domingo, dezembro 20, 2009

OS BÓERES NO PLANALTO DA HUÍLA






Os meus agradecimentos ao meu amigo António Trabulo que me enviou este texto e também algumas das fotografias da sua colecção particular.



Os bóeres são descendentes dos colonos holandeses que se fixaram no Sul da África, nos meados do século XVII, e dos huguenotes franceses fugidos às guerras religiosas da Europa, que se lhes juntaram, vinte e cinco anos depois.



Criaram raízes na terra. Pretendiam ficar. No entanto, quase século e meio antes da eclosão dos movimentos nacionalistas africanos, já a História os colhera na sua rede. Em 1815, a Holanda viu-se forçada a ceder a Colónia do Cabo à Inglaterra.



Fartos dos ingleses, a partir de 1835 os bóeres começaram a emigrar para Norte. Foi a grande marcha, o Trek. Fundaram sucessivamente o Estado Livre de Orange, o Natal e a República do Transvaal. Os britânicos não lhes deram sossego e obrigaram-nos a lutar pela liberdade. Os africânderes, como também eram chamados, bateram-se bem, mas foram vencidos.



Em 1876 terminou a guerra do Transvaal.



Seiscentas famílias bóeres penetraram no deserto do Calaari, procurando novo local para se instalarem, longe da bandeira inglesa. Viajaram em grandes caravanas que se organizavam, nas paragens, em posições defensivas. Os carrões bóeres eram parecidos com que se vêem nos filmes de cobóis. A estrutura dos veículos era simples: uma caixa grande de madeira assentava em dois eixos. As rodas de trás, maiores, eram fixas. As dianteiras, um pouco mais pequenas, giravam à vontade do condutor. Um bom sistema de travagem tornava seguras as descidas íngremes. O tecto, de lona esticado sobre arcadas de madeira, isolava o interior da chuva e, até certo ponto, do calor, do pó e dos mosquitos. Havia muitas peças móveis que se adaptavam às necessidades. As arcas de arrumação serviam também de assentos. Eram puxados por seis a oito bois, por vezes por mais.



Ao longo do Trek, os bóeres passaram fome e sede. Sofreram com a seca e com as febres, nas estações das chuvas. Perderam gente, gado e haveres e foram dispersando.



Uns tantos desistiram e voltaram para trás. Outros prosseguiram até ao Sul de Angola e percorreram as margens dos grandes rios Cubango e Cunene. Acabaram por estabelecer contactos com as autoridades portuguesas e obtiveram do Governo de Lisboa a concessão de três mil hectares de terra para se instalarem.



Vale a pena citar uma cláusula do contrato estabelecido entre os representantes do nosso governo e os líderes da comunidade bóer: Terreno cultivado pelo gentio é propriedade deles e não pode ser dado aos colonos que, portanto, não podem tirar-lhes o mesmo. O documento assinado garantia também, aos que chegavam, total liberdade de culto religioso.



Em Janeiro de 1881, oitenta famílias bóeres vieram estabelecer-se nas terras altas da Humpata. Além do gado de tracção traziam rebanhos soltos. Eram também caçadores. Jacobus Botha chefiava o grupo. Era o patriarca, à maneira bíblica: chefe religioso, político e militar, experimentado em guerras e sofrimento. Vira mesmo um dos seus criados ser devorado por um crocodilo, quando atravessava o rio Cunene, agarrado à cauda dum cavalo.



Os bóeres chegaram e construíram um canal de irrigação de seis quilómetros de comprimento, com uma levada de água para cada casal.



Nessa época, estavam fixados naquela área apenas dois portugueses. Artur de Paiva, jovem alferes, serviu como intérprete de língua inglesa e ficou a comandar o destacamento militar que se estabeleceu no local. Casou com uma das filhas de Jacobus Botha. Boa parte do sucesso de Artur de Paiva nas campanhas de ocupação do Sul de Angola ficaria a dever-se à ajuda prestada pelos cavaleiros bóeres.



Em 1883, foram enviadas para a Humpata seis famílias da falhada colónia Júlio de Vilhena, em Pungo Andongo. No ano seguinte, fixou-se na região um grupo de colonos madeirenses.



Os africânderes não gostaram da companhia. Acharam os novos vizinhos atrasados. Multiplicaram-se pequenos conflitos, resultantes da delimitação das propriedades e da distribuição da água de rega. Muitos bóeres venderam os seus terrenos e mudaram-se para a Palanca, a sete quilómetros de distância. Passados poucos anos, mais famílias abandonaram a Humpata e foram à procura de outras terras nos distritos do Huambo e do Bié. Uns tantos ficaram.



Existia, no papel, o Esquadrão Irregular de Cavalaria da Humpata, composto por praças de Caçadores 4. Em 1891, apenas três soldados sabiam montar. Quando eram necessários cavaleiros, contratavam-se bóeres. Traziam armas e montada, eram destemidos e conheciam o terreno. Faziam-se pagar bem.



Os bóeres ao serviço de Artur de Paiva raramente terão ultrapassado a meia centena. Foram determinantes na ocupação de Cassinga e na expedição ao Bié, em 1890, após o suicídio do sertanejo Serpa Pinto. Foi então aprisionado o soba Dunduma e estabelecido o domínio português na região. Algum tempo depois, os cavaleiros contratados colaboraram na campanha do Humbe, após o massacre do pelotão comandado pelo tenente Conde de Almoster.



A segunda guerra dos bóeres, travada com a Grã-Bretanha entre 1898 e 1902 não parece ter influenciado a situação dos africânderes residentes na região.



Em 1927 a África do Sul, pretendendo contrariar a influência eleitoral alemã na árida Damaralândia, desenvolveu uma campanha destinada convencer os bóeres fixados no Planalto da Huíla a regressarem à terra mãe. A iniciativa teve êxito. Em 1928, quase todos os bóeres se mudaram para o território do Sudoeste Africano. Foi um novo Trek.



