quarta-feira, outubro 04, 2006

MEMÓRIA DE TEMPOS PERDIDOS/2


Podia começar por explicar que o Mundo é pequeno, se tal constituisse alguma novidade. O Mundo é como é e as surpresas só surpreendem quem sonha ser surpreendido. Um E-mail de Nova Iorque, de Manel Ricardo,alertava-me: «Estás muito bonito, hoje (domingo), no Diário de Notícias». Não compro jornais ao domingo, nem nos outros dias em que são mais caros, mas tinha lido a crónica sobre o segundo volume das quase memórias de Almeida Santos. Não me acrescentou muito mas deve surpreender algumas cabeças. O que eu não notei foi a foto que ilustrava o texto. Lá estava eu, barbudo e despenteado, o mais bonito que era capaz, e com uma inusitada máquina fotográfica na mão, a uns metros de Agostinho Neto e de oficiais do exército português dos quais nem me lembra os nomes.
Mas é, foi, um momento histórico, ainda em 74, no Leste de Angola, em plena floresta cerrada. O presidente do MPLA reunia com militares lusitanos para preparar a entrada e instalação do MPLA no território até então português. Dos oficiais portugueses que lá estiveram só retive o nome de Pezarat Correia que, suponho eu, já fazia parte do movimento revolucionário «25 de Abril».
Como jornalista já tinha assistido ao encontro de Mário Soares, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros, do primeiro governo provisório, que se fez acompanhar (ou terá acompanhado?) um tímido militar: Otelo, esse mesmo, ao encontro, ia dizendo, com Samora Machel, emLusaka, mas viver aqueles instantes na mata, em Angola, foi mais empolgante. E se estava ali fiquei a dever isso, vejam lá!, a Manuel Ricardo, jovem colega do «Província de Angola», como então se chamava o matutino. A mulher chegara-me da «graciosa» na véspera e eu tinha optado por uma noite de hotel. Ao fim da tarde o convite inesperado chegava à Redacção do Notícia: o António Gonçalves é convidado a ir ao Luso.
«O António não está», avisaram «Pode ir outro?»...
«Não, não pode. Só o António Gonçalves»...
Foi o diabo para me encontrarem e foi por mero acaso que o meu director encontrou o Manel Ricardo
e lhe deu conta. Ele sabia, foi ele que nos levou, a mim e à mulher, ao Hotel.
Já no avião, rumo ao Luso, Hermínio Escórcio confirmava-me que fora dele a exigência e confirmava também que ia haver encontro com líder histórico. Foi por isso que eu «apareci» de máquina fotográfica na mão.
O problema foi, depois de um segundo percurso de helicóptero, ficarmos quase a cem metros de distáncia da tenda montada no meio da clareira, onde já estavam os oficais portugueses e a delegação do MPLA. Os repórteres queixavam-se de que não podiam ver, nem ouvir, mas os militares de guarda não deixavam ninguém ultrapassar a corda.
Havia um «deles», no entanto, que se passeava junto da tenda e de vez em quando espreitava e depois continuava a patinhar, batedo uma chapa aqui e ali. Mas esse eu conhecia. Era «célebre».
Fora da vez em que fui, com o Baião, a Lusaka e, claro, procuramos encontrar os supostos refugiados políticos do MPLA. As autoridades locais não aceitaram o termo «guerrilheiros»!
Foi assim que conheci Iko Carreira e outros cujos nomes já não me ocorrem, entre os quais o heroi-fotógrafo. Abatera um helióptero na mata, quando estava escondido no topo de uma
árvore. O aparelho voou na sua direcção, a rasar as copas. Assustado disparou e nem sabe como
nem porquê a ameaça voadora espatifou-se no solo.
Aos herois não se levantam obstáculos. Pedi-lhe que me levasse a máquina e me fizesse alguns bonecos. Depois foi simples. A reunião acabou e os repórteres puderam ver e ouvir o que uns e outros quiseram dizer. Eram tempos de esperança, mas adivinhava-se que três movimentos hostis entre si era muita fruta, demasiados galos para um poleiro.
Desde então começou a ouvir-se martelar pregos nos caixotes. Não ia haver saídas pela esquerda alta. Mas levamos algum tempo para perceber isso...

2 comentários:

Al Cardoso disse...

