A notícia foi publicada por várias agências e glosada em tons diversos: os professores angolanos entraram em greve, exigindo da parte do Governo um salário mínimo de 300 dólares.
Como questão prévia ao que a seguir vou escrever quero garantir que não me move - ao contrário de outros tempos, quando escrevia em jornais de venda pública - ser tomado como um especialista, um crítico, o que quer que seja. E também não estou interessado em desenvolver qualquer influência sobre quem manda em Angola.
Todavia, a notícia da greve dos professores transportou-me para outros tempos, quando, de forma voluntariosa e voluntarista, imaginava possível contribuir para a construção de um sistema de educação eficaz, melhor do que aquele de que me tinha servido, prestigiado e virado para a construção de um novo país, com a capacidade de realizar todas as suas potencialidades.
Pouco tempo depois da Independência de Angola, porém, cheguei à conclusão de que tal não seria possível. A Educação foi mal tratada, os professores relegados para plano secundário e, logo de seguida, vingou a ideia de que o "o melhor seria mandar os estudantes para a URSS e para Cuba".
A Universidade de Luanda, que tinha delegações no Huambo e no Lubango foi praticamente destruída. Aquela não era a Universidade do MPLA, embora provocasse o espanto a todos os que vindos, então, dos chamados países socialistas onde existiam Universidades reputadas, visitavam as suas múltiplas valências.
As Faculdades de Agronomia e Veterinária, sediadas no Huambo tinham, em 1974, condições tão extraordinárias que parecia "engano". O que é que se tinha passado ali? perguntavam os visitantes. As faculdades de Medicina e de Ciências, em Luanda provocavam a mesma estupefacção.
Um grupo de pessoas, nas quais me incluo, fizeram os possíveis por manter, no meio da guerra que dilacerou o país entre 1975 e 1977, provocada pela invasão sul-africana, as condições que permitissem o arranque de todo o sistema na altura própria. O Homero Leitão liderava este grupo e, todas as manhãs, alimentava a nossa esperança de que, em breve, a " nossa Universidade" estaria a funcionar da melhor maneira.
Qual quê?
Agostinho Neto não queria aquela universidade e, por isso, não dava dinheiro, isto é, não havia orçamento. Quando fomos fazer uma reunião com o então ministro da economia, Carlos Rocha, Dilowa, foi-nos negado, inclusivé, a utilização do orçamento que não tinha sido gasto no ano anterior. Estávamos em 1976.
Depois que os sul-africanos abandonaram o território angolano (27 deMarço de 1976) tudo se complicou. Por exemplo, no Lubango, para onde eu tinha regressado em Fevereiro a fim de iniciar as aulas na Faculdade de Letras e fazer outras coisas (tantas!!!) começámos a lidar com uma dificuldade impossível de superar: a qualidade dos professores que nos mandavam de Luanda. Gente que fazia a carreira docente pela via política, gente com cursos tirados na Patrice Lumumba, em Moscovo.
Nenhum dos nossos pedidos para o recrutamento de professores foi atendido e a qualidade do ensino foi-se, degradando de forma irreversível.
Mais tarde, aquela faculdade foi transformada num instituto de formação pedagógica, mas os resultados não parecem ter sido brilhantes.
Entre dificuldades de toda a espécie iam acontecendo peripécias inauditas. Uma delas foi o aparecimento de diplomas falsos trazidos por estudantes do ex- Zaire, que, de resto, foram, aos poucos, tomando conta do sistema.
Quando saí de Angola, a "nossa Universidade"era uma caricatura, com professores que nem a língua conheciam e traduziam do russo para o francês, para, depois, alguém traduzir para português.
Mais tarde, Agostinho Neto autonomeou-se Reitor da "Universidade Agostinho Neto". Não me consta que tal alteração tivesse provocado um milagre. Angola arrastou-se na penúria de quadros e fez do desprezo pelos professores mais uma marca característica de país do terceiro mundo - um terceiro mundo especial, já que o seu sistema de educação tinha sido considerado, pela OUA,nos anos 60, o melhor de toda a África e também porque era, em 1973 um país autosuficiente do ponto de vista alimentar e já exportava carne, milho, farinha de peixe, além dos produtos próprios das indústrias extractivas, tais como o ferro, com uma mistura de ouro que dava para os importadores pagarem o que importavam, cobre, diamantes e, claro, o petróleo.
Num país com estes contornos percebe-se mal que os professores tenham que fazer uma greve para exigir um salário correspondente a 300 dólares.
3 comentários:
e sabemos bem para que chegam esses 300 dólares de salário mensal, num dos países mais caros de África, onde em qualquer restaurante de Luanda não se come por menos de 70 ou 80 dólares por pessoa.
quem ganha 300 dólares por mês, em Luanda, só consegue viver numa barraca do Kilamba Kiaxi, ou no Rangel, ou na Samba, ou por aí.
Já eskólhi à minha misse Angóla! É uma garina vérrrde bwé bala bala!
Já ganhou!
Kandandu!
Impressionante como a educação é tratada de forma mal pelo mundo afora. São raros os paises que tratam os professores como eles merecem: seres especiais que formam outros seres, que preparam os jovens, que moldam o mundo. O pior, é que até em paises ditos como de "primeiro mundo" (Estados Unidos, França, Espanha), os salários também não são bons. Exceções são o Japão, a Escocia, a Irlanda. Na verdade são bem poucos.
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