Quatro famílias apenas ficaram na Humpata. As outras, uma a uma, carregaram novamente os seus carrões. Carrão após carrão rolou terra abaixo pela bem conhecida carreteira que conduz ao vale do Cunene, perto do Chitado. Na margem esquerda do rio, ao avistarem a bandeira sul-africana, reuniram-se todos para cantarem hinos de acção de graças. A pequena colónia constituída por 270 pessoas de raça branca que tinha viajado para o Norte até à Humpata em 1880 cresceu muito, contando agora perto de 2.000 almas.






Referências:



Estermann, Charles, Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro). Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1983.



Gama, António, Uma história de vida. Blogue Memórias e Raízes, 2009.



Trabulo, António, Os Colonos. Esfera do Caos, Lisboa, 2007.



Fotografias: colecção do autor.







quinta-feira, setembro 17, 2009

1910 - Romance de Antonio Trabulo


Implicado na revolução republicana ocorrida no Porto a 31 de Janeiro de 1891, o sargento João Madruga foi condenado ao exílio em África.



Ao ser indultado, trouxe para Portugal a mulher negra e a filhinha mulata. O diálogo que se transcreve foi estabelecido com Susana Madruga, em Lisboa, no ano de 1909.-



Antes de a conhecer, Benguela tocou-me no nariz. Era de noite e não havia cais para atracar. Tudo o que eu podia ver eram janelas iluminadas ao longe. Cheirava bem. Eu não conhecia aqueles cheiros que adoçavam a escuridão. Soube mais tarde que eram de fruta madura: goiabas, mangas e bananas. Pela manhã, levaram-nos para terra em pequenas embarcações tripuladas por negros. Quando os barquitos encalharam, saltámos para a areia com as taleigas em que guardávamos o pouco que nos tinham deixado levar.- O pai não ia fardado?- Não. Quando nos condenaram ao degredo, também nos expulsaram do exército.- Mandaram-nos para lá para morrerem?- Não foi bem assim. As febres matavam uns tantos. Dos que resistiam, muitos assentavam raízes e faziam-se colonos. Angola precisava de brancos. Pelo menos, era o que se dizia no Porto.- Deram-lhes onde morar?- Enfiaram-nos num casebre com telhado de colmo - lá chamam-lhe capim. Ficava perto da praia. Tinha apenas uma assoalhada, mas era espaçosa. Ali ficámos, até cada um ajeitar a sua vida.- E a terra, era grande?- Seria como uma vila de cá. Em Angola, apenas Luanda era maior. Muitas habitações eram só de um piso. Algumas alongavam-se por um quarteirão inteiro, como carruagens de comboio pegadas umas às outras. Nas casas mais antigas havia grandes quintais com muros altos. Em tempos recuados, prendiam lá os escravos que esperavam barco para o Brasil. Mesmo depois de o tráfico ser banido, os de Benguela continuaram a levantar paredes elevadas que já não serviam para nada.Susana escutava com um ar muito sério.- A minha mãe era escrava? O pai comprou-a?A miúda andava com aquela pergunta debaixo da língua havia anos, com vergonha de a fazer.Madruga sorriu.- Não! A escravatura já tinha acabado. Era uma pessoa livre. Eu gostei dela e ela de mim. Mas tanto a tua avó como a tua bisavó, que ainda conheci, tinham sido libertadas já na idade adulta.- E que é que o pai lá fazia? Como é que ganhava a vida?- Em África, os portugueses tinham essencialmente quatro profissões: padres, soldados, funcionários públicos, e comerciantes. Eu não era padre e fora posto fora do exército. Como não me deixaram ser funcionário, empreguei-me numa casa de comércio. Vendia-se um pouco de tudo e comprava-se cera, borracha, sisal, cereais, couros, gado e marfim. Tudo aquilo vinha de longe, do interior. Em tempos recuados, fizeram-se fortunas com o comércio de escravos. Alguns dos palácios de condes e barões que vês por aí assentam no dinheiro ganho com o aviltamento de seres humanos.- E a comida, como era?- Não passávamos mal. O mar era rico em peixe. Havia hortas com muita variedade de legumes, embora nem todos fossem iguais aos de cá. Criavam-se galinhas, porcos e cabritos. A fruta era boa e muito barata. De vez em quando, comíamos carne de caça. Os negros viviam pior. Alimentavam-se de farinha de milho e mandioca e, claro, de peixe. Gostavam muito de feijão com óleo de palma. O pescado que não se consumia fresco, e que era a maior parte, secava-se. Era vendido em fardos para as terras do interior, que nos compravam também bastante sal.- Que aconteceu aos seus colegas?- Fizeram-se à vida, como eu. O Lameiras, coitado, teve pouca sorte. Morreu com as sezões. Ainda não estava em África há um ano. Benguela ficava no meio de pântanos e lagoas. Abundavam os mosquitos e havia muitas febres. A terra chegou a ser chamada "cemitério de brancos".- E os pretos?- Também adoeciam, mas estavam mais habituados aos males de lá e aguentavam-se melhor. Sabes que Benguela tem uma particularidade diferente das outras terras? - Não. Conte lá...- É a única povoação importante que conheço que mudou de lugar e conservou o nome. E não foi como se os mouros se deslocassem de Lisboa para Sintra. Não! A primeira Benguela, Benguela-Velha, extinguiu-se. No começo do século XVII foi refundada, centenas de quilómetros a Sul. O nome tinha peso na costa africana e o prestígio que lhe estava associado não se podia deitar fora. O rei Filipe II separou o Reino de Benguela do Reino de Luanda e deu-lhe autonomia administrativa. Bem podiam tê-lo aconselhado a escolher um lugar mais saudável...



Em 1910, romance histórico de António Trabulo

terça-feira, julho 21, 2009

Renato Cardoso e os Seus Amigos


Apesar dos anos passarem rapidamente, há nomes que não me abandonam no meu dia a dia. Renato Cardoso é um deles. Foi um amigo de que me orgulho particularmente. E continuo a estranhar que os Cabo-Verdianos não assinalem devidamente a sua capacidade de trabalho, a sua inteligência brilhante e as suas lutas para que o país possa hoje orgulhar-se dos caminhos que já percorreu, do presente notável de que desfrutam e as esperanças fundadas de um futuro ainda mais risonho.


Com o passar dos anos fica-se com a impressão de que ainda há quem tenha medo da memória do Renato.


Falo aqui hoje dele porque recebi um e-mail de Alice Sena Mascarenhas, uma colaboradora de Renato Cardoso, sua amiga e sua admiradora porque lhe conhecia as qualidades, já que trabalhava de perto com ele. Pede-me a possibilidade de ler o texto de 20 de Setembro de 2005. Pois ele aqui está reposto. Tem a possibilidade de o comentar. Introduzi o sistema de controlo dos comentários porque houve um tempo em que recebia comentários ofensivos, normalmente anónimos. Não será o seu caso. O seu comentário será muito bem vindo, sobretudo porque perfilho a sua ideia de que o crime que matou o Renato não foi devidamente investigado e há por detrás dessa morte uma premeditação óbvia que tem a ver com a evolução que a política de Cabo Verde teve nos anos seguintes .

Estou pessoalmente convencido de que se Renato Cardoso fosse vivo o MpD nunca teria ganho as eleições de 1991. Para além disso - é a primeira vez que faço referência a isto - o Renato pressentia que alguma coisa lhe iria acontecer por aqueles dias. Ele foi assassinado num Sábado e na quinta-feira anterior tinha-me telefonado, pedindo-me para ir à Praia: queria falar comigo, estava com "medo" depois de uma reunião que tinha tido com o Presidente da República de então, Aristides Pereira.

Como vê, Alice, já somos dois com o mesmo tipo de informação...

Acho que tem razão: teria sido necessário fazer tudo para saber quem está por detrás da morte de Renato Cardoso. Eu acho que ainda hoje vale a pena. Sobretudo os Cabo-Verdianos deveriam exigir que a sua memória fosse respeitada e fizesse parte da galeria dos heróis nacionais.


Gostaraia muito que a Alice Sena Mascarenhas partilhasse connosco o seu poema que fez para o Renato.


Quanto à data do texto, percebeu: foi para assinalar o 15º aniversário do acontecimento. Mas, a verdade é que eu escrevi muito sobre o Renato, sobretudo no "África" e também noutros jornais. Não o esqueci e não o vou esquecer


A seguir publico o e-mail de Alice Sena Mascarenhas e o texto de 20 de Setembro de 2005, em que assinalava os 15 anos da morte de Renato Silos Cardoso.

Olá
Não tive a sorte de ler o artigo que escreveu em 2005 (20 de Julho) sobre o Renato que só hoje me chegou às mãos.
Fui colega do Renato Cardoso no Liceu Gil Eanes e depois como segui para Cabinda (onde vivi dez anos) só em 1975 viria a reencontrar o Paín (assim era ele conhecido por nós colegas e outros daquele tempo - nome aplicado pelo Dr. Baltasar Lopes da Silva, quando o Renato leu em francês le paín em vez de pain (pão).

Sabe, desde que mataram o Renato, digo comigo mesma que se fosse a mulher dele teria que descobrir quem o matou. As várias versões aqui impingidas nunca me enganaram. Eu tive o privilégio de ter trabalhado com o Renato nas vésperas da sua morte e sei, porque ele me disse, que algo que estava a atormentá-lo já tinha sido esclarecido. Tinha tido um encontro sobre isso. Ele prometeu vir beber un Gin tónico comigo no domingo para comemorarmos tb o projecto sobre administração pública que acabáramos de traçar com um expert das N.U, Guido de Weerd . Nunca me esqueço daquela manhã, do toque daquele telefone (eu ainda deitada) e a voz do meu marido anunciando-me o acontecimento. Os meus soluços continuam vivos aqui no meu peito e sinto não poder dar a vida ao meu amigo.Fiz um poema que nunca difundi porque não sou poetisa e tb porque as vozes sonoras não pertencem a todos. Não interessa, fi-lo para ele.
Sei também que o Renato não pode estar feliz pois ele tinha todo um projecto de vida que ele não escondia e que fazia questão de anunciar: eu não pretendo morrer, nem vou imigrar, a não ser que me dêem um tiro e eu não possa fazer nada... foi o que ele dissera quando o técnico lhe disse que o país precisava dele para defender o projecto acabado de assinar...

Tudo isso para lhe pedir: por favor escreva mais sobre o que escreveu, difunda o seu artigo ou então de-nos oportunidade de o comentar.
Mas tb questionei porque só em 2005? Compreendo mas não entendo.
Um abraço
Alice Sena Mascarenhas
CP 43 Praia
Ilha de Santiago,
Republica de Cabo Verde