E outros como eu, que acreditaram que podiamos continuar a viver na terra em que crescemos e amavamos, como nao comecamos a pregar os caixotes, quando nos demos conta tivemos que embarcar sem nada.

O triste foi, que o que la deixamos, nem serviu para nos, nem para os que la ficaram.

Uma saudacao africana, da "Serra" (a Estrela claro).

Anónimo disse...

O PERCURSO De DR HUGO JOSÉ AZANCOT DE MENEZES

Hugo de Menezes nasceu na cidade de São Tomé a 02 de fevereiro de 1928, filho do Dr Ayres Sacramento de Menezes.

Aos três anos de idade chegou a Angola onde fez o ensino primário.
Nos anos 40, fez o estudo secundário e superior em Lisboa, onde concluiu o curso de medicina pela faculdade de Lisboa.
Neste pais, participou na fundação e direcção de associações estudantis, como a casa dos estudantes do império juntamente com Mário Pinto de Andrade ,Jacob Azancot de Menezes, Manuel Pedro Azancot de Menezes, Marcelino dos Santos e outros.
Em janeiro de 1959 parte de Lisboa para Londres com objectivo de fazer uma especialidade, e contactar nacionalistas das colónias de expressão inglesa como Joshua Nkomo( então presidente da Zapu, e mais tarde vice-presidente do Zimbabué),George Houser ( director executivo do Américan Commitee on África),Alão Bashorun ( defensor de Naby Yola ,na Nigéria e bastonário da ordem dos advogados no mesmo pais9, Felix Moumié ( presidente da UPC, União das populações dos Camarões),Bem Barka (na altura secretário da UMT- União Marroquina do trabalho), e outros, os quais se tornou amigo e confidente das suas ideias revolucionárias.
Uns meses depois vai para Paris, onde se junta a nacionalistas da Fianfe ( políticos nacionalistas das ex. colónias Francesas ) como por exemplo Henry Lopez( actualmente embaixador do Congo em Paris),o então embaixador da Guiné-Conacry em Paris( Naby Yola).
A este último pediu para ir para Conacry, não só com objectivo de exercer a sua profissão de médico como também para prosseguir as actividades políticas iniciadas em lisboa.
Desta forma ,Hugo de Menezes chega ao já independente pais africano a 05-de agosto de 1959 por decisão do próprio presidente Sekou -Touré.
Em fevereiro de 1960 apresenta-se em Tunes na 2ª conferência dos povos africanos, como membro do MAC , com ele encontram-se Amilcar Cabral, Viriato da Cruz, Mario Pinto de Andrade , e outros.
Encontram-se igualmente presente o nacionalista Gilmore ,hoje Holden Roberto , com o qual a partir desta data iniciou correspondência e diálogo assíduos.
De regresso ao pais que o acolheu, Hugo utiliza da sua influência junto do presidente Sekou-touré a fim de permitir a entrada de alguns camaradas seus que então pudessem lançar o grito da liberdade.

Lúcio Lara e sua família foram os primeiros, seguindo-lhe Viriato da Cruz e esposa Maria Eugénia Cruz , Mário de Andrade , Amílcar Cabral e dr Eduardo Macedo dos Santos e esposa Maria Judith dos Santos e Maria da Conceição Boavida que em conjunto com a esposa do Dr Hugo José Azancot de Menezes a Maria de La Salette Guerra de Menezes criam o primeiro núcleo da OMA ( fundada a organização das mulheres angolanas ) sendo cinco as fundadoras da OMA ( Ruth Lara ,Maria de La Salete Guerra de Menezes ,Maria da Conceição Boavida ( esposa do Dr Américo Boavida), Maria Judith dos Santos (esposa de um dos fundadores do M.P.L.A Dr Eduardo dos Santos) ,Helena Trovoada (esposa de Miguel Trovoada antigo presidente de São Tomé e Príncipe).
A Maria De La Salette como militante participa em diversas actividades da OMA e em sua casa aloja a Diolinda Rodrigues de Almeida e Matias Rodrigues Miguéis .


