Sei menos do 25 do que devia. Só cheguei a Lisboa no sábado, depois do almoço. Tinha almoçado no Entroncamento, num comboio que vinha do Porto e trazia restauração de comer e nós, eu e o Baião, vinhamos de Madrid e troquei,ali, de comboio justamente para comer.
Não faz grande sentido dizer que vinhanos de Madrid. Na realidade vinhamos de Luanda, de onde saimos num avião sul-africano, que fazia escala técnica em Luanda, mas não podia admitir passageiros, nem despejá-los. Os rumores dos acontecimentos de Lisboa já eram como dado adquirido. Já se sabia que Marcelo estava no Carmo, mas ainda não se sabia que Santos e Castro já estava «indisponível». Entretanto os voos para Lisboa estavam suspensos. O aeroporto da Portela estava encerrado. Por tudo isso foi possível solicitar autorização para voar e para sair com algum dinheiro europeu. O Baião esqueceu-se do documento militar, mas até isso, vejam lá, até isso foi, ainda o 25 madrugava, ultrapassado.
Nas Canárias, outra escala técnica, comprei os primeiros jornais que li sobre o «golpe de Lisboa». De manhã, em Paris, os jornais traziam grandes parangonas sobre
o acontecimento da véspera. Ficamos a saber que o aeroporto de Lisboa continuava fechado. Optei por seguir para Madrid, onde contava poder apanhar um comboio para Lisboa ou, pelo menos, até à fronteira. Depois logo se via. Se fosse preciso passava-se de salto. Os voluntariosos portugas de Angola não se assustavam com pouco.
Claro que em Madrid nada se sabia, a não ser que comboio continuava a não ter saída prevista. O chefe da estação admitiu, que sim, que era provável que a meio da tarde já houvesse informação, mas confirmou-me o que eu queria ouvir: o comboio dessa noite iria pelo menos até à fronteira.
Atocha não era, nem pouco mais ou menos, como é hoje, Era bem mais aconchegada e não faltava onde mastigar bom presunto e engolir algumas cervejas. Convenientemente atrazado o comboio acabou por zarpar, com destino a Lisboa.
Eu fui tratar do hotel e o Baião alugar carro. Na recepção, o empregado tinha o colarinho desapertado e a gravata descida. Percebi que o País estava a mudar...
Descemos a avenida a businar e a trocar cravos com o povo frenético, que mostrava a sua intensa satisfação, aquele não era o povo que lava no rio, como Amália cantou. Cantava e ria, como se diz no hino. Cruzamos com duas ou três manifs, que engrossavam à medida que avançavam.
Não me recordo já de qual deles chegou primeiro, creio que foi Cunhal. Mário Soares terá chegado depois. Ou não? Pode ter sido ao contrário. Não estou a puxar a brasa à minha sardinha, sei que asisti à chegada do fugitivo de Peniche.Foi uma festa. Qualquer pretexto, naqueles dias, mobilizava multidões. Já não via tanta gente junta desde que Riquita chegou, coroada, a Luanda...
Vivi esses dias alucinados e fui-me espantando com o desenrolar dos acontecimentos e em especial com o que se ia dizendo. O primeiro deles a decepcionar-me foi o homem das baladas de Coimbra, que cantou Grandola, o hino da revolução. Era a linguagem crua e dura, tanto tempo silenciada, que me foi soando excessiva e me trouxe à terra. Passei a fazer o que devia: ver, ouvir e contar e deixar-me de lérias.
A liberdade expandia-se a revolução triunfava, mas num hotel, na avenida da Liberdade o director da DGS de Angola aguardava por instruções. Certamente por coincidência o colega inspector do Moçambique também estava em Lisboa. O mais curioso é que os dois regressaram aos repctivos postos de trabalho juntos. Vi os dois no aeroporto. Eu sabia que eles estavam lá e soube pelo próprio Costa Gomes, que me asseverou que as coisas no ultramar teriam que continuar como estavam até que se estabelecessem condições que permitissem estabelecer diálogo com todas as partes. Fui pedir ao «zero-zero Lopes», como lhe chamava o ex-governador Rebocho Vaz, que me levasse para Luanda textos e fotos das reportagens que estavamos a fazer. Costa Gomes emendou a mão, já em Luanda, quando Maria Virgínia lhe perguntou: «O que é que aqueles homens fazem aqui»? E o general respondeu que vinham arrumar as coisas deles e voltar para Lisboa.
Em Lisboa continuava eu e cheio de curiosidade para assistir ao primeiro primeiro de Maio pós revolução. Ver muita gente já não me impressionava; ouvir as mesmas coisas já enfastiava. Depois de descer a Alameda, deixei o Baião a fazer bonecos e abalei para o sossego de um bar. Foi aí que decidi ir ao Funchal.
Fui, fomos. Creio que já contei esta parte, que foi o grande sucesso do par de obscuros jornalistas ultramarinos, que foram de manhã à Madeira. regresaram à noite a Lisboa e traziam todas as fotos dos políticos deportados, entre os quais Marcelo e Thomaz e a sua dele encantadora esposa, graçola que o batalhão imenso de fotógrafos de todas as agências e de todos os jornais não conseguira, apesar de chegarem antes e sairem depois de nós...
Trinta e picos anos depois é que me ocorreu perguntar-me. Como é possível fazer uma revolução daquelas sem dar um tiro um só que fosse?...