Segunda-feira, Setembro 19, 2005

Faz hoje quinze anos que Renato Cardoso foi assassinado na Cidade da Praia. Daqui, de Lisboa, dedico-lhe o meu pensamento, honro a sua memória e declaro a minha saudade de um amigo bom, de um homem inteligente, dedicado à sua terra e à sua gente.
Daqui, de Lisboa, do mesmo sítio onde recebi a notícia fria da sua morte lamento que um manto inexplicável tenha caído por cima de um assassinato hediondo, cujas razões nunca foram devidamente explicadas. Desta mesma cidade que o viu crescer como jurista de grande conhecimento e sabedoria digo da minha tristeza pelo esquecimento a que os seus votam a sua memória.
De dentro do que mais profundo existe em mim rendo a minha homenagem à sua coragem nas inúmeras lutas políticas que travou e de que resultaram sempre avanços para o progresso do seu povo. Faço vénia ao seu empenhamento na luta pelos ideias da democracia, cujos princípios enunciou antes que outros aproveitassem as ondas internacioinais para se perfilarem num combate pelo poder.
Neste triste aniversário, como seu amigo, sinto-me na obrigação de informar os cabo-verdianos que Renato Cardoso, pouco tempo antes de ter sido abatido por um profisisional que não deixou pistas, tinha sido convidado para trabalhar fora da sua terra, a troco de uma proposta milionária - que ele recusou - porque, como dizia, a sua gente precisava dele.
E precisava mesmo. Só que já passaram quinze anos sobre o som dos tiros assassinos e a sua gente já nem se lembra do dia. Os seus pupilos, aqueles em quem ele depositou as suas esperanças, têm , pelo menos, que honrar a sua memória, a sua honradez de carácter, a sua crença num Cabo Verde para todos os cabo-verdianos.


Publicada por Leston Bandeira em 8:35 AM 0 comentários

terça-feira, julho 14, 2009

O "Quintal" da Europa

Hoje as rádios , as televisões e os jornais deram com alarido e sem nenhum sentido crítico a grande notícia: um conjunto de doze empresas alemãs vai levar a cabo um projecto de criação de um complexo de aproveitamento do Sol do Saara para produzir energia limpa.
Tal energia abastecerá a Europa e suprirá 15 por cento do consumo. Os pormenores acrescentavam que a Senhora Merkel e Durão Barroso estão radiantes com o projecto. Até a Greenpeace exultou e fez um comunicado exortando todo o Mundo a fazer o mesmo.
De todas as notícias que ouvi e li não vi nenhuma referência ao papel de África neste projecto que, "só por acaso" vai ser desenvolvido em território africano.
Fala-se na criação de 250 mil postos de trabalho, na possibilidade de dessalinizar água do mar para aproveitamento das populações locais, mas mais nada.
A Europa, desta vez através do "gigante" germânico, volta a olhar para África como o seu "quintal"...
Dirão os mais colonialistas: ..."mas é aqui tão perto!...."
Pois. É perto, mas é África e aqui, perto, começa a desgraça de milhões e milhões de seres humanos que sempre foram olhados de cima (e já agora, por cima). Esses muitos milhões foram vítimas do facto de África estar aqui tão perto e ser a zona "natural" de expansão da Europa, mais avançada do ponto de vista tecnológico - tal como agora.
E, para além disso, estão a ser vítimas dos seus próprios dirigentes, que, corrompidos pelos europeus, pouco se interessam com a vida dos seus países.
Ora, este projecto megalómano alemão foi anunciado por europeus, comemorado por europeus e não se ouviu falçar de africanos. Será que vão tomar de assalto o deserto do Saara e instalar lá os painéis solares que hão-de produzir a tal energia limpa para os europeus?

quarta-feira, junho 03, 2009

Arménio Vieira - Prémio Camões


Ontem à noite ouvi a notícia e devo ter ficado tão surpreendido como ele próprio: Arménio Vieira era o Prémio Camões 2009.


Fiquei surpreso mas feliz porque se há um poeta em todo o espaço de língua portuguesa que merece este prémio específico é o Arménio já que ele é um cidadão do Mundo, sobretudo pelo conhecimento. Tal como Camões, Arménio Vieira cultiva o saber como forma de estar na vida e faz da poesia a sua um modo particular de afirmação.


Arménio Vieira é Cabo-Verdiano como todos os outros, cultiva o mesmo orgulho das suas raízes, contribuiu com a sua parte para a libertação, não apenas dos seus compatriotas, mas de todos nós, os amarrados por um regime político iníquo, retrógrado e autoritário, mas sente-se um cidadão do Mundo. Sendo um natural de Cabo Verde, a sua obra não se fica pelas ilhas e não pode, por isso, ser considerado um poeta-escritor regional.


Esta é, de resto, a sua característica mais forte. Arménio Vieira, sendo um homem de poucas viagens e de vivências restritas, tem produzido uma obra de cunho universal, revelando influências que vão muito para além das que, inevitavelmente, lhe são transmitidas pelas circunstâncias de vida.


Mas que fique claro para os que, de repente, tendo a obrigação de produzir notícia e comentar acontecimento tão importante, se confrontam com a sua própria ignorância: Arménio Vieira é o maior poeta Cabo-Verdino vivo, mas não é apenas isso. Ele é um poeta que pode e deve ser lido em todo o Mundo. A sua alma de poeta de todos fala.


Oxalá este prémio o tire da penumbra e revele a sua poesia na dimensão que ela merece.

domingo, abril 19, 2009

Retornados O Adeus a África




António Trabulo acaba de lançar um novo livro: "Retornados O Adeus a África", uma estória romanceada a partir de vidas vividas em vários tempos e latitudes por gente surpreendida pelas circunstâncias da História que, como um furacão, as sacudiram e fizeram perceber novas dimensões da condição humana.


A acção do romance situa-se em Angola e em Portugal e é construída à volta de dois irmãos gémeos, que, quando nasceram se viraram de costas, o que pareceu à mãe um sinal de mau agoiro.


Era justificada a preocupação, já que ao longo da vida sempre se encontraram em campos opostos, sobretudo no da política, onde um, o Gil, imbuído de ideais nacionalistas haveria de aderir a grupos que não aceitavam a independência de Angola, pelo que teve que assitir aos desmandos da UNITA e da FNLA.

Gil, tal como o José, cuja adesão ao MPLA também não lhe traria a compensação de ver satisfeitos os seus ideiais de igualdade e fraterinade, acabaram por se incoporar na mole imensa de retornados, muitos dos quais viram Portugal pela primeira vez.

Os dois irmãos também disputaram a mesma beldade do Lubango, Lua, cuja estória preenche vári0s tempos e espaços de outros personagens deste romance.

Entre este mundo de gente que se encontrou nas mais diversas circunstâncias, há um branco loiro que não consegue deixar de pensar no seu gado, na sua fazenda e não tem uma vida normal entre a sua gente, despojada, em Angola, dos seus bens e em em Portugal, dos seus hábitos, costumes e rotinas.
Muíla, assim é conhecido o Sidónio, é verdadeiro anti-herói de mais este romance bem conseguido de António Trabulo, apesar de a sua narrativa ficar um pouco distante do sofrimento indizível dos que, de repente, se viram num outro Mundo, muitas vezes escorraçados, vilipendiados.

Em "Retornados, O Adeus a África" não se descobre que a chamada integração eficaz dos regressados se tenha ficado a dever às suas qualidades e não a qualquer golpe de asa das autoridades portuguesas, muito mais interessadas noutras coisas.






sábado, abril 04, 2009

"Balada do Ultramar"

Manuel Acácio, um nome conhecido no jornalismo radiofónico de qualidade - que já vai rareando -acaba de publicar um livro com um título atrevido, "Balada do Ultramar". Este romance é uma narrativa corajosa, não da sua própria experiência, mas do entendimento que conseguiu perceber do sofrimento atroz que foi para centenas de milhares de portugueses (brancos e também muitos negros) o abandono das terras onde muitos deles já tinham nascido. Alguns foram atirados fora da terra dos seus avós.

Manuel Acácio revela ao longo das 221 páginas do seu "romance" um trabalho sério, honesto e difícil de investigação - que lhe permitiu descrever cenas reais, sobretudo de Angola e de Portugal. O resultado é uma conclusão que eu vejo pela primeira vez escrita, anda por cima em bom português: os portugueses foram expulsos por razões fundamentalmente racistas e recebidos naquela que teoricamente seria a sua terra por gente que os via como invasores do seu espaço pequenino, miserável, sem qualidade e sem perspectivas.

Neste livro de Acácio está escrito que também os políticos da época e os que se seguiram, voltaram as costas aos despojados de passado, de presente e sem futuro. Aqui está explicada a razão porque há muita gente a negar que a descolonização portuguesa tenha sido uma operação "exemplar e bem conseguida".

A integração mais ou menos pacífica que os chamados "retornados" conseguiram em terras portuguesas foi obra sua, da sua qualidade humana e também das perspectivas abertas de sociedades mais abertas, mais livres e mais solidárias. Portugal beneficiou imenso com esta injecção especial de gente de qualidade excepcional.

Ao contrário, os países entretanto nascidos desta "descolonização exemplar" sentiram claramente a sua falta. Tanto assim que, dos cinco, apenas o mais pobre (Cabo Verde) beneficiou, objectivamete, o seu povo com o acesso à Independência.

A "Balada do Ultramar", uma edição da "Oficina do Livro" retrata as gentes que fizeram parte do primeiro êxodo. Há, todavia, outros, mais silenciosos, mas igualmente importantes para Portugal e ainda mais devastadores para os países para quem os brancos passaram a ser inimigos.


Ao felicitar o Manuel Acácio pelo seu excelente texto, não posso deixar de apontar alguns livros que uma vez por outra aparecem por aí a explorar de forma miserável a saudade dos que ainda se lembram do que deixaram para trás, muitos deles baseados em fotografias dos pais, dos avós e dos amigos, explorando oportunisticamente redes de contactos como prateleiras de hipermercados.

sábado, março 28, 2009

27 de Março de 1976

Naquele dia foi oficial: as tropas sul-africanas tinham abandonado Angola e, embora tenham ficado estacionadas mesmo ali na fronteira, a poucos quilómetros de Santa Clara e do outro lado das quedas do Ruacaná, para nós foi dia de festa. "A guerra tinha acabado" - foi-nos dito em comício popular na praça que então se chamava " da República".

O Lubango vivia momentos de euforia, de reconstrução, de azáfama, de reorganização. Os operários dos Caminhos de Ferro de Moçamedes (CFM) ajudavam os agricultores, fazendo peças para os tractores avariados, noutras fábricas substituia-se o obsoleto sistema de capatazia por métodos de responsabilização na organização da produção.

Quando, a 18 de Fevereiro tínhamos chegado à cidade, no primeiro voo que partiu de Luanda, muitos de nós não contiveram as lágrimas à vista de uma cidade meia destruída. Os retirantes partiram tudo quanto puderam. Os últimos foram os homens da UNITA, já sob a pressão das tropas cubanas, mas à frente dos "bravos" Mucubais comandados pelo Farrusco, que, naquele dia de 18 de Fevereiro nos recebeu no aeroporto num jeep com uma enorme bandeira vermelha que drapejava fortemente ao vento.

Para muitos de nós - para mim, inclusivé - a guerra tinha terminado naquele dia. Depois foi o arregaçar de mangas: ajudar na reorganização da produção, pôr de pé a Faculdade de Letras, refundar a Rádio Popular de Angola, criar o jornal " A Luta Continua", acorrer aos variados chamamentos, alguns dos quais de madrugada, porque um grupo de "faplas" tinha resolvido fazer das suas.

De Fevereiro de 1976 a Março do mesmo ano muitas coisas aconteceram naquela cidade, cinclusivamente a instalação de uma intriga forte, uma espécie de veneno trazido de Luanda. A Comissão Política da Huíla começou a integrar gente que não se percebia donde vinha. De um dia para o outro, percebi que o único elemento que tinha legitimidade democrática, porque eleito na primeira Assembleia Geral de militantes do MPLA era eu.

