terça-feira, outubro 10, 2006

REMOER NO MOLHADO

...E no 4 de Fevereiro, pela manhã, abalei de férias. Deixei Angola inteira para o sr. Agostinho que ia chegar ao princípio da tarde. A minha fé no novo país esvaíra-se. Os garotos estavam fora de Angola. Lisboa exultava de liberdade. Otelo não era mais aquele tímido militar que conheci em Lusaka: chefiava o Copcon. O Copcon afigurou-se-me depressa uma sorte de polícia política fardada. Actuavam um pouco ao jeito da polícia dos automóveis: na dúvida disparavam, depois logo se via.O primeiro-ministro era também um militar irrisório e um político desastrado.Ao tempo, aquela guerra não era minha. Estava de férias. Apaixonei-me e pratiquei uma porção de loucuras saudáveis. Pelo meio ia mandando umas bocas para Luanda sobre o que ia acontecendo por cá. A propósito de incidentes que se geraram por mór da ocupação dita selvagem de uma casa devoluta, por trabalhadores carenciados gerou uma notícia, publicada em Luanda, sob o título «Copcon o novo medo». Foi como que o azar dos Távoras. O Notícia foi encerrado, o director preso e remetido para Lisboa, para a Trafaria, para ser mais exacto. Nunca foi ouvido, nem acusado. Simplesmente preso. E eu chamado a Luanda, na presunção de que o semanário retomaria a normalidade. Mas não. Por acaso o Sousa Oliveira não existia, era pseudónimo. mas era ele o segundo nome da lista de expulsões. Claro que o que fechou a revista não foi o fait divers, mas a independência face aos poderes políticos, quer os do MFA, quer os dos três movimentos ditos de libertação.
Tive que me pôr a recato, mas dessa vez não regressei a Lisboa. Passadas semanas, o assunto esmoreceu e eu entrei para a «Província de Angola». O matutino tinha sido praticamente entregue à FNLA. A Emissora Oficial era controlada pelos esquerdistas de esquerda, tão de esquerda que por vezes o MPLA até se zangava com eles. Mudei o nome ao pasquim e ainda hoje estou grato ao país por ter mantido o nome que escolhi: «Jornal de Angola». Claro que a linha é outra e o jornal pontua a política do governo.
Depois do Alvor e já com a independência à vista ainda houve uma tentativa de pacificação entre os três movimentos angolanos, em Nakuru, cidade natal de Jomo Keniatta, no Quénia. Deu em nada. O inevitável confronto explodiu em Luanda, de onde o MPLA expulsou UNITA e FNLA.
Holden Roberto instalou-se no Ambriz; Savimbi, no Huambo. A chegada dos cubanos a Novo Redondo evidenciava claramente que a questão angolana entrava noutro domínio: o Ocidente e o Leste assumiam-se como partes interessadas, através de terceiros. A África do Sul apoiava a Unita; o Zaire, a FNLA. «Dissidentes» portugueses, inseguros em África, que não se identificavam com as opções do 25 de Abril, distribuiam-se pelas diversas frentes, mas de um modo geral todos se foram distanciando, quer do lado progressista, quer do conservador. Tropas zairotas entraram em acção apoiando (e comandando) as operações, mas desmotivando o grupo português de ex-comandos, entre os quais um prestigiado coronel, que não entendia a estratégia zairenses, que se saldou por um fisco de todo o tamanho, acabando por uma fuga desordenada, mas saqueando todas as fazendas pelo caminho. Chegaram a largar armamento militar, para arrecadar máquinas de costura ou de lavar roupa.
A Sul as coisas passaram~se de modo semelhante, ainda que se deva salientar que a força sul-africana nunca se misturou com os combatentes da Unita, também eles muito atraídos pelos bens alheios. O governo do Huambo foi sol de pouca dura. Enquanto do lado sul-africano foi posssível avançar até Benguela e depois prosseguir até Porto Amboim.
Em Luanda, por essa altura, havia natural preocupação. O esforço militar concentrava-se no morro a norte de Luanda para suster o avanço dos zairenses da FNLA, mas perante a pouca resistência em Benguela, a solução foi dinamitar a ponte novinha sobre o Quanza e ficar à espera.
Por essa altura alguns dos operacionais lusitanos progressistas sentiu necessidade de visitar a família no enclave (Portugal, na gíria local). Vim encontrar, mais tarde, dois deles a trabalhar na Renascença...
Inesperadamente a ofensiva pelo norte fracassou. Como os zairenses não sabiam recuar, preferiram fugir de uma guerra que não era deles, ala que se faz tarde, causando um efeito de castelo de cartas. No sul, os sul africanos desistiram e foram para casa. Os guerrilheiros da Unita ficaram sem apoio e sem comando. Do Huambo o governo esfumou-se. Na Huila a Unita chegou a vias de facto com a FNLA, que se sumiu. Mais a norte, Holden retornava a Kinshasa, A FNLA desaparecia de cena. Sem americanos a dar ordens e pagar a factura, Mobutu desinteressava-se.
Savimbi consolava-se por ter ganho a guerra dele. Agora ou ele ou nada. Os sul africanos sentiam que o apharteid não podia aceitar outro regime socialista à porta. Precisava de Savimbi.
Mas o camarada do pai socialista europeu e do filho idem, não tinha muito com que ajudar e o apharteid, uma forma repelente de fascismo, o qual, como se viu, ruiu antes do próprio Savimbi
dar a alma ao criador.
Isto é «o linhas gerais», ficam por ampliar pormenores, daqueles que se agarram à memória, pedaços da história por fazer. Até já...

1 comentário:

Anónimo disse...

Ficamos à espera...