A seu lado o estratega Otelo, natural de Moçambique, mudo e quedo.
Não tardou que em Moçambique a situação se fosse alterando a Frelimo entrou discretamente mas entrou. O assalto ao Rádio Clube nem sei o que foi. Estive lá mas não percebi. Terá sido um apalpar de terreno. Nada se movimentou. Os «assaltantes» sairam pelas trazeiras tranquilamente e foram para o hotel mais snob de todos. Estive lá e vi -os, como eu, sentados na esplanada, a conversar. Dormiram a zarparam manhã cedo. Haveria de ver o mais gordo deles
uns dias depois na Mutamba. «Olá! E então?» disse-lhe. Encolheu os ombros. Nem respondeu e abalou...
Tive sorte de conhecer Moçambique bem, de cima a baixo. Viajei de comboio de Lourenço Marques para Joanesburgo já nesse período conturbado da transição. Comia-se bem, naquele comboio. Joanesburgo era uma boa imagem de colonialismo puro e duro. Fui lá para ver o meu filho, que estava em casa de um casal amigol sul-africano. Havia, claro, muito comerciantes portugueses, em grande parte madeirenses. Tinham aprendido a ser brancos, que era uma coisa que não sabiam, quando foram para lá. Deu para o azar. Agora é complicado ser branco, mesmo madeirense e sobretudo ser comerciante. Não houve revolução para mudar de governo. Foi para muito mais. Só que o muito mais nunca mais chega! E o casal meu amigo já não é sul africano.
Adquiriu a nacionalidade australiana. Até as netas já são naturalmente australianas. Está-se por lá muito bem, mesmo se às vezes faz mau tempo!
E é tempo de ir jantar. Deixo para amanhã o crime da Samba...

Sem comentários: