quinta-feira, janeiro 26, 2006

DÓ DE ALMA

Ele há coincidências. Por vezes pesam ou magoam. Tinha olhado atentamente para os dois lados da rua não fosse alguém conhecido ou de família ver-me entrar na ginjinha da Eugénio dos Santos, de onde saí, alegremente a cuspir os caroços. Sem cuspir ostensivamente os caroços, para o chão, a ginja não tem metade da graça!
E comecei por não achar graça às lojecas com bugigangas artesanais sob as arcadas do Palácio da Independência. Uma das quais a dar a sua de alfarrabista e eu a aproveitar para fazer a minha de literato de meia tijela e no meio da lixarada não é que vejo um opúsculo minúsculo de Salgado Zenha, com Francisco e tudo na capa: «A Prisão do Doutor Domingos Arouca», edição de 72, da Afrontamento, do Porto, impressa, imagine-se!, na Gráfica Firmeza, que tinha sede na Rua da Boavista!
A parte literária, digamos assim, nem ocupava uma página: « Domingos Arouca -- condenado a quatro anos de prisão maior --, encontra-se na cadeia há mais de sete.
Preso e julgado em Moçambique, expia a condenação a milhares de quilómetros dos seus -- na Metrópole.
O degredo já não existe nas leis portuguesas. Mas existe para Domingos Arouca. Pare ele e tantos outros -- negros como ele".
Domingos Arouca é advogado. Formou-se em direito, ensinado em Lisboa. Que direito se ensina em Lisboa? Que direito se decreta em Lisboa? Que é, em suma,o direito de Lisboa?
Qual será?
Domingos Arouca -- moçambicano, negro e amigo --, qual será?».
Desconheço se o «grito» foi autorizado ou proíbido; se chegou a Lisboa, se esteve ou não em algum escaparate; se mereceu (ou não) crítica. O «meu» tem na contracapa um selo da Livraria Sá da Costa.
Após uma simples biografia do condenado, em que se dá conta de que Arouca após o ensino primário foi trabalhar, como escriturário-praticante, no gabinete de um advogado até aos 16 anos. Ingressou, então, como aluno na Escola Técnica de Enfermagem, de Lourenço Marques
(o opúsculo, recordem-se, é de 72), onde se diplomou.
Até aos 21 anos exerceu a profissão de enfermeiro. Os acasos da sorte permitiram-lhe vir para Portugal, onde trabalhou e estudou para completar o curso dos liceus e formar-se em Direiro pela Universidade de Lisboa, em 1960. Foi o primeiro advogado preto ou negro, como quiserem.
Regressado ao habitat natural foi nomeado consultor do Banco Nacional Ultramarino, em Lourenço Marques e Vogal do Tribunal Administrativo de Moçambique, funções que se viu compelido a abandonar poucos meses depois por «motivos políticos».
Exercia advocacia em Lourenço Marques, quando em Maio de 65 foi preso pela PIDE. Acabava de tomar posse do cargo de presidente do Centro Associativo dos Negros de Moçambique, para o qual fora eleito por aclamação. Era acusado de pertencer à Frelimo e responsável pela subversão psicológica no sul de Moçambique.
Julgado e condenado a pena de 4 anos de prisão e medidas de segurança posteriores de 6 meses a 3 anos.
Sete anos depois, ainda preso, mas já Portugal, despertou a curiosidade por ter iniciado uma greve de fome, «com desusada ressonância em Portugal e sobretudo no estrangeiro» e dela deu pormenorizada conta Salgado Zenha.Tudo o que se sucede é terrivelmente angustiante: a descrição minuciosa das «peças fundamentais do processo de providência extraordinária de habeas corpus». Fico a saber que até o início do julgamento foi, em cima da hora, adiado por haver conhecimento de que a visita do Papa iria merecer governo uma amnistia. Desse modo esperou-se que a amnistia fosse publicada para, então, se dar início ao julgamento, privando o
arguido de qualquer perdão. Houve outros perdões durante os sete anos que se seguiram, mas deles Domingos Arouca não beneficiou nem um segundo. E deu-se conta de outras «igualdades desiguais» como a que ocorreu em 70 em consequência do movimento de solidariedade dos advogados portugueses a favor dos seus 3 colegas então presos por motivos políticos: Domingos Arouca, Monteiro Matial e Saúl Nunes. Os dois últimos foram postos em liberdade, mas Domingos Arouca continuou preso. Dois eram brancos, um era negro. E adiante lá vinha a referência: «Disse-se que foi o Ministro do Ultramar que opôs o seu veto à saída do moçambicano. Porque ele era negro?».
Fiz uma pausa para pensar quem seria, em 72, o ministro do Ultramar?
Provavelmente o pai de alguém hoje bem na vida. Mas o processo tem outras curiosas, gostava mais de as qualificar de «saborosas», coincidências, como o acordão do tribunal militar, que recusa a inconstitucionalidade da medida de segurança que impôs e é invocada no recurso. O blá-blá se não é, parece rídiculo e um tanto asqueroso. Vale que é assinado pelo Cor. de Cavalaria, José Luís Canalhas...
Teria sido melhor se assinasse no singular...
Mas foram dirigidos apelos ao presidente do Conselho, que já não era o «botas», de que não se conhece resposta e ao bastonário da Ordem dos Advogados e foi este que deu a pista do ministro do Ultramar.
Num romance de Urbano Tavares Rodrigues definiu-se qualquer coisa como «crueldade testicular», expressão que exasperou Luís Pacheco, mas que, no fim de contas, talvez faça sentido. Uma crueldade que não se entende nem se explica, que atrofia. E que ficou sem julgamento. Reduziu-se todo o horror da opressão policial e militar a um só personagem.Já depois dele, ainda o Supremo Tribunal de Justiça se permitia mandar o requerente à « merda», mas fê-lo com generosidade: «Não é devido imposto de justiça»...
« Lisboa, 5 de Julho de 1972.
ass.) Adriano Vera Jardim
António Pedro Sameiro
Alberto Victor Pires Fernandes Nogueira
Manuel Falcão Nunes Garcia
Fui presente -- Manuel Lopes Maia Gonçalves».