Houve um tiro, sim senhor, mas foi depois, na António Maria Cardoso, à porta da DGS...
Não faz grande sentido dizer que vinhanos de Madrid. Na realidade vinhamos de Luanda, de onde saimos num avião sul-africano, que fazia escala técnica em Luanda, mas não podia admitir passageiros, nem despejá-los. Os rumores dos acontecimentos de Lisboa já eram como dado adquirido. Já se sabia que Marcelo estava no Carmo, mas ainda não se sabia que Santos e Castro já estava «indisponível». Entretanto os voos para Lisboa estavam suspensos. O aeroporto da Portela estava encerrado. Por tudo isso foi possível solicitar autorização para voar e para sair com algum dinheiro europeu. O Baião esqueceu-se do documento militar, mas até isso, vejam lá, até isso foi, ainda o 25 madrugava, ultrapassado.
Nas Canárias, outra escala técnica, comprei os primeiros jornais que li sobre o «golpe de Lisboa». De manhã, em Paris, os jornais traziam grandes parangonas sobre
o acontecimento da véspera. Ficamos a saber que o aeroporto de Lisboa continuava fechado. Optei por seguir para Madrid, onde contava poder apanhar um comboio para Lisboa ou, pelo menos, até à fronteira. Depois logo se via. Se fosse preciso passava-se de salto. Os voluntariosos portugas de Angola não se assustavam com pouco.
Claro que em Madrid nada se sabia, a não ser que comboio continuava a não ter saída prevista. O chefe da estação admitiu, que sim, que era provável que a meio da tarde já houvesse informação, mas confirmou-me o que eu queria ouvir: o comboio dessa noite iria pelo menos até à fronteira.
Atocha não era, nem pouco mais ou menos, como é hoje, Era bem mais aconchegada e não faltava onde mastigar bom presunto e engolir algumas cervejas. Convenientemente atrazado o comboio acabou por zarpar, com destino a Lisboa.
Eu fui tratar do hotel e o Baião alugar carro. Na recepção, o empregado tinha o colarinho desapertado e a gravata descida. Percebi que o País estava a mudar...
Descemos a avenida a businar e a trocar cravos com o povo frenético, que mostrava a sua intensa satisfação, aquele não era o povo que lava no rio, como Amália cantou. Cantava e ria, como se diz no hino. Cruzamos com duas ou três manifs, que engrossavam à medida que avançavam.
Não me recordo já de qual deles chegou primeiro, creio que foi Cunhal. Mário Soares terá chegado depois. Ou não? Pode ter sido ao contrário. Não estou a puxar a brasa à minha sardinha, sei que asisti à chegada do fugitivo de Peniche.Foi uma festa. Qualquer pretexto, naqueles dias, mobilizava multidões. Já não via tanta gente junta desde que Riquita chegou, coroada, a Luanda...
Vivi esses dias alucinados e fui-me espantando com o desenrolar dos acontecimentos e em especial com o que se ia dizendo. O primeiro deles a decepcionar-me foi o homem das baladas de Coimbra, que cantou Grandola, o hino da revolução. Era a linguagem crua e dura, tanto tempo silenciada, que me foi soando excessiva e me trouxe à terra. Passei a fazer o que devia: ver, ouvir e contar e deixar-me de lérias.
A liberdade expandia-se a revolução triunfava, mas num hotel, na avenida da Liberdade o director da DGS de Angola aguardava por instruções. Certamente por coincidência o colega inspector do Moçambique também estava em Lisboa. O mais curioso é que os dois regressaram aos repctivos postos de trabalho juntos. Vi os dois no aeroporto. Eu sabia que eles estavam lá e soube pelo próprio Costa Gomes, que me asseverou que as coisas no ultramar teriam que continuar como estavam até que se estabelecessem condições que permitissem estabelecer diálogo com todas as partes. Fui pedir ao «zero-zero Lopes», como lhe chamava o ex-governador Rebocho Vaz, que me levasse para Luanda textos e fotos das reportagens que estavamos a fazer. Costa Gomes emendou a mão, já em Luanda, quando Maria Virgínia lhe perguntou: «O que é que aqueles homens fazem aqui»? E o general respondeu que vinham arrumar as coisas deles e voltar para Lisboa.
Em Lisboa continuava eu e cheio de curiosidade para assistir ao primeiro primeiro de Maio pós revolução. Ver muita gente já não me impressionava; ouvir as mesmas coisas já enfastiava. Depois de descer a Alameda, deixei o Baião a fazer bonecos e abalei para o sossego de um bar. Foi aí que decidi ir ao Funchal.
Fui, fomos. Creio que já contei esta parte, que foi o grande sucesso do par de obscuros jornalistas ultramarinos, que foram de manhã à Madeira. regresaram à noite a Lisboa e traziam todas as fotos dos políticos deportados, entre os quais Marcelo e Thomaz e a sua dele encantadora esposa, graçola que o batalhão imenso de fotógrafos de todas as agências e de todos os jornais não conseguira, apesar de chegarem antes e sairem depois de nós...
Trinta e picos anos depois é que me ocorreu perguntar-me. Como é possível fazer uma revolução daquelas sem dar um tiro um só que fosse?...
Houve um tiro, sim senhor, mas foi depois, na António Maria Cardoso, à porta da DGS...
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