Um dia mais às vezes pesa arroubas. Lembro-me de menino e moço ter ido à travessa das Salgadeiras. Encolhido e nervoso, com dez escudos no bolso. Nada de confusões. Ia a um estabelecimento legalizado efectuar uma transacção absolutamente natural. Não posso deixar de sorrir, com nostalgia, por ter usado um termo dúbio, sem intensão pervertida. Segundo a terminologia da época, digamos, ia perder os três. Era comum a senhora perguntar se era isto ou aquilo ou só o natural ou, em alguns casos ser mais convencional: «aqui, rico, só o natural».
O mais natural de tudo era ficar embaraçado e não saber que dizer. Seguiam-se as risadas e uns quantos remoques brejeiros.
O mesmo género de embaraço e de timidez voltei a senti-lo aos 20 anos, quando os mancebos
iam às sortes. Mandavam-os despir e pendurar as roupas nos cabides. Não havia bancos e muitos menos cabides. Havia muito barulho, muita gargalhada e algum embaraço, como era o meu caso. Mas nunca me esqueci desse dia. Um jovem, vermelho de vergonha, alvo de chacota geral devido à erecção formidável que exibia. De súbito apareceram, vestidos, três militares graduados, que se riam, mas foram abrindo espaço para chegar junto bem atestado recruta:
«Então o que é isso, rapaz? Porque é que estás assim?»
Dois deles voltaram-se e com gestos mandaram calar os alvoraçados. No entretanto a única coisa que baixou foi a cabeça atarantado rapaz: «Saiba vossa mercê que é por mór dos cuzes...»!
Hoje li com gosto a versão mais ou menos histórica de Vasco Pulido Valente sobre os últimos três presidentes. Ele tem estatuto que lhe permite triturar seja quem for que tenha morado em Belém nos últimos trinta anos, bem como os amigos dilectos. Pela minha parte havia-me limitado a salientar que Mário Soares não era bem o que Sócrates tinha dito e fico feliz por alguém, bem melhor do que eu o ter demonstrado. Pintado por ele, toda aquela gente presidenciada se expôr desnuda.
Gente totalmente vestida cada vez se vê menos. Resta o manto diáfano da fantasia sobre o
procurador-geral da República...
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