Uma questão prévia: há anos que não compro o jornal Expresso. Razões? São várias, mas a principal é perceber neste semanário um jornal de aldeia em que meia dúzia de saloios obedecem, de olhos e ouvidos tapados, às ordens dos sucessivos donos do poder, isto é, do dinheiro.
Não ler o semanário que se transformou numa espécie de instituição e vive à sombra dessa condição e de outras coisas menos definíveis , não me faz diferença nenhuma (não deixo de ser menos informado por isso).
Um dia destes alguém insistiu comigo para eu ler na Revista daquele semanário um texto sobre os acontecimentos de Março de 1961 no Norte de Angola. E o amigo, que entende a minha posição, resolveu ir mais longe: passou cá por casa e deixou-me a revista de 30 de Agosto para eu ler o texto: "Sobreviventes e ignorados".
Fiquei surpreendido com o nome da autora, Valentina Marcelino, que se iniciou nas lides do jornalismo - já lá vão muitos anos - no Jornal África, de que eu era director. Era uma época em que se formavam jornalistas com a ideia de que de nós se esperava uma atitude de controlo e crítica. Éramos o "quarto poder" e nunca "aliados" dos outros poderes.
O texto revela uma história importante, alicerçada em factos reais, contada por um homem, um administrador de Concelho dos velhos tempos coloniais, Custódio Ramos, que, além de contar o que viu em dois relatórios, agora encontrados no espólio de um antigo homem do regime, teve ainda a oportunidade de esconjurar o seu apoio ao regime fascista, do qual acabou por ser vítima.
Vítima porque o teor dos seus relatórios não convinha à ideologia do momento já que evidenciavam uma facto "horroroso": o regime tinha abandonado miseravelmente os portugueses do "ultramar" depois de uma parte importante dos brancos que habitavam o Norte de Angola ter sido chacinada por terroristas absolutamente tresloucados.
E, como se não bastasse, mais tarde resolveu incluir num relatório de inspecção levada a cabo por si no Golungo Alto actos de corrupção, de cumplicidade em práticas de escravatura e abusos de poder da PSP. Também não convinha ao sr. ministro do ultramar, Silva Cunha.
Ao acabar de ler o texto da Valentina fiquei perplexo e mais se arreigou em mim a justieza da minha decisão de continuar a não comprar tal jornal.
É que a estória pedia mais. Não sei quem foi, mas aposto que não foi a sua autora, porque conheço os princípios em que foi formada, deitou fora a oportunidade de começar a esmiuçar a sério um dos grandes tabús da nossa História.
E porquê? Pela mesma razão que levou o regime fascista a castigar o administrador de posto, posteriormente promovido à condição de intendente e ainda de inspector, Custódio Ramos.
Ao Expresso e à comunicação social portuguesa de uma maneira geral não convém mexer neste passado. O que convém a todos é a ideia de que os portugueses "africanos"eram todos uns bandidos e uns exploradores de escravos e, por isso, as acções de terrorismo a que foram sujeitos não foram nada disso, constituiram o começo de uma guerra justa, embora iniciada contra uma população pacífica e desarmada.
Aos donos de hoje, que mandam nos saloios, convém manter essa versão dos acontecimentos para não correrem o risco de lhes cortarem o acesso aos negócios milionários e pouco claros da chamada "elite" angolana, a proceder à "acumulação primitiva" de capital.
Os "donos" de hoje conhecem a História de 1961; alguns deles provocaram o descontentamento em cima do qual se desenvolveu a ideia de massacrar os brancos - "o inimigo".
Os "donos" de hoje também já regressaram a Angola e estão a aproveitar da "acumulação primitiva" de meia dúzia de corruptos para reassumir, ainda que de forma mais discreta, mas mais rentável, a posição de outros tempos, dos tempos em que - eles sim - promoviam a escravatura na mais rica "provincia ultramarina"do império salazarento.
Estes dois relatórios podiam ser o ponto de partida para que os portugueses soubessem parte da verdadeira História dos portugueses de África e percebessem, de uma vez por todas, que os crimes do regime fascista não se ficaram pelas prisões arbitrárias, pelos assassínios políticos e pelo controlo absoluto da informação.
O regime colonial fascista português negou aos portugueses a possbilidade de viverem noutras paragens, em harmonia com toda a gente, promovendo o desenvolvimento e o bem estar para todos, no respeito dos direitos de todos.
Hoje ninguém quer saber disso. Já lá vão quase cincoenta anos e a verdadeira exploração só agora principiou.
É por isso que "Sobreviventes e Ignorados" é um texto seguramente incompleto e deixa aquele sabor " a pouco"...
2 comentários:
Continuam a gozar c'a tropa!