E eu não tinha tempo para a intriga e passei a ser olhado, primeiro, como a consciência do grupo. Toda a gente queria falar comigo em privado. Depois o mesmo aconteceu, quando os ministros passaram a visitar o Lubango. Mas, depois, mais tarde, era o "branco", isto é, "português".

Todavia, naquele 27 de Março não deixei de vibrar com a oficialização do "fim" da guerra. Finalmente, Angola podia reconstruir-se e cumprir metas de desenvolvimento que beneficiasse a todos.

Finalmente...

Houve comício com o velho Lúcio Lara. No seu discurso atacou sobretudo a posição de Portugal que ainda não tinha reconhecido o Estado Angolano, proclamado pelo MPLA às 00H00 de 11 de Novembro de 1975.

Emílio Braz, entretanto nomeado Comissário Provincial, também botou discurso e, no final, teve uma expressão que me alertou: " Viva o Povo N'Hanheca Humbe" - o Povo da Huíla.

Fiquei desconfiado, tanto mais que durante a sua proclamação aos presentes afirmou que toda a gente tinha que aprender a língua M'Huíla.

Alguma coisa se passava e fiquei mais atento.Pouco tempo depois concluí que o confronto entre nitistas e netistas também tinha chegado ao Lubango.

Afinal...

A guerra não tinha acabado: o MPLA ajeitava-se para uma disputa fratricida, que haveria de ter o epicentro a 27 de Maio do ano seguinte. As réplicas prolongaram-se por vários meses e custaram a vida a algumas dezenas de milhar de pessoas. Na sua maioria jovens; muitos deles tinham sido meus alunos, quer no Liceu, quer na Faculdade de Letras. Nessa altura porém já não estava no Lubango: eu também fazia parte das listas negras dos dois lados. Não teria tido salvação...

Mas, aquele 27 de Março foi dia de Alegria. Resolvemos rebaptizar a Escola Comercial e Industrial Artur de Paiva: "Escola 27 de Março", de que era directora a minha mulher, Isilda Arruda.

Naquele 27 de Março, Angola estava oficialmente livre de tropas ocupantes. Voltariam, já não de peito aberto, mas a coberto de acordos espúrios com forças angolanas que também queriam o poder absoluto , corrupto e racista, tal como o construiu o MPLA.

E eu, naquela altura, sem desconfiar ainda do que me esperava, voltei a chorar de contentamento. Finalmente... "a minha terra" estava livre.

sábado, março 14, 2009

Portugal/Angola - Bom Senso Só Ajuda

A recente visita de José Eduardo dos Santos a Lisboa em programa encurtado no tempo mas muito expressiva nos objectivos anunciados, trouxe para a ribalta o actual movimento de migração para Angola.
Os jornais angolanos anteciparam a análise a esse movimento e valerá a pena ler com atenção o modo como alguns deles - pelo menos o "Angolense" - o abordam .
Na sua edição de 21 a 27 de Fevereiro deste ano, em texto assinado pelo seu director geral, Graça Campos, o "Angolense" , numa prosa supostamente humorística, aproxima-se do ódio racista contra aqueles que estão a tentar viajar para Angola, partindo do princípio que todos os que fazem as filas às portas do Consulado de Angola em Alcântara, são portugueses.
"Ó Shô Manel, A Bida Está Difícil?" interroga Graça Campos em título para uma fotografia tirada por um telemóvel e em que verifica a existência de uma fila grande de pessoas. A legenda desta fotografia chega a ser grotesca.
Muitos deles serão mesmo angolanos, ou terão nascido em Angola. Podem muito bem ser filhos ou netos daqueles outros portugueses que fizeram fila para - já lá vão mais de trinta anos- fugirem às ameaças, reais ou insinuadas, de que a cor da pele poderia ser um problema. E foi!
Os portugueses foram saindo, em várias levas, de Angola, provocando o vazio e uma paragem no processo de desenvolvimento económico - que em 1974 era dos maiores de África.
Alguns dos "retirantes" foram importantes na luta pela independência, mas, mesmo assim, tiveram que abandonar a "sua terra" e procurar um exílio em terra de brancos.
Ao fazer piada (de mau gosto) com o título: "Ó Shô...", Graça Campos está a cometer um erro que eu classificaria de má fé porque ele sabe - tem de saber - que os candidatos a ir para (ou a) Angola nada têm a ver com os colonos típicos dos anos 50 e 60. Estes representam gente habilitada, com capacidade para ajudar o projecto de reconstrução do país. E talvez até tenham nos genes a capacidade de ganhar amor à terra que vão ajudar a reconstruir e ter um comportamento diferente daqueles outros a quem GC chama de "mãos de vaca".
E quem são os mãos de vaca?
São as grandes empresas portuguesas, sobretudo de construção civil, Soares da Costa, Mota/Engil e Teixeira Duarte, que - diz GC - apesar dos "fabulosos lucros" foram, até agora, incapazes de uma acção de filantropia, como por exemplo doarem um "lote de medicamentos a um Hospital Pediátrico".
A propósito destas empresas, GC diz que "em bom português o que os tugas fazem no nosso país chama-se rapina".
E desta afirmação violenta e como quem não quer a coisa vai falando na atitude das grandes empresas portuguesas relativamente ao apoio aos órgãos da comunicação social angolana: não se vê um único anúncio delas. E não se fica por aqui, faz a comparação com as grandes empresas brasileiras.
Espero que haja em Portugal e em Angola alguém que tenha capacidade para analisar este texto e dar-lhe a devida importância, porque, se por um lado, é injusto e racista, raiando quase o ódio em relação aos homens e mulheres das filas do Consulado de Alcântara, não deixa de ter razão quanto ao comportamento das grandes empresas, algumas das quais estão em Angola mesmo antes da Independência e continuam com a mesma política de não partilhar. Eu acho que são mesmo mãos de vaca.
Mas, a verdade é que se o são têm coniventes -não é verdade GC? - os corruptos com quem eles contam para obter as vitórias nos concursos. Quanto à publicidade: as empresas portuguesas acham que devem trabalhar em África em segredo - basta-lhes distribuir umas gasosas, nomeadamente por aqueles que noutras épocas não aceitaram o amor dos brancos pela Terra Angolana. Nos outros países a estratégia é a mesma: "o segredo é a alma do negócio". Para quê fazer publicidade?
A visita do chefe de Estado de Angola a Lisboa terá sido positiva para ambos os lados, mas "cautelas caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém", pelo que me parece não se dever descurar um certo bom senso no desenvolvimento das relações entre os que chegam e os que estão. As contradições são muitas e elas estão bem patentes no texto do Director Geral do "Angolense"