Não sei nem quero saber se toda ou alguma desta gente ainda vive, nem é isso hoje que importa, mas notar que, bem ou mal, a revolução não trouxe nenhum programa de justiça. Uma dúzia e tal de «pides» foram incomodados, não muito, mas foram. Mais nada. Mais ninguém. Estive em Lisboa, logo a seguir ao 25 de Abril e assisti à leitura da sentença das «três Marias» foram absolvidas. Foi uma festa na sala. Para trás ficaram ignorados os instrutores do processo, os piedosos instigadores. De Salgado Zenha retenho a memória do homem que rompeu a concordata e restituiu o direito das pessoas serem livres umas das outras. Foi um momento de glória, que ele bem mereceu...

terça-feira, janeiro 24, 2006

As Partidas dos Arquivos

A revisitação dos arquivos tem sempre a mesma surpresa: andamos a viver a mesma vida, sempre ao serviço dos mesmos. O que transcrevo a seguir é um comentário meu, publicado em 1993, no jornal " A Capital.




CÂNTIGO DA PRIMAVERA



Em França, o governo caiu sob o peso de três milhões de dsempregados, em Espanha, Felipe Gonzalez olha os gráficos, as sondagens e o tempo a correr: 20 por cento da população activa não tem satisfeito o seu «direito fundamenteal» ao trabalho.
Na velha Albion, os ingleses desocupados são 11,4 por cento, em Itália, onde as estatísticas, tal como os políticos, não são de fiar, há 9,8 de desempregados e em Portugal, cujas estatísticas funcionam como canção de embalar, o desemprego subiu, no mês de Fevereiro, 14,7 por cento.Só os países desenvolvidos têm 33 milhões de desempregados, conhecidos das estatísticas.
No resto do Mundo, onde nem sequer há estatísticas, ou são piores do que as portuguesas e italianas, há milhões de homens e mulheres que nunca tiveram emprego, isto é, nunca foram pagos regular e sistematicamente pela cedência das suas capacidades físicas e/ou intelectuais.Grande parte deste resto do Mundo representa o paraíso para os empresários de sucesso do nosso tempo: não há estatísticas e qualquer um pode ser despedido a qualquer hora, pelo que todos os «bons gestores» podem pôr em prática a receita mais eficaz para resolver os problemas derivados da quebra de lucros: a empresa está mal, depede-se tanto por cento do seu efectivo de trabalhadores e tudo volta à normalidade.
É desse resto do Mundo que vem a lição para a Europa e para os Estados Unidos, onde os despedimentos são de todos os dias e atingem sempre os que, ingenuamente, continuam a reclamar o seu «direito ao trabalho», sem nunca terem pensado, ou pelo menos, expresso em voz alta, que deveriam reclamar o seu «direito à preguiça».O saneamento das empresas do nosso tempo está a fazer-se à custa de níveis assombrosos de desemprego e, contudo, o sistema progride, pelo que é, no mínimo, curial, pensar que o desemprego é o sangue do sistema em que vivemos e que, afinal, já produziu esta aldeia global em que não só a comunicação é instantânea.
O desemprego também o é. Atente-se nesta notícia das páginas interiores dos jornais, publicada tipo «faire divers»: o novo presidente-director-geral da companhia americana IBM, Luis Gerstner, tem um salário mensal de 300 mil contos, mais um prémio anual de 225 mil, além de outros prémios e promessas.A IBM tem fábricas um pouco por toda a parte.
Na Europa também, onde, no final de 1992 empregava cerca de 90 mil pessoas. Agora, nos «próximos doze meses», vão ter que «mostrar o que valem» porque se prevê uma redução de, pelo menos, 10 por cento dos seus efectivos.Para que Gerstner tenha direito a todas as suas remunerações e ao exercício pleno do seu «direito à preguiça», milhares de outros vão ter que se incorporar nas marchas de protesto para reclamarem o seu «direito ao trabalho».
São as marchas da Primavera, de todas as primaveras: os sindicalistas já a têm marcada nas agendas: «Abril e Maio, tempo de protesto». Combinaram-na com os políticos, de cujas mesas se tornaram íntimos, e todos os anos vão cantando o cântigo do desemprego, campo fértil para as promessas de Verão, que hão-de frutificar lá para o fim do ano, com a distribuição dos lucros, uma fogueira que aquece sobretudo os que sabem conservar o combustível do sistema: desempregados qb.
Alguns milhares de pessoas por essa Europa fora sairam ontem à rua para dizer qualquer coisa como «não pode existir Europa social sem respeito pelos trabalhadores». Muita gente nas ruas, discursos alguns e depois o regresso a casa, enquanto a houver, para um fim de semana pacífico, sem grandes problemas de consciência: os sindicalistas protestaram, os políticos ouviram, os trabalhadores deixaram por momentos de trabalhar, os empresários anteciparam o fim de semana, a comunicação social noticiou e os desempregados existiram.
Podemos, pois, dormir tranquilos, o sistema funciona, apesar de algumas deficiências: não é que agora, um pouco por toda a Europa, só se fala de políticos corrompidos por empresas, algumas das quais, periodicamente, necessitam de saneamentos económico-financeiros, tendo, para o efeito, que recorrer a despedimentos em massa?Pequenas falhas, contudo.
Com algum tempo e paciência se chegará a uma forma legislativa adequada ao enquadramento da cooperação entre políticos e empresários. Dessa maneira, os sindicalistas poderão mudar algumas estrofes do cântigo da Primavera e os desempregados permanecerão unidos, cada vez melhor organizados para os desfiles sasonais.
Mais de dez anos depois eu pareço um oráculo. Que pena!!!


segunda-feira, janeiro 23, 2006

Uma Vitória a Sério

O PAICV obteve ontem uma vitória expressiva nas eleições legislativas de Cabo Verde, em que teve como principal adversário o MpD. Com 52 por cento dos votos expressos, José Maria Neves viu renovada a confiança do povo cabo-verdiano para mais um mandato de cinco anos, durante o qual se espera que novos projectos estruturantes da economia cabo-verdiana garantam igualmente o desenvolvimento de uma sociedade apostada na solução dos problemas sociais, terminando, assim, com os vestígios ainda existentes do neo-liberalismo catastrófico dos tempos da governação de Carlos Veiga.
Carlos Veiga apresenta-se como candidato às eleições presidenciais, tendo como principal adversário Pedro Pires, o actual presidente. As sucessivas derrotas do MpD e de Carlos Veiga são demonstrativas de que os cabo-verdianos não se deixam enganar.

sábado, janeiro 21, 2006

Amílcar Cabral II

Em Janeiro de 1992, no jornal "A Capital", escrevi um texto sobre Amílcar Cabral, que agora aqui recordo:
COM ELE VIVO TUDO SERIA DIFERENTE
AMÍLCAR CABRAL
Os acontecimentos iriam suceder-se a uma velocidade vertiginosa.Vivíamos os primeiros 20 dias do primeiro mês do ano de 1973. Amílcar Cabral é morto por um correlegionário, à frente de sua mulher, Ana Maria, depois de se ter recusado a «entregar-se» a um comando de revoltosos do PAIGC, mais tarde apanhados e fuzilados e que muita gente conota, ora com os serviços de informação portugueses e com o então general Spínola, ou com o presidente da República da Guiné, Sékou Touré.Um ano e pouco mais tarde, em Lisboa, acontecia o 25 de Abril e, sucessivamente todas as colónias portuguesas ascenderam à condição de estados independentes.
Faz, portanto, amanhã, vinte anos que o tiro soou. E, contudo, o som parece ainda ecoar nas planuras guineenses e nas serranias cabo-verdianas, com insistentes apelos ao resto de África, desiludida com as promessas de uma independência anunciada há mais de trinta anos e que nunca mais chega.
Amílcar Cabral nasceu em Bafatá, Guiné Bissau, filho do professor primário Juvenal Cabral, cabo-verdiano de origem. Amílcar acabaria, de resto, por viver a maior parte da sua adolescência em Cabo Verde, na Cidade da Praia. A juventude, essa passou-a em Lisboa e em Angola. Na capital portuguesa, a frequentar a Faculdade de Agronomia, pela qual obteve o diploma de engenheiro agrónomo. Em Angola, envolvido em importantes estudos agronómicos, que lhe permitiram conhecer algumas regiões daquele país.
Quando voltou à Guiné Bissau já tinha a experiência profissional que lhe permitiu fazer um levantamento social do país, parte do qual foi curiosamente publicado por um boletim da Guiné, editado pelo Ministério do Ultramar, no princípio dos anos 50.Foi no decorrer dos trabalhos de campo na Guiné Bissau que Amilcar Cabral foi amadurecendo as ideias que mais tarde haveria de colocar em prática, ao serviço do PAIGC.
Ele próprio se sentia como protagonista de uma aliança indestrutível: nascido na Guiné Bissau, criado em Cabo Verde, licenciado em Lisboa, foi como cidadão português que conheceu outras parcelas de África.As teorias da unidade que desenvolveu como político e que aplicou à concepção de um sistema de um partido/dois estados acabaram por servir perfeitamente a estratégia de luta de libertação, já que à operacionalidade dos terrenos da Guiné Bissau, o teatro ideal para uma guerra de guerrilha, juntava a importância geo-estratégica de Cabo Verde na conjuntura da época, marcada pela «guerra fria» entre as duas super-potências.
Em Janeiro de 1973 a guerra estava quase no fim. As conversas entre o pessoal do gabinete do então governador da Guiné portuguesa, general António de Spínola, e a direcção do PAIGC já iam avançadas e havia , nessa altura, indicações de que Amilcar Cabral e o general Spínola se poderiam encontrar brevemente.É nesse contexto, difícil de entender hoje, que o tiro de 20 de Janeiro deve ser ouvido.
A morte de Amilcar Cabral foi a morte de um homem multifacetado, apto a entender a linguagem dos diplomatas, mas também capaz de delinear uma estratégia militar alternativa, suficientemente empenhado para ultrapassar as suas próprias dificuldades no domínio de uma língua, e, ao mesmo tempo, bastante ousado para aceitar fazer uma entrevista nessa mesma língua, apenas porque era importante à divulgação dos objectivos da luta.
Capaz de viver nos matos africanos, entender os anseios das suas gentes e interpretar a sua vontade, não fugia ao diálogo elaborado de qualquer literato ocidental, nem ao entusiasmo dos seus próprios homens pelo futebol.Em 1966 a guerrilha abrandou um pouco para que os guerrilheiros pudessem seguir com atenção e entusiasmo a carreira da equipa portuguesa no mundial de futebol de Inglaterra.
Comandante militar de um grupo que foi engrossando com gente das mais diversas proveniências, conseguiu conciliar a admninistração de uma justiça severa, para não quebrar a disciplina, com as disputas nascidas no seio desse mesmo grupo, sem abdicar do essencial da sua estratégia.
Uma estratégia de luta, não adaptada à realidade gerada com a independência política dos dois paises em nome dos quais Amilcar Cabral lutou: Guiné Bissau e Cabo Verde, cuja «unidade» resistiu pouco tempo à sua morte.Pouco interessa que os partidos que assumiram a liderança política naqueles dois paises tenham incluído na sua linguagem o slogan «Cabral ka muri» (Cabral não morreu).É que a sua morte afectou de maneira indelével a história desses dois estados e não só: muito provavelmente, o rumo dos acontecimentos em Angola teria sido bem diferente do que tomou, já que Amilcar Cabral tinha uma grande influência junto dos dirigentes do MPLA, nomeadamente junto de Agostinho Neto, afinal o principal responsável pela condução de uma política de afastamento de Portugal, que Amilcar Cabral, certamente, nunca teria apadrinhado, mesmo com os condicionalismos dos compromissos assumidos pelo MPLA com a URSS.
Amilcar Cabral teria este ano 70 de idade. É impossível imaginar qual teria sido o seu percurso e como teria reagido aos ventos que a histórias entretanto soprou, mas os testemunhos dos que com ele privaram deixam, pelo menos, a possibilidade de podermos afirmar que com ele teria sido diferente. É isso que os camponeses da Guiné Bissau querem significar, quando se recusam a aceitar a sua morte. É isso que o cidadão cabo-verdiano, sendo embora do MPD, actual partido no poder, quer dizer quando aceita Amilcar Cabral como o «pai» da sua própria cidadania.

Amilcar Cabral

Faz hoje 33 anos que Amílcar Cabral foi morto. Era já noite, em Conackry , quando um grupo de homens se aproximou do então Secretário Geral do PAIGC, tentanto manietá-lo e, dessa maneira, concretizar um "golpe"na direcção daquele movimento de libertação. A aproximação foi feita à saída dos escritórios do Partido e, perante a resistência de Amílcar, um dos homens baleou-o. O Comandante caiu junto ao Volkswagen que usava na capital da Guiné Conackry. Ana Maria Cabral estava junto dele.
Na sequência do golpe, Aristides Pereira foi amarrado e conduzido para alto mar, num barco, que, supõe-se, rumaria Bissau.
Entretanto, as forças leais a Amílcar reagiram e anularam o golpe. Infelizmente já não conseguiram evitar o assassinato mais dramático das lutas de libertação nacional ocorridas em três das cinco ex-colónias portuguesas. De facto, o dirigente guineense, de origem cabo-verdiana, foi de todos o mais brilhante político e estratega, concebendo uma luta política e uma guerra de libertação para dois países, unificados por um Partido.
O sucesso da guerra foi, todavia, uma das razões do desencadear de ódios de tipo racista, já que, perante a perspectiva de uma vitória, o poder começou a apetecer a toda a gente, independentemente de competências. Percebeu-se, mais tarde, que a todos bastava evocar a condição de combatente para ter direito a mordomias e à exploração desenfreada dos recursos do Estado entretanto criado.
Basta lembrar que a Guiné Bissau foi o país de toda a história da cooperação internacional que mais dinheiro recebeu da comunidade internacional e que, no final, nada restou.
A morte de Amílcar trazia consigo a morte da estratégia de unidade entre Cabo Verde e Guiné Bissau, que acabou por acontecer, definitivamente em 14 de Novembro de 1980.
Trinta e três anos depois da morte de Amílcar Cabral e mais de 25 da morte do seu projecto político, Cabo Verde está em vésperas de um quarto acto eleitoral para uma Assembleia Legislativa e de uma quarta eleição de um Presidente da República. O país deixou de ser "inviável" já há muitos anos e o seu crescimento económico vai garantindo melhorias significativas na vida dos seus habitantes.
A Guiné Bissau corre cada vez mais o risco de ser engolida a Norte e a Sul, já que, depois do golpe de 1980 nunca conseguiu ser mais que uma cidade-estado, onde se concentra a maioria da população para tentar sacar do aparelho do estado uma forma de sobrevivência. O resto é o vazio e a população sente-se entregue a si própria, pelo que vai resolvendo os seus problemas mais a Norte ou Mais a Sul, mas sempre em francês.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

UM DIA MAIS QUE ONTEM

Um dia mais às vezes pesa arroubas. Lembro-me de menino e moço ter ido à travessa das Salgadeiras. Encolhido e nervoso, com dez escudos no bolso. Nada de confusões. Ia a um estabelecimento legalizado efectuar uma transacção absolutamente natural. Não posso deixar de sorrir, com nostalgia, por ter usado um termo dúbio, sem intensão pervertida. Segundo a terminologia da época, digamos, ia perder os três. Era comum a senhora perguntar se era isto ou aquilo ou só o natural ou, em alguns casos ser mais convencional: «aqui, rico, só o natural».
O mais natural de tudo era ficar embaraçado e não saber que dizer. Seguiam-se as risadas e uns quantos remoques brejeiros.
O mesmo género de embaraço e de timidez voltei a senti-lo aos 20 anos, quando os mancebos
iam às sortes. Mandavam-os despir e pendurar as roupas nos cabides. Não havia bancos e muitos menos cabides. Havia muito barulho, muita gargalhada e algum embaraço, como era o meu caso. Mas nunca me esqueci desse dia. Um jovem, vermelho de vergonha, alvo de chacota geral devido à erecção formidável que exibia. De súbito apareceram, vestidos, três militares graduados, que se riam, mas foram abrindo espaço para chegar junto do bem atestado recruta:
«Então o que é isso, rapaz? Porque é que estás assim?»
Dois deles voltaram-se e com gestos mandaram calar os alvoraçados. No entretanto a única coisa que baixou foi a cabeça atarantado rapaz: «Saiba vossa mercê que é por mór dos cuzes...»!
Hoje li com gosto a versão mais ou menos histórica de Vasco Pulido Valente sobre os últimos três presidentes. Ele tem estatuto que lhe permite triturar seja quem for que tenha morado em Belém nos últimos trinta anos, bem como os amigos dilectos. Pela minha parte havia-me limitado a salientar que Mário Soares não era bem o que Sócrates tinha dito e fico feliz por alguém, bem melhor do que eu o ter demonstrado. Pintado por ele, toda aquela gente presidenciada se expôr desnuda.
Gente totalmente vestida cada vez se vê menos. Resta o manto diáfano da fantasia sobre o
procurador-geral da República...

UM DIA MAIS QUE ONTEM

Um dia mais às vezes pesa arroubas. Lembro-me de menino e moço ter ido à travessa das Salgadeiras. Encolhido e nervoso, com dez escudos no bolso. Nada de confusões. Ia a um estabelecimento legalizado efectuar uma transacção absolutamente natural. Não posso deixar de sorrir, com nostalgia, por ter usado um termo dúbio, sem intensão pervertida. Segundo a terminologia da época, digamos, ia perder os três. Era comum a senhora perguntar se era isto ou aquilo ou só o natural ou, em alguns casos ser mais convencional: «aqui, rico, só o natural».
O mais natural de tudo era ficar embaraçado e não saber que dizer. Seguiam-se as risadas e uns quantos remoques brejeiros.
O mesmo género de embaraço e de timidez voltei a senti-lo aos 20 anos, quando os mancebos
iam às sortes. Mandavam-os despir e pendurar as roupas nos cabides. Não havia bancos e muitos menos cabides. Havia muito barulho, muita gargalhada e algum embaraço, como era o meu caso. Mas nunca me esqueci desse dia. Um jovem, vermelho de vergonha, alvo de chacota geral devido à erecção formidável que exibia. De súbito apareceram, vestidos, três militares graduados, que se riam, mas foram abrindo espaço para chegar junto bem atestado recruta:
«Então o que é isso, rapaz? Porque é que estás assim?»
Dois deles voltaram-se e com gestos mandaram calar os alvoraçados. No entretanto a única coisa que baixou foi a cabeça atarantado rapaz: «Saiba vossa mercê que é por mór dos cuzes...»!
Hoje li com gosto a versão mais ou menos histórica de Vasco Pulido Valente sobre os últimos três presidentes. Ele tem estatuto que lhe permite triturar seja quem for que tenha morado em Belém nos últimos trinta anos, bem como os amigos dilectos. Pela minha parte havia-me limitado a salientar que Mário Soares não era bem o que Sócrates tinha dito e fico feliz por alguém, bem melhor do que eu o ter demonstrado. Pintado por ele, toda aquela gente presidenciada se expôr desnuda.
Gente totalmente vestida cada vez se vê menos. Resta o manto diáfano da fantasia sobre o
procurador-geral da República...

segunda-feira, janeiro 16, 2006

AVANÇAR PARA TRÁS

Não tem nada de complicado, nem se confunde com ficar parado. É diferente de não ser assim nem assado. E é exactamente o contrário de ir em frente. É como se fosse a nadar para o largo, o longo além e a maré o trouxesse tranquilamente para a praia, frustrando um qualquer suicídio patético. E a propósito do aumento das rendas dei por mim a viajar. As questões sociais fascinam-me. Não que eu pague renda. Fui pagando por uma até ser minha. Mas nem moro lá.
Serve para os filhos, quando aparecem por Lisboa. Ou para o neto, um que ainda estuda por cá. Os irmãos e os primos optaram pelo Cabo. É isto! Seja por onde for que eu tente ir acabo sempre
perdido em África.
«Primeiro entranha-se; depois entranha-se» foi a expressãp publicitária que Pessoa utilizou para «vender» cocacola. O poeta precisava de comer, pelo menos quase tanto como o comum dos mortais! Mas a frase ainda hoje me parece mais propícia para definir África, o mais ultrajado dos continentes. Nem chegou a uma dúzia de anos a minha experiência africana! À chegada estranhei, claro, o clima e a sinfonia nocturna dos insectos. A osga que vi na parede do quarto da pensão onde pernoitei era mais clara e menos repulsiva do que as europeias, que vira antes. Ali, o bicho, tornava-se o objecto doméstico anti-mosquito tão respeitado como a seguir descobri que era o abutre, o operacional preferido da mãe natureza para zelar pela qualidade de vida!Era isso, era. Primeiro estranhava-se; depois aprendia-se. A África entranha-se, essa é que é essa e o
poeta que cresceu e estudou em África passou por isso!
Trinta anos depois do meu regresso continuo «desterrado». Avesso à chuva e ao Sol, ao frio e ao Verão tórrido. Eternamente desconfiado das instituições e dos políticos, dos polícias e dos ladrões.
O período eleitoral não ajuda nada o meu espírito confundido, que não entende este modo arruaceiro de propor um presidente como quem vende banha da cobra, uma pomada comprovadamente mágica, que tanto cura a sarna como a impotência. Ontem ouvi o ministro de Estado e no pedaço que escutei não se falou de governação mas de eleição presidencial e espantou-me que alguém culto, livre e voluntariamente de esquerda procurasse condicionar o voto ao seu semelhante, em nome de uma mentira voluntária. Em boa e honesta verdade o homem, o político, mesmo quando presidente, nunca foi um modelo de pacificação ou de estabilidade. Não foi o pai nosso que esteve em Belém!
Não. Não foi. Foi sim o político ajustador de contas. Primeiro entre iguais, começando pelo então secretário geral do PS (é hoje presidente do Banco de Portugal), que se viu constragido a bater estrondosamente com a porta. O próprio Sampaio, que se seguiu no largo do Rato, não teve vida fácil, mas a derrota eleitoral mais ou menos prevista levou-o à demissão e à pacificação.
No segundo mandato tudo mudou. Cavaco embevecido pela cordialidade belenense nem quis ter candidato e quando de Belém lhe começaram a apertar os calos nem quis acreditar. Depois foi o
calvário. Afinal o presidente tinha poderes, tinha meios e não tinha contemplações.
Se alguém neste país sabe utilizar os poderes presidenciais para derubar adversários é esse idoso candidato ao retorno. Mas o governo também sabe e por isso procura pôr-se à sombra. É um facto que não soube gerir o conflito interno que estalou com a desfeita a Manuel Alegre. É manifesto que nem Mário Soares, nem o PS e menos o governo acreditaram que Alegre pudesse constituir um estorvo.
Aquando da sucessão de Eanes, o quadro existente pareceu favorável à direita, consubstanciado em Freitas do Amaral, que reunia o apoio do PSD e CDS. Do lado esquerdo perfilavam-se Salgado Zenha, Lurdes Pintasilgo e Mário Soares. Proveniente de uma série de governos de maioriaa absolutamente desastradas e quando era ao PS que mais se apresentava a factura, Soares, desgastado, aceitou candidatar-se em condições melindrosas.
O problema que se levantou à esquerda era delicado. Por um lado o PC de Cunhal detestava Mário Soares, mas temia-o. Apostar em Zenha era uma aposta razoável. Por uma vez o PC podia pescar em águas do PS, mas Maria de Lurdes Pintasilgo intrometia-se perigosamente. Um pouco como Alegre, ela acreditava que tinha sido ludibriada por Eanes. Ela que dera a cara pelo presidente ao chefiar um governo de transição, tinha ido a Belém saber de Eanes se podia avançar uma candidatura, crente que um sim significaria apoio. Mas não significou. Eanes preferiu apoiar Zenha, que reunia também a preferência do PC.
E nas hostes de Freitas do Amaral discutia-se qual o adversário desejado para a segunda volta. Curiosamente o adversário menos temido era Mário Soares. A desavença centrava-se em saber qual dos outros, Zenha ou Pintasilgo era mais perigoso!
Cunhal lastimou que os votos em Pintasilgo tivessem afastado Zenha da segunda volta, mas mobilizou e mobilizou-se para apoiar Soares. Não sei se chegou ou não a arrepender-se. Fosse como fosse Soares derrubou a direita, esfarelou o governo do PSD, entreabriu a porta a Sampaio e saiu pela esquerda alta. Acostumou-se a dizer que era um corredor de fundo. Vinte anos depois já não deve correr tanto, mas ainda anda ali para as curvas.
Em Angola uma vez por outra fala-se de eleições e depois muda-se de conversa. Mas África não é só a petrolífera Angola. Em Cabo Verde vão acontecer eleições legislativas este domingo e as presidenciais já se vislumbram no horizonte. Tem que se começar por algum lado. Bolas! não posso dizer isto sem me lembrar logo do inditoso Tavares da Silva, que dizia a mesma coisa sempre que beijava a mão à senhoras...

O "Desenterrado Cabo-Verdiano"

Enquanto em Portugal se faz uma campanha para eleições presidenciais, em Cabo Verde ocorre uma para eleições legislativas( 22 de Janeiro), mas já está no terreno a pré-campanha para as presidenciais. A vitória do PAICV parece assegurada nas legislativas, tanto mais que o governo, liderado por José Maria Neves durante cinco anos, está, só agora, a mostrar a obra que realizou, pela simples razão de que nunca teve capacidade de a ir mostrando através dos órgãos de comunicação nacional, totalmente dominados pela oposição, inclusivé a Televisão pública.
A eleição presidencial parece ser mais difícil porque também em Cabo Verde vai aparecer um "desenterrado" político: Carlos Veiga.
Tal como Cavaco Silva, por mais de dez anos nada fez do ponto de vista político. Aliás, abandonou o governo antes das eleições de 2001, para se candidatar à Presidência da República tendo sido derrotado.
Foi primeiro-ministro pelo MpD depois de , em 1990 e princípios de 1991 ter feito um campanha verdadeiramente sórdida, servindo-se de panfletos anónimos em que se acusavam os principais dirigentes do PAICV de corrupção e apoiando-se numa igreja retrógada, reaccionária, habituada a viver às costas de um povo trabalhador e sofredor.
Fez a primeira legislatura até ao fim , a segunda abandonou-a, mas ele e os seus amigos ficaram todos ricos.
A grande diferença entre Pedro Pires e Carlos Veiga é avaliada por este facto: Pires, depois de 15 anos de governação de um país que ninguém acreditava pudesse ver a ser viável, quando abandonou o poder teve que ir viver para casa da mãe. Nem uma casa tinha. Parta ter carro, foi necessário que os emigrantes da Ilha do Fogo, a viver nos Estados Unidos, se cotizassem para lhe comprarem um.
Mas o país era conhecido em todo o Mundo, tinha um grande prestígio internacional e os seus índices de crescimento económico impressionavam os analistas mais optimistas.
Pires não abandonou o Partido, reconstruíu-o, abriu-o a novas lideranças a quem emprestou a sua experiência e as suas relações internacionais.
Carlos Veiga começou a enriquecer à custa do regime de partido único , que nunca se atreveu a criticar de forma aberta, de peito aberto, sempre escondido por detrás de processos sujos e comportando-se com o Estado como qualquer técnico internacional, cobrando os serviços que prestava segundo as tabelas das Nações Unidas.
Depois que abandonou o lugar de primeiro-ministro, os seus amigos e os seus familiares eram ricos. Abandonou o partido e dedicou-se aos negócios, passando a maior parte do tempo fora.
Para trás ficou um Estado sem dinheiro, apesar das privatizações integradas num sistema neo-liberal económico catastrófico. Com Carlos Veiga no poder, Cabo Verde perdeu o que de mais importante tinha - o grande prestígio internacional, que ditava uma confiança total dos financiadores dos grandes projectos de construção do país.
Com Carlos Veiga, as grandes obras agrícolas e todo o processo de reflorestação foram abandonados, o povo cabo-verdiano começou a rumar as cidades, onde como em toda a África, começou a juntar-se gente e mais gente em condições cada vez menos humanas. Hoje, a Cidade da Praia sugere o Líbano e, do ponto de vista urbanístico, não tem solução.
Nada disso interessava, nada disso interessou a Carlos Veiga, que afundou o país numa crise só conhecida durante os temos coloniais. A corrupção aconteceu de forma quantificável. Um dos seus braços direitos transformou-se no proprietário de uma rede nacional de distribuição alimentar. Pouco anos antes não tinha dinheiro nem para roupa...
Mas a memória do povo costuma ser curta e é provável que, depois de dez anos, também em Cabo Verde, o povo se esqueça do que deve a Carlos Veiga. Ele, seguramente, não se lembrará que enriqueceu à custa de um povo pobre.
É provável, por isso, que a disputa eleitoral seja rija, mas a honestidade de Pedro Pires e a grandeza do seu nome, reconhecido internacionalmente como um dos dirigentes dignos de toda a África, não deixarão de o impôr para mais um mandato na Presidência da República de Cabo Verde, onde seria desejável nunca entrassem homens como Carlos Veiga, para não se transformar em mais um mercado do "plateau".

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Eanes

É um pouco difícil passar ao lado, completamente, do actual momento de Portugal com presidenciais à porta, sobretudo porque o que está em causa nesta eleição é a eventualidade de um regresso a um passado tão longínquo que até assusta, ao tempo dos militares que faziam a guerra nas colónias, faziam comissões sobre comissões e só quando os seus privilégios começaram a ser tocados se lembraram que talvez houvesse uma saída política para a situação.
Passei quase quatro anos a vê-los, sei do que falo.
O General Eanes foi dos que sempre fez todas as guerras coloniais, de todas as maneiras, aos tiros e nas psicos. Sempre foi um enigma para mim. Ao contrário da maior parte dos analistas políticos, que, em certa altura, se especializaram na leitura dos discuros eanistas, eu nunca consegui perceber nada para além do que via: óculos escuros, patilhas e um tom de voz autoritário, a roçar a violência.
Confesso que as atitudes do general, depois que saiu da Presidência me surpreenderam e até fiquei mais aberto a tentar percebê-lo.
Hoje, todavia, ouvi na Rádio ( com todos os riscos que isso implica, já que não se pode - de todo - confiar nos critérios jornalísticos) um discurso do General em que ele põe a nu o seu verdadeiro entendimento do poder. Para ele, quanto mais, melhor.
Dizia o General Eanes que era muito importante uma vitória do Cavaco, logo à primeira volta, porque isso significa uma determina força política, confere autoridade, bla...bla...bla...
Então, onde é que está o democrata? Para que precisa o presidente de força, de autoridade? Para impôr o quê?
Ora aí está um favor que o general fez às candidaturas de esquerda: revelou a verdadeira natureza de quem está por detrás de Cavaco. Além de que é estranho ver Eanes a apoiar poderes ocultos, que pagam mas não mostram a cara...ele sempre teve fama de homem franco, claro. Ou será, que também essas características faziam parte das patilhas, dos óculos escuros e da voz imtimidatória?

terça-feira, janeiro 10, 2006

Os Amigos do Rola

Tenho um amigo muito especial, o Rola da Silva, Henrique, que me retribui a amizade. É uma amizade de que me orgulho muito. O Rola é um intelectual honesto, estudioso, interessado, que não se importa de colocar aquilo que sabe à disposição de quem quer que seja. Tem uma vasta obra publicada e as suas crónicas em diversos jornais de Angola e também de Portugal fizeram dele um analista considerado. Com uma experiência muito importante em Macau publicou pelo menos três livros sobre a realidade daquele território sob a dominação portuguesa.
Foi um importante colaborador do jornal "África" e aí, não só a sua experiência no campo dos jornais e do jornalismo foi preciosa como a sua amizade valeu por milhares de colaborações.
O Rola, que actualmente vive em Benavente, numa casa onde, se entrar mais um livro terá ele de sair, faz parte da minha vida de várias formas. Uma delas tem a ver com os seus amigos da adolescência. Uma adolescência que já aconteceu há muitos anos.
Um grupo de homens, que, enquanto adolescentes frequentavam o mesmo café, na zona de Picoas e, a maior parte, era estudante do Liceu Camões, há mais de sessenta anos, encontra-se hoje, nas primeiras segundas feiras de cada vez, para almoçar juntos.
Hoje era o dia e eu tinmha prometido aparecer porque o Henrique resolveu já há uns tempos juntar-me ao seu grupo de de amigos.
Só que a vida não permitiu ( continuo a pensar que consigo resolver tudo e vou atrás de todos os problemas).
O almoço aconteceu, pela primeira vez, num restaurante nas Picoas e não na Praça do Chile, pela simples razão de que um dos membros do grupo, afectado por um "acv" já há uns tempos, era conduzido por um filho a todos os almoços e no Chile era difícil estacionar o automóvel que o deixaria para o almoço.
Era, carinhosamente, tratado pela "alcunha" que o tinha marcado nos tempos do Liceu, o "TimTim".
Chegava, com um olhar meigo, estendia a mão a todos, saboreava aqueles momentos de convívio com os amigos e, depois, lá ia, amparado pelo filho e por muitos de nós.
Hoje o Tim Tim não apareceu. Faleceu, entretanto. Docemente, enquanto dormia, explicou o filho, acompanhado de uma irmã, que fizeram questão de ir ao almoço com os amigos do pai.
E eu não estava lá para dizer aos filhos do "Tim Tim " o quanto apreciava a presença daquele pai, que embora doente, parecia sereno consigo mesmo e com a vida.
Tenho a certeza de que os amigos do Rola, entretanto feitos meus amigos, terão sabido transmitir aos filhos do "Tim Tim" a cereteza de uma amizade válida em todas as dimensões.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

VENHA O DIABO E ESCOLHA

Foi o que me ocorreu depois de reflectir, quando os angolanos tiveram eleições. O que contou para os angolanos, para a esmagadora maioria deles foi o exercício de afirmação, um tipo de liberdade que nunca tiveram. Os dados estavam viciados à partida. A soma dos votos seria, como foi, irrelevante. De um lado um muito mau; do outro um muito péssimo. Fosse qual fosse
o efeito da soma das cruzes o resultado seria o mesmo: o calvário.
O problema com as eleições é a falta de sentido. Não se escolhe o melhor por ser melhor. Nem sequer o mais hábil por ser mais hábil, como ocorre por aqui, neste pedaço da Europa. As mais das vezes são as forças da inércia a comandar os destinos. Quando Salazar caíu da cadeira, o regime não percebeu logo que estava enferrujado. Marcelo, que inventou as «conversas em família», que o afilhado haveria de continuar, tentou arejar as ideias e a governação, mas logo o regime torceu o nariz, escorando-se no almirante Thomaz (a grafia é para sublinhar as teias de aranha!). Mas a idade é o que é, mesmo quando não parece, e o sucessor do botas pôs o Presidente da República a falar, pela televisão, aos portugueses. Foi o fim da macacada. E o fim do regime, a cair de podre.
Inevitavelmente há um fim para tudo e nisso eu acredito e nem preciso de participar. Basta-me estar quieto. Quando insistem comigo para participar, que não é só um direito, é igualmente um dever, eu murmuro para dentro: «Sim,pois, mas já dei»...
A ideia de andar para trás não rejuvenesce. Em Luanda estão tristes por falta de eleições. E candidatos ? Quem como e onde? Qualquer general trapalhão,pode dar um golpe e ser feliz, mas sem esse risco de sangue não há como, salvo se um qualquer Bush precisar de gasolina para o isqueiro...