segunda-feira, junho 12, 2006

O IMENSO NADA

Se a Televisão tivesse aparecido quando um tal César ia ver leões a devorar cristãos talvez o futebol ainda não tivesse conhecido a luz do dia. Haveria por certo, pelos meus lados, um coliseu
municipal e como por aqui não se vislumbra leões, e os lagartos não servem, assistiriamos decerto ao confronto de incompreendidos crentes com varas de porcos ferozes e imundos. Gladiadores a soldo da autarquia haveriam de animar as hostes. Os criadores de presuntos sabiam como minar a resistência dos religiosos: ao cair da noite, abriam as valas e despejavam os degetos pelos ribeiros que abasteciam de água os tementes e desprotegidos do Senhor. Os jogos despertavam, claro, muito entusiasmo e geravam não pouca expectativa. Havia muitos especialistas para comentar e criticar a pouca operacionalidade dos cristãos.
Presumo que os campeonatos do mundo teriam forçosamente de ser todos em Roma, porque eles haveriam de controlar o comércio de leões, cuja missão na Terra era, bem entendido, mastigar com requintes de malvadez uma espécie vagamente humana a que se dava a condição de carne para leão.
A Televisão nunca falhava- Viam-se por vezes dentes avermelhados, ainda com pedaços de carne humana por palitar. Uma festa que as câmaras difundiam, focando os corpos a ser desmembrados e desossados pelos impetuosos reis da selva, tudo minuciosamente descrito e comentado. Quem é que quereria saber de futebol, se o houvesse, para alguma coisa?
Mas não havia Televisão. Nem mesmo quando Napoleão foi ao Egipto. De facto nem quando o Benfica ganhou a Taça Latina. Foi preciso a Isabel vir a Lisboa para o «manholas» ligar a TV.
E cinquenta anos depois ainda não temos leões que alimentar de mitos. Esta noite sonhei com leões, maus como as cobras, embevecidos a escutar o Humberto Coelho e o Toni, que falavam com um chicote na mão e falavam uma língua estrangeira, a deles. De manhã, que bom!, a televisão estava desligada e não se ouvia um pio. Eu podia finalmente ter razão, a minha, sem contestação. A Itália ganhou.Paciência! O que me lixa é que o Togo perdeu e o surdo sou eu. Pois é, pois é, o pior surdo é o que não quer ver. Daqui a cinquenta anos estes gajos da bola já não me chateiam. Vale uma aposta?

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