Na residência de Hugo, noites e dias árduos ,passados em discussões e trabalho… nasce o MPLA ( movimento popular de libertação de Angola).
Desta forma é criado o 1º comité director do MPLA ,possuindo Menezes o cartão nº 6,sendo na realidade Membro fundador nº5 do MPLA .
De todos ,é o único que possui uma actividade remunerada, utilizando o seu rendimento e meio de transporte pessoal para que o movimento desse os seus primeiros passos.
Dr Hugo de Menezes e Dr Eduardo Macedo dos Santos fazem os primeiros contactos com os refugiados angolanos existentes no Congo de forma clandestina.

A 5 de agosto de 1961 parte com a família para o Congo Leopoldville ,aí forma com outros jovens médicos angolanos recém chegados o CVAAR ( centro voluntário de assistência aos Angolanos refugiados).

Participou na aquisição clandestina de armas de um paiol do governo congolês.
Em 1962 representa o MPLA em Accra(Ghana ) como Freedom Fighters e a esposa tornando-se locutora da rádio GHANA para emissões em língua portuguesa.

Em Accra , contando unicamente com os seus próprios meios, redigiu e editou o primeiro jornal do MPLA , Faúlha.

Em 1964 entrevistou Ernesto Che Guevara como repórter do mesmo jornal, na residência do embaixador de Cuba em Ghana , Armando Entralgo Gonzales.
Ainda em Accra, emprega-se na rádio Ghana juntamente com a sua esposa nas emissões de língua portuguesa onde fazem um trabalho excepcional. Enviam para todo mundo mensagens sobre atrocidades do colonialismo português ,e convida os angolanos a reagirem e lutarem pela sua liberdade. Estas emissões são ouvidas por todos cantos de Angola.

Em 1966´é criada a CLSTP (Comité de libertação de São Tomé e Príncipe ),sendo Hugo um dos fundadores.

Neste mesmo ano dá-se o golpe de estado, e Nkwme Nkruma é deposto. Nesta sequência ,Hugo de Menezes como representante dos interesses do MPLA em Accra ,exilou-se na embaixada de Cuba com ordem de Fidel Castro. Com o golpe de estado, as representações diplomáticas que praticavam uma política favorável a Nkwme Nkruma são obrigadas a abandonar Ghana .Nesta sequência , Hugo foge com a família para o Togo.
Em 1967 Dr Hugo José Azancot parte com esposa para a república popular do Congo - Dolisie onde ambos leccionam no Internato de 4 de Fevereiro e dão apoio aos guerrilheiros das bases em especial á Base Augusto Ngangula ,trabalhando paralelamente para o estado Congolês para poder custear as despesas familhares para que seu esposo tivesse uma disponibilidade total no M.P.L.A sem qualquer remuneração.

Em 1968,Agostinho Neto actual presidente do MPLA convida-o a regressar para o movimento no Congo Brazzaville como médico da segunda região militar: Dirige o SAM e dá assistência médica a todos os militantes que vivem a aquela zona. Acompanha os guerrilheiros nas suas bases ,no interior do território Angolano, onde é alcunhado “ CALA a BOCA” por atravessar essa zona considerada perigosa sempre em silêncio.

Hugo de Menezes colabora na abertura do primeiro estabelecimento de ensino primário e secundário em Dolisie ,onde ele e sua esposa dão aulas.

Saturado dos conflitos internos no MPLA ,aliado a difícil e prolongada vida de sobrevivência ,em 1972 parte para Brazzaville.

Em 1973,descontente com a situação no MPLA e a falta de democraticidade interna ,foi ,com os irmãos Mário e Joaquim Pinto de Andrade , Gentil Viana e outros ,signatários do « Manifesto dos 19», que daria lugar a revolta activa. Neste mesmo ano, participa no congresso de Lusaka pela revolta activa.
Em 1974 entra em Angola ,juntamente com Liceu Vieira Dias e Maria de Céu Carmo Reis ( Depois da chegada a Luanda a saída do aeroporto ,um grupo de pessoas organizadas apedrejou o Hugo de tal forma que foi necessário a intervenção do próprio Liceu Vieira Dias).

Em 1977 é convidado para o cargo de director do hospital Maria Pia onde exerce durante alguns anos .

Na década de 80 exerce o cargo de presidente da junta médica nacional ,dirige e elabora o primeiro simpósio nacional de remédios.

Em 1992 participa na formação do PRD ( partido renovador democrático).
Em 1997-1998 é diagnosticado cancro.

A 11 de Maio de 2000 morre Azancot de Menezes, figura mítica da historia Angolana.