sexta-feira, março 13, 2009

Prémio Dardos



A autora do blogue Diadema de Angola atribuiu o prémio Dardos a este blogue, porque, segundo ela, cumprimos com os pressupostos contidos nas condições de tal distinção:Com o Prémio Dardos reconhecem-se os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.


Aqui ficam os nossos agradecimentos pela distinção.

terça-feira, março 03, 2009

Em Memória de Paulo Correia e Muitas outras vítimas


Foi Há mais de vinte anos - 17 de Julho de 1986 - que escrevi esta primeira página do Jornal "África". Tardou, mas, finalmente, aconteceu.

sábado, fevereiro 28, 2009

Semanário "Angolense"


Alguém me enviou pela Net a última edição do Semanário "Angolense", um nome com uma tradição muito forte na imprensa angolana. Fiquei contente com o que constatei: uma visão diferente do país da que é dada por outros jornais - que também não deixam de ser respeitáveis e, em alguns casos com a preocupação importante da independência, como, de resto, também se verifica no "Angolense".

Neste, destaco: a notícia de que Kundy Payama, ministro da Defesa, depois de ter visto ser-lhe negado um crédito bancário, foi falar com "o mais velho" (JES). Não apenas teve o "Kumbu" de que precisava ( já ninguém sabe para que é que ele quer tanto dinheiro - o homem que mais rápido fugiu da invasão sul-africana, em Outubro de 1975, com pasta "007" e pulseira de ouro), como o gerente do banco que lhe negou os "os ferros", foi demitido.

Outra notícia: a filha de José Eduardo dos Santos , Tchizé dos Santos Pêgo, vai tomar conta do primeiro canal da TPA. Como pormenor, o semanário diz que Fernando Cunha, o seu actual director, será a primeira cabeça a rolar. Não sei se Tchizé tem a mesma capacidade da irmã Isabel e pode transformar a TPA numa "coisa" suportável, mas sei que o Fernando Cunha - não apenas a cabeça, mas todo ele, já devia ter rolado há muito tempo. As emissões internacionais da TPA envergonham qualquer pessoa que tenha relativamente a Angola apenas um sentimento de simpatia, mesmo que cheia de reticências...

Outro tema deste "Angolense" tem a ver com o sétimo aniversário da morte de Savimbi. Por um lado, um repórter de guerra, Jaime Azulay, conta os últimos tempos bárbaros de Savimbi, em que ele revelou todo o desiquilibrio mental que os anos de guerra foram aumentando, transformando-o num verdadeiro assassino psicopata.

Simultaneamente, o Semanário que tenho vindo a citar publica um texto de Sousa Jamba em que afirma a pujança da UNITA e a considera a única alternativa de poder ao MPLA.

A UNITA, de facto, é importante para o futuro político de Angola, mas não o pode ser enquanto viver à sombra do fantasma do "fundador". Esse grupo de intelectuais que estão à frente da UNITA, pisada de forma violenta nas últimas eleições, tem que assumir-se com o uma força política nova e fazer "mea culpa" por não ter sabido, não ter conseguido, não ter tido a coragem de derrotar, no campo político, o selvagem que atirou Angola para uma guerra de destruição impensável.

Por muito que custe a Sousa Jamba, a UNITA tem um passado de vergonha e não de glória. Para que os seus membros possam ser úteis ao país têm que contribuir para a denúncia dos crimes inomináveis que Savimbi levou a cabo, mesmo entre os seus correligionários. De contrário, terão sempre os fantasmas de Ana (Savimbi), Vakulukuta, Wilson Pessoa, Altino Sapalalo, Antero Perestrelo, a tia de Chiwale, ele próprio salvo da morte certa, por circunstâncias pouco vulgares para Savimbi, e muitos ,muitos outros.

A UNITA é importante para Angola, mas tem que renegar o seu passado, em que o medo sememou a cobardia e ninguém foi capaz de , em nome do povo por quem diziam lutar, derrotar a fera que a si próprio chamava de "Jaguar".

domingo, janeiro 25, 2009

Obama - O Caminho de Uma Comunidade


Num texto que a todos impressionou pela clareza com que resumiu aquilo que, de uma maneira geral, toda a gente pensava, Mia Couto, logo que Barak Obama foi eleito como presidente dos Estados Unidos, concluia que, se ele fosse um cidadão africano, jamais o seria . Estamos todos de acordo: nem sequer se teria atrevido a candidatar-se, pela simples razão de ter uma mãe branca.


E se este mesmo Barak Hussein Obama vivesse na Europa? Teria sido eleito? Poderia ter-se candidatado?


A resposta é: seguramente, NÃO!


As condições socio-políticas vividas na Europa, nomeadamente em Portugal, não o permitiriam, já que são, caracteristicamente, de natureza racista, impedindo, ostensivamente, que homens e mulheres com tonalidades de pele diferentes das dos europeus possam chegar a lugares de mando, quer na política, quer noutras actividades.


