terça-feira, abril 17, 2007

É o Tempo que Vai Faltando

Via-o de longe, desengonçado, sempre na galhofa com os mais velhos.Era o filho do sr. Cambonéu, o dono de todas aquelas terras que circundavam a Escola Industrial. Naquele tempo não havia estrada para lá do rio. A estrada ficava ali, junto à casa da família Carranca. O Tony tinha-o conhecido em Coimbra, no D, João III e depois fui encontrá-lo no Diogo Cão, no Lubango. O Nicolau Borrelhas, Cambonéu, andava na Escola Industrial.
No célebre ano de 1957, quando o Nené Miranda apareceu com aquela ideia de uma excursão ao Sul de Angola, num camion da Missão do Caminho de Ferro, conduzido pelo Kubitcheke, juntámo-nos todos: os Mirandas, com o Tó Zé, os Carrancas, o Tony e o Carlos e o Nicolau... mais o irmão Rogério,
Claro que tinha mais gente: o Tareco, o Rui Amaro, o Artur Ferreira, o Trabulo, o meu irmão e tantos outros, cujos nomes não me ocorrem agora (vou tentar juntar a este testo uma fotografia).
O Nicolau era o nosso grande artista - além de um grande defesa no futebol . Todas as noites, ele e o Tareco, na "chama" davam verdadeiros espectáculos que nos entretinham a nós todos e mais as populações que nos recebiam; Mulondo, Calueque, Roçadas, Matala (assim, sem ordem aparente), até fomos à Ganda, porque o Nené tinha (dizia) lá uma namorada. Ninguém a viu.
O Borrelhas ficou a fazer parte do meu universo. Era um amigo fabuloso, sempre disposto a ajudar. Alguns anos depois, na tropa, quando, depois de oito longos meses de recruta, me fui apresentar no RISB, lá estava o sargento Nicolau. Era o mestre de obras do Regimento.
Tínhamos o mesmo jeito de colocar aquela boina horrível; assim como um prato poisado sobre a cabeça. O Comandante andava sempre a fazer obras ( todos sabíamos o que é que isso significava; andava a meter dinheiro ao bolso) e, por isso andava sempre com o Borrelhas à tiracolo. Ele detestava a figurinha do coronel ladrão que também tinha a mania de fazer capoeiras e coelheiras. Um dia quis obrigar o sarg. Borrelhas a levantar o rabo a uma coelha para facilitar a vida a um coelho.
O Nicolau Cambonéu (Borrelhas) saíu disparado e durante uns dias houve ali um problema grave. Até que o Comandante deve ter sentido que a vida podia não lhe correr bem se acontecesse alguma coisa ao nosso sargento Cambonéu.
Nos últimos tempos, o meu filho tem-me dado notícias do "velho Nicolau": que aparece de vez em quando a contar as estórias do antigamente, sempre para uma plateia de jovens interessados. Mantinha o espírito aguçado, mas estava cansado.
Hoje, o meu Sérgio mandou-me a última notícia: morreu o Nicolau.
Numa fracção de segundo a minha cabeça percorreu milhares de quilómetros e algumas dezenas de anos e senti-me, de novo, a ouvir o Borrelhas, mais o Tareco a contarem a enésima versão da estória do sôr cornôr...sôr cornôr. Voltei a vê-lo com o seu ar desengonçado e o seu largo sorriso, que lhe abria o enorme bigode; "então, miúdo, algum problema?"
"Sim. Tem problema, meu parvo, porque é que não disseste que estavas aqui em Lisboa para eu te ver uma última vez? Não perdeste essa mania de que as balas te passavam ao lado... E agora, faço o quê com as minhas recordações?

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá!



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Obrigada.