Num texto que a todos impressionou pela clareza com que resumiu aquilo que, de uma maneira geral, toda a gente pensava, Mia Couto, logo que Barak Obama foi eleito como presidente dos Estados Unidos, concluia que, se ele fosse um cidadão africano, jamais o seria . Estamos todos de acordo: nem sequer se teria atrevido a candidatar-se, pela simples razão de ter uma mãe branca.
E se este mesmo Barak Hussein Obama vivesse na Europa? Teria sido eleito? Poderia ter-se candidatado?
A resposta é: seguramente, NÃO!
As condições socio-políticas vividas na Europa, nomeadamente em Portugal, não o permitiriam, já que são, caracteristicamente, de natureza racista, impedindo, ostensivamente, que homens e mulheres com tonalidades de pele diferentes das dos europeus possam chegar a lugares de mando, quer na política, quer noutras actividades.
E não se diga que é por uma questão aritmética - que impõe uma maioria de brancos.
Também nos Estados Unidos os negros não representam a maioria e Obama foi eleito com uma vantagem avassaladora.
Tentemos perceber a diferença. Como é que numa sociedade - os USA - onde ainda há pouco mais de há trinta anos vigorava um apartheid claro, se chegou à actual realidade em que mais de oitenta por cento dos seus cidadãos apoiam com entusiasmo um presidente negro?
Não podemos, todavia, ignorar que parte desse entusiamso atinge níveis de histeria colectiva pouco recomendável e reveladora de perigos próprios de sociedades não totalmente apaziguadas, com zonas de conflitos latentes, susceptíveis de, de um momento para o outro, se transformarem em perturbações aparentemente inexplicáveis.
A actual sociedade dos Estados Unidos parece ter capacidade para ir mais longe na aceitação das suas diferenças e eliminar rapidamente o potencial de conflitualidade que ainda a percorre.
Mas como chegaram os americanos até aqui?
Através de uma movimentação social, que se iniciou há longos anos, primeiro com a resistência sofrida dos negros perante os abusos dos brancos, mesmo depois de uma guerra civil em que os defensores da abolição da escravatura sairam vencedores.
Foi já na segunda metade do século XX que o movimento pelos direitos cívicos atingiu proporções nunca antes imaginadas. Luther King foi o herói, não apenas porque assassinado, mas porque, e sobretudo, soube mobilizar não apenas os negros de todo o país, mas também muitos dos não negros que não suportavam a injustiça de uma sociedade que desconsiderava uma boa parte de si mesma.
Não pode deixar de se referir que este movimento teve um forte apoio em toda a Europa, sobretudo das correntes políticas identificadas com a esquerda.
O movimento pelos direitos cívicos não terminou, nem com o discurso de Luther King "Eu Tive um Sonho", nem com a sua morte. A bandeira pela igualdade foi erguida por uma consciência de luta muito importante porque deixou de se basear na premissa de que a desigualdade era exclusivamente rácica, mas tinha uma componente de qualificação profissional.
Esta tomada de consciência levou os negros norte-americanos a desenhar outro tipo de luta: era necessário disputar a igualdade no terreno das competências, esquecer a cor da pele de uns e de outros. O "black power" não fazia sentido.
Desde a década de oitenta do Sec. XX essa luta começou a ser visível por toda a parte, mas, sobretudo nas actividades que constituem, desde há quase um século, a principal arma ideológica americana: o cinema e, posteriormente, a televisão.
Desde há anos que é raro o filme ou a série televisiva produzidos nos Estados Unidos em que não apareça um ou vários actores negros, já não nos costumeiros papéis de marginais, cozinheiros, criados, etc. mas representando personagens sem cor, contracenando com outros actores, igualmente sem cor.
São muitos anos a ver uma sociedade, que embora fictícia, se organiza com gente da raça humana. Os heróis e heroínas negros multiplicaram-se, ao mesmo tempo que os negros iam conquistando os seus lugares noutros campos de actividade. É verdade que na política ainda são poucos, mas entre esses poucos apareceu um que percorreu todo o caminho e disputou no campo da competência o mais alto cargo do seu país. E o povo acreditou nele.
A pergunta de Saramago, um europeu, pertencente à esquerda, que, seguramente, apoiou os movimentos cívicos nos Estados Unidos, "donde veio este homem?"é fácil de responder: veio de um povo que, apesar de tudo, acredita na igualdade dos diferentes.
E a Europa acredita? E Portugal, acredita? Aqui os negros aparecem pouco na televisão, no cinema e, quando acontece são vistos nos habituais papéis de motoristas, cozinheiros...
Aqui, em Portugal, na política, não há nenhum negro, embora o seu número não seja desprezível e os seus problemas sociais apresentem características profundamente preocupantes. Desde logo porque os negros em Portugal ainda não entenderam que não podem continuar a exibir a cor da pele como pretexto para reivindicações. Têm que seguir o exemplo da comunidade negra norte-americana e lutar por chegar à luta no terreno das competências, da qualificação. Olhem para as mulheres!
2 comentários:
Parabens pela colocação....as desigualdades seja raciais ou outra qualquer precisa ser combatida através da educação e formando cidadãos consciente dos seus direitos e com competencias para exercer funções, diminuindo a exclusão.
estarei sempre voltando. um abraço
Obama...
O Presidente de uma nova geração de ideiais. Acredito com toda a convicção, arriscando que me acusem de viver numa Utopia, que Obama fará a diferença. Estabelecerá o exemplo que a sociedade global necessita, para a moralidade, honestidade. Não importam as politiquices dos dias de hoje, nem as desonestidades que gritam a falta de um código de conduta dos decisores. Importa sim, que há um homem, presidente de uma potência quase em decadência (perdoem-me o optimismo), de cor diferente (podia até ser às bolinhas azuis... a alma e a convicção não têm cor), que se impôs à desilusão mundial...
E eu rejubilo. Porque um mundo melhor é possível.
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