O Camarada Fernando Alves referiu aqui no nosso blogue a questão da Seca na Huíla, noticiada no Jornal de Angola e referida pelo ministro da Administração do Território numa linguagem que faz lembrar os burocratas de Bruxelas ou do raio que os parte - burocrata é burocrata, ponto final.
Este senhor ministro que foi "ver in loco" - uma fórmula que todos os bons "locutores" angolanos aprenderam - a desgraça dos - segundo eles - 600 mil camponeses - diz que a situação ainda não é de catástrofe.
Não o seria se ele e o governo dele e já agora o governador da Huíla, um ex-futebolista, cujo passatempo de agora é colecionar dinheiro fora do país, tivessem uma solução.
É que a seca na Província da Huíla vem de há anos, repete-se ciclicamente e cada vez com mais intensidade, porque a concentração das populações leva a um sistemático abate de árvores para fornecimento de lenha e de carvão, a primeira para suprir as necessidades das populações locais e o segundo para venda nos grandes centros urbanos.
Este fenómeno - é evidente - combate-se com medidas de lonmgo prazo, como sejam o fornecimento de combustíveis alternativos, Onde estão eles, na Huíla?
Depois, há o crescimento do número de cabeças de gado, um fenómeno com uma componente política muito forte e que o MPLA urbano não tem capacidade para resolver.
Com a destruição do sistema colonial, que nos últimos anos tentava incorporar no sistema comercial os criadores tradicionais de gado, para quem a posse de um maior número de cabeças de gado significa sobretudo um estatuto social mais elevado e, por isso, mais compensador, tudo voltou ao princípio.
Só se matam - para as festas( casamentos, óbitos, mufikos, etc.) bois velhos. Os outros deixam-se envelhecer e o parque vai aumentando de tal maneira que não há - não pode haver - capim para todos.
Este é um problema muito complicado, mas não se fica pela Huíla, ele vai mais para Sul, para o Cunene ( há por aí uns cuanhamas que talvez queiram ir ajudar...) , onde o capim é de outra espécie e se reproduz por semente. Isto quer dizer que, mal chovem as primeiras pingas, o capim rebenta e as enormes manadas de gado irrompem por aí fora trasnformando tudo em campos de futebol de terra batida.
O problema da seca da Huíla tem anos. Lembro-me das minhas angústias sobre se ia ou não chover, sobre se já tinha começado a chover na Chibia, na Cahama, na Humpata, em Quilengues, em Caluquembe. E a cada notícia de chuva era o sorriso, partilhado por toda a gente, que, embora vivendo na cidade, de ocupações marcadamente urbanas, como era a minha, sentia a terra a embebedar-se com a água que lhe caía do céu.
Ainda hoje não percebo os homens da Rádio e da Televisão em Portugal para quem "bom tempo" é "tempo de praia". Ora, a verdade é que há um "bom tempo" com chuva, com neve, com frio.
Oh! Fernando! obrigas-me a um grande esforço de rememoração - dolorosa, em alguns aspectos.
Houve anos em que quase rezámos para que chovesse. Um dia, de um ano qualquer, mas seguramente, lá para Fevereiro ou Março, eu e o Leonel Cosme - trabalhávamos juntos no Rádio Clube da Huíla - saímos disparados numa carrinha citroen que ele tinha para ver a chuva encher os rios da Mapunda, o Tchipunpunhimi e outros. Lembro-me ainda da nossa felicidade por verificarmos que, finalmente, a terra ia ser apaziguada e as populações poderiam fazer as suas vidas tranquilamente, com alguma confiança nas colheitas.
A Huíla é uma Terra de camponeses: foi isso que eu disse ao Lopo do Nascimento quando ele, armado em primeiro-ministro, foi ao Lubango anunciar a nacionalização do pequeno comércio. Avisei-o, aos murros em cima da longa mesa da Associação Comercial: "dentro de pouco tempo vamos ter a cidade invadida pelos camponeses a perguntar quem lhes compra o milho os bois, a massambala, o massango, as peles e tudo o resto".
" Por razões políticas..." dizia ele, temos de nacionalizar. E eu respondia: "por razões políticas não podemos nacionalizar".
As "razões políticas" dele eram umas - as instruções da URSS - e as minhas eram outras - o interesse do povo camponês da Huíla.
Mais tarde, ao serviço do nosso jornal, Fernando, voltei à Huíla, fui mais abaixo a um território que, de resto, fez parte, durante muitos anos do "Distrito da Huíla" e que eu conhecia bem por ter lá vivido cerca de um ano: Chiange ( terra de perdizes) e Cahama. Levou-me um jovem licenciado da República da Tchecoslováquia em engenharia pecuária ( que coisa será esta?), que não conhecia a região e não estava preocupado com porra nenhuma. Estava fascinado apenas com o facto de lhe terem dado um "jeep" com zero quilómetros para me levar ao Chiange.
Era Janeiro de um ano qualquer. Ainda não fim de mês e o responsável político máximo da zona confidenciava-me o horror de uma seca que se anunciava, uma vez que ainda não tinha chovido uma única vez. Fui ouvindo as desgraças, tirando fotografias dos terreno pelados e dos bois mortos plantados por entre espinheiras.
Durante uma merenda servida na casa do administrador do sítio, a mesma casa que tinha sido habitada pelo anterior secretário da administração colonial, o Eduardo Vitória Pereira, fiquei a saber que aquela gente era de Malange, não conhecia a região e nem sequer sabia que ali, no Chiange, começava a chover no fim de Janeiro. E depois não parava mais.
Descobri rapidamente a razão por que me tinham convidado a fazer ali uma reportagem: os cubanos ( que haviam construído uma base aérea na Cahama e tinham feito um monumento verdadeiramente estranho, porque escreveram numa placa de pedra uma carta de Fidel de Castro aos "combatenmtes cubanos" ) abandonaram a região e os criadores tradicionais voltaram com o seu gado, entretanto multiplicado nas terras mais para o Sul.
Os bois chegaram e derrotaram todo o capim, portanto, mesmo antes de a época das chuvas ter o seu início habitual, já o gado morria.
É um fenómeno semelhante ao que aconteceu na Etiópia. Os bois ocupam o lugar das pessoas, a chuva não chega, porque, entretanto, as florestas são derrotas e o deserto vai-se instalando, perante os braços cruzados de ministros balofos, convencidos de que o Mundo vaio continuar a ser movimentado com petróleo.
Neste episódio do Chiange havia ainda um outro pormenor de política pura: o MPLA tinha receio de que a UNITA ocupasse as posições abandonadas pelos cubanos e queria chamar as organizações das Nações Unidas para tomar conta da região.
Simples...
Espero que por detrás das declarações deste Fontes Pereira a quem, obviamente, falta o Melo e , com o diz o Fernando, a capacidade para montar tenda, não estejam outras intenções escondidas e que seja dispensada aos camponeses da Huíla - um povo que muito me ensinou e a quem muito devo - toda a ajuda para que eles possam continuar a ser camponeses na sua terra.
Desejo ardentemente que um país produtor de petróleo, como Angola, não esteja a tentar construir uma situação de catástrofe no Sul do país e não tenha mecanismos institucionais para mobilizar os recursos indispensáveis à concretização de uma política de solidariedade nacional - que não passse pelos vários caciques predadores que existem entre o aparelho do estado e o povo - para, posteriormente, mobilizar a chamada solidariedade internacional.
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