Cada assunto tem prioridade autónoma e se assim não fosse andaríamos todos ainda
mais baralhados.
Vem isto a propósito do carácter efémero de notícias, tituladas de ineditismo mas que, o
mor das vezes, mascaram intuitos pouco claros (quando não inconfessáveis). A nossa
comunicação dita social, desde sempre - e este sempre é anterior à madrugada
libertadora - namora o(s) poder(es) um pouco ao jeito ferino das hienas com nariz no ar,
de um lado para o outro, sempre a farejar carniça podre ou ainda nem tanto que outrém
caçou, ou que está a pensar caçar...
Um dos acabados exemplos da coisa é o semanário do number one dito socialdemocrata,
vindo do ante-25A cheio de empáfia pré-revolucionária, depois anticunhalista,
depois antisoarista, depois antieanista, depois anti-nha-nha-nha e por aí fora até o
(m/amigo) Emídio tomar conta do canal televisivo e baralhar tudo de novo. Quanto ao
estilo, es lo mismo: coisas «inéditas».
Ora então se o socialismo-capitalista está para lavar e durar, há que estar sempre-sempre
ao lado do povo, perdão, do poder. Há alguém ligado ao partido-no-poder que precise de
uma mãozinha? Há algum familiar de um autarca do partido-no-poder, que careça de ser
alavancado e - já agora - possa dizer mal de tudo quanto foi para inferir que o hoje e o
futuro estão hipotecados pelo malandro do inventor do Estado Novo, grandessíssimo fdp
que tem a culpa de tudo quanto se passou, sucede e virá a ocorrer no futuro próximo ou
longínquo? Pois então, promova-se a coisa: oferece-se ao povo as habituais tintas de
ineditismo, através de uns quantos textos desgarrados - entrecortados com reportagem
opinativa e umas quantas fotografias chocantes, conversa e fotos que nunca ninguém vai
ter pachorra para ler e ver à lupa, de situar historicamente, de produzir crítica e que, por
remotíssima hipótese vinda esta a lume, jamais terá audiência suficiente para contraditar
outras paralelas balelas nos entretantos postas às postas a correr por intermédio de
grandes tiragens impressas ou bloguísticas.
A mais recente treta - porque em vernáculo corrente não encontro outro suave palavrão
para nomear a coisa -, foi recém-publicada pela Única do Expresso sob a pomposa
epígrafe «Sobreviventes e ignorados», cuja chamada de capa foi posta, textualmente, em
cima e à esquerda: «ANGOLA - Relatos inéditos da guerra colonial».
Começada a ler no café do bairro, entre uma bica e um copo de água, eis o lead da coisa:
«Guerra Colonial. Novos relatos de 1961. Dois relatórios que nunca foram tornados
públicos, feitos pelo administrador da então Carmona, lançam nova luz sobre as chacinas
no norte de Angola que marcaram o início da guerra colonial». E após muita publicidade e
patati-patatá, só a páginas 52 (!) em diante, lá está: «A história de portugueses
abandonados por Salazar, contada por um homem do regime e que mais tarde o regime
castigou.» Malandros, malandro do Salazar que tinha um poder ainda hoje incalculável,
dominava - pior, triturava - a vontade de cada um e de todos, tanto interna como
externamente, tanto nacional como internacionalmente tudo estava condicionado pela
férrea vontade, quer-se-dizer, teimosia do velho das botas, malandro do gajo, a tal ponto
que ainda hoje há uma data de gente a viver à pala das barras-de-ouro-nazi-fascista-colonialista
que continuam a sustentar a ténue independência económica do rectângulo e
jornais e escribas que vivem de mal-contadas estórias sobre os tenebrosos-tempos-do-faxismo... Ia
escrever negregados-tempos, mais autocensurei, não fosse alguém dar-me voz de prisão,
por delito de opinião xenófoba-racista.
E o já falecido Custódio Ramos, coisa-e-tal, e um herdeiro de outrém não aparentado
(mas também falecido) que encontrou uns calhamaços que precisa pôr a render.
Não se dá mínima ideia do real conteúdo de tais grossos volumes, mas pelo andar
carruagem, digo, da reportagem - além de relatos, apreciações e opiniões muito pessoais
do falecido autor -, pareceu haver por ali extractos de artigos ao tempo (1961) publicados
no Jornal do Congo e em livros vários editados na época (alguns com sucessivas
reedições) cujos títulos estão já quase todos referenciados na bibliografia constante de
uma das subpáginas do site Ultramar.TerraWeb), extractos esses aproveitados como se
autoria do próprio diarista se tratassem, mas que efectivamente o não são.