E não se diga que é por uma questão aritmética - que impõe uma maioria de brancos.


Também nos Estados Unidos os negros não representam a maioria e Obama foi eleito com uma vantagem avassaladora.


Tentemos perceber a diferença. Como é que numa sociedade - os USA - onde ainda há pouco mais de há trinta anos vigorava um apartheid claro, se chegou à actual realidade em que mais de oitenta por cento dos seus cidadãos apoiam com entusiasmo um presidente negro?


Não podemos, todavia, ignorar que parte desse entusiamso atinge níveis de histeria colectiva pouco recomendável e reveladora de perigos próprios de sociedades não totalmente apaziguadas, com zonas de conflitos latentes, susceptíveis de, de um momento para o outro, se transformarem em perturbações aparentemente inexplicáveis.


A actual sociedade dos Estados Unidos parece ter capacidade para ir mais longe na aceitação das suas diferenças e eliminar rapidamente o potencial de conflitualidade que ainda a percorre.


Mas como chegaram os americanos até aqui?


Através de uma movimentação social, que se iniciou há longos anos, primeiro com a resistência sofrida dos negros perante os abusos dos brancos, mesmo depois de uma guerra civil em que os defensores da abolição da escravatura sairam vencedores.


Foi já na segunda metade do século XX que o movimento pelos direitos cívicos atingiu proporções nunca antes imaginadas. Luther King foi o herói, não apenas porque assassinado, mas porque, e sobretudo, soube mobilizar não apenas os negros de todo o país, mas também muitos dos não negros que não suportavam a injustiça de uma sociedade que desconsiderava uma boa parte de si mesma.


Não pode deixar de se referir que este movimento teve um forte apoio em toda a Europa, sobretudo das correntes políticas identificadas com a esquerda.


O movimento pelos direitos cívicos não terminou, nem com o discurso de Luther King "Eu Tive um Sonho", nem com a sua morte. A bandeira pela igualdade foi erguida por uma consciência de luta muito importante porque deixou de se basear na premissa de que a desigualdade era exclusivamente rácica, mas tinha uma componente de qualificação profissional.


Esta tomada de consciência levou os negros norte-americanos a desenhar outro tipo de luta: era necessário disputar a igualdade no terreno das competências, esquecer a cor da pele de uns e de outros. O "black power" não fazia sentido.


Desde a década de oitenta do Sec. XX essa luta começou a ser visível por toda a parte, mas, sobretudo nas actividades que constituem, desde há quase um século, a principal arma ideológica americana: o cinema e, posteriormente, a televisão.


Desde há anos que é raro o filme ou a série televisiva produzidos nos Estados Unidos em que não apareça um ou vários actores negros, já não nos costumeiros papéis de marginais, cozinheiros, criados, etc. mas representando personagens sem cor, contracenando com outros actores, igualmente sem cor.


São muitos anos a ver uma sociedade, que embora fictícia, se organiza com gente da raça humana. Os heróis e heroínas negros multiplicaram-se, ao mesmo tempo que os negros iam conquistando os seus lugares noutros campos de actividade. É verdade que na política ainda são poucos, mas entre esses poucos apareceu um que percorreu todo o caminho e disputou no campo da competência o mais alto cargo do seu país. E o povo acreditou nele.


A pergunta de Saramago, um europeu, pertencente à esquerda, que, seguramente, apoiou os movimentos cívicos nos Estados Unidos, "donde veio este homem?"é fácil de responder: veio de um povo que, apesar de tudo, acredita na igualdade dos diferentes.


E a Europa acredita? E Portugal, acredita? Aqui os negros aparecem pouco na televisão, no cinema e, quando acontece são vistos nos habituais papéis de motoristas, cozinheiros...


Aqui, em Portugal, na política, não há nenhum negro, embora o seu número não seja desprezível e os seus problemas sociais apresentem características profundamente preocupantes. Desde logo porque os negros em Portugal ainda não entenderam que não podem continuar a exibir a cor da pele como pretexto para reivindicações. Têm que seguir o exemplo da comunidade negra norte-americana e lutar por chegar à luta no terreno das competências, da qualificação. Olhem para as mulheres!

terça-feira, janeiro 06, 2009

O Que É Uma Boa Entrevista?

Hoje desvio-me do tema habitual deste blogue para abordar uma questão que em Portugal não é devidamente esclarecida há anos. Para que se faz uma entrevista, quer ela seja escrita, radiodifundida ou televisionada?
Os jornalistas - especialmente os da televisão - quando "promovidos" à condição de entrevistadores transformam-se em actores políticos, com direito a opinião, a apartes, a insinuações a gestos autoritários e outras coisas mais.
A entrevista de ontem ao primeiro ministro, José Sócrates, feita por dois jornalistas da SIC, Ricardo Costa e José Gomes Ferreira foi, do ponto de vista profissional, um verdadeiro desastre.
O entrevistado, para se poder fazer ouvir teve que ombrear com a agressividade de dois jornalistas que passaram grande parte do tempo destinado à entrevista a falar de coisas sem importância. No final não tiveram tempo para as perguntas que interessavam, de facto, aos cidadãos portugueses.
Ricardo Costa parece um GNR dos anos 50 a interrogar um pobre coitado...
Que diabo, o primeiro-ministro foi convidado para ir à SIC e os convidados não podem ser maltratados, ou pelo menos, não devem. Além de maus profissionais aqueles dois jornalistas foram também mal-educados - o que ofende um grupo profissional que ao longo dos anos tem perdido as maneiras.
Para responder à pergunta do título: meus senhores "jornalistas", uma boa entrevista é aquela em que o entrevistado responde a perguntas que representam as dúvidas do público em geral sem ser interrompido e, eventualmente, confrontado com as contradições que ao longo da conversa existam. Uma entrevista não é um debate político, nem um confronto.