Sentado à mesa do café, sábado 30 de Agosto de 2008, leio com espanto esta coisa,
assinada pela menina (ou senhora) jornalista (?) Valentina Marcelino: «Nos arquivos da
Torre do Tombo, o "Expresso" [note-se que não foi a autora da "cacha" - encomendada (?)
-, foi o citado semanário que] foi encontrar uma carta que ele [Custódio Abel Fernandes
Ramos, transmontano, «inspector administrativo interino, do Quadro Comum do Ultramar,
colocado em Angola» como administrador concelhio de Carmona, mas de modo algum e
em tempo nenhum "administrador colonial do distrito de Carmona" pois tal distrito era
inexistente, havendo sim o distrito do Congo (Português) que ao tempo englobava os
futuros distritos do Uíje e do Zaire, mas cuja capital distrital era, em 1961, efectivamente a
cidade de Carmona], enviara ao general Santos Costa, ministro da Guerra naquele
período, na qual lembra que muito antes tinha avisado o Governo sobre a iminência da
tragédia». Então o coronel Fernando dos Santos Costa, ministro da Defesa Nacional e do
Exército, afastado de quaisquer cargos governativos na imediata sequência da cegada
eleitoral delgadista, era «general» e ministro «da Guerra» (nomenclatura inexistente
desde 02Ago50), ainda em 1961?! E um funcionário do quadro do Ministério do Ultramar,
recém-colocado na cidade de Carmona, escrevia (e enviava) directamente cartas ao
ministro da Defesa Nacional, fosse ele qual fosse? E isso tudo, tal-qualmente, está na
Torre do Tombo? E prontos... afobado por tamanhas perplexidades, nada mais consegui
ler naquele momento e regressei à origem.
Horas decorridas, já resguardado em paciência - a tal pachorra que vai faltando -, o leitor
fica ainda mais (des)informado sobre a existência de «dois relatórios com mais de mil
páginas e fotografias inéditas». Mais calinadas: se são «relatórios» oficiais, deveriam
estar arquivados no destino - seja, no acervo respeitante ao antigo Ministério do Ultramar
-, mas afinal foram encontrados em espólio alheio (tanto ao destinatário como à origem); e
quantos às «fotografias», quais inéditas qual carapuça! Nem são originais, são
reproduções; e nem são inéditas, podem ser vistas essas e muitas outras (muitíssimo
mais reveladoras das atrocidades terroristas cometidas por alguns dos ex-guerrilheiros da
UPA entrevistados para o subitamente interrompido seriado-televisivo guerra-do-ultramar-colonial-
de-libertação), praticamente todas publicadas em títulos supra citados.
E por aí fora, «uma das fotos que colou nos seus relatórios. Esta retrata dois gémeos de
quatro meses chacinados». Cá está, chacinados. Deveria repetir-se mais vezes:
chacinados, com apenas quatro meses! Mas naquela representação fotográfica
daquela específica matança (praticada em local identificado... e quem quiser procure os
outros livros), não há quaisquer «gémeos»: uma das crianças, a de quatro meses, foi
feroz e barbaramente assassinada no próprio berço (alcofa, na época em uso) mas nesta
reportagem ficou obliterada (plano cortado à esquerda)... porquê? Tudo isto, de memória,
sem necessidade de consultar livro algum. Ora, tal sucedendo com este leitor, por certo
terá sucedido com centenas de outros leitores daquela treta, ao fim e ao resto destinada a
promover o quê, ou quem? Um jovem licenciado em História, com apelido sonante e
militante socialista - pois então -, que parece haver concluído nada lhe ter sido ensinado
(ou pouco ter apreendido) sobre a nossa recente História e, em vez de acrescentar saber
científico, limitou-se - lamentavelmente - «a escrever um livro, ficcionado, com base nos
testemunhos».
Portanto, este-país anda a formar académicos destinados a produzir science-fiction.
Ficamos a saber, ou a pensar plausível, existir uma inovativa cadeira de ciência-ficção e
que a mesma faz parte da moderna curricula obrigatória dos cursos universitários de
História. Será na Nova, tutelada pelo bloquista professor que nunca ninguém percebeu
onde está publicada e do que trata a respectiva tese de doutoramento? Se o licenciado
Paulo Freitas do Amaral ali foi discente, este leitor (pelo menos, este) fica mais orientado.
Se não, haveria de ter-se explicado na reportagem, porque é sempre bom dar a conhecer,
também, estes prumenores.
Para que fiquem registados. Na estória. Quanto mais não seja, porque de ficções está o
povo farto.
Continuam a «gozar c'a tropa»!
Tens toda a razao Leston !!
Na história que podia ter sido mas nao foi e no jornal que é um saco de plástico muito caro ...
Abraços aqui de Maputo
Miguel
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