domingo, abril 29, 2007

Que Futuro?

Os homens e mulheres da minha geração, quando olham para o passado têm, obviamente, alguns motivos para desejar que as coisas se pudessem ter passado doutra maneira. O Salazar e tudo quanto ele implicou foi mesmo horroroso...
Mas, temos - todos (?) - motivos para alguma nostalgia, saudade. Ficou-nos muito tempo e muito espaço para a imaginação, para o empenhamento nas chamadas causas justas e para a esperança de que o Mundo melhorasse - para todos.
A nossa Juventude foi um verdadeiro romance - para alguns de aventuras, para outros de sacrifícios, de lutas difíceis, mas, para todos, de esperança no futuro.
A verdade é que essa esperança se transformou, aos poucos, em triste desilusão. Fomos vendo os companheiros de sonho, de aventura, substituirem os títeres que nos atormentaram a infância e a Juventude. Aos que, como eu, em Angola, lutaram pela Independência, foi-nos negada a alegria da construção de um país livre, justo, fraterno e igual. Ser branco era uma definição, continua a ser uma definição.
E o que vemos, tanto lá, como cá? O discurso do neoliberalismo mais feroz de que há memória. uma corrupção que se instalou a todos os níveis, o aparecimento de um Estado que já não controla nem a sua própria estrutura. Políticos desprestigiados, agentes económicos sem ética, sem respeito pelos mais elementares direitos dos outros.
Estamos a caminho de uma sociedade sem valores que travem o passo seguinte: a marginalidade, o banditismo transformados em máquinas modernas, organizadas, em contraponto à organização do Estado gasta por lutas intestinas, estragada pela gestão de compadrios inúteis e parasitas.
O futuro é o domínio das organizações criminosas, marginais, constituídas por gente que, pura e simplesmente foi atirada para a sobrevivência que, posteriormente, aceitou como modo de vida, acrescentando-lhe a inteligência, o génio e o conhecimento que os pequenos grupos de corruptos foram despresando paulatinamente, enquanto iam enganado o povo de todas as maneiras, mesmo as mais saloias e podres.
Já é tarde para travar este futuro, porque quem manda hoje no Mundo vai continuar a querer mandar e já percebeu de que lado está o futuro. Eles serão os futuros patrões do crime organziado (alguns já lá têm as suas cadeiras). Os primeiros-ministros, os ministros e os presidentes das repúblicas serão apenas biblots televisivos - se é que já não são...

terça-feira, abril 17, 2007

É o Tempo que Vai Faltando

Via-o de longe, desengonçado, sempre na galhofa com os mais velhos.Era o filho do sr. Cambonéu, o dono de todas aquelas terras que circundavam a Escola Industrial. Naquele tempo não havia estrada para lá do rio. A estrada ficava ali, junto à casa da família Carranca. O Tony tinha-o conhecido em Coimbra, no D, João III e depois fui encontrá-lo no Diogo Cão, no Lubango. O Nicolau Borrelhas, Cambonéu, andava na Escola Industrial.
No célebre ano de 1957, quando o Nené Miranda apareceu com aquela ideia de uma excursão ao Sul de Angola, num camion da Missão do Caminho de Ferro, conduzido pelo Kubitcheke, juntámo-nos todos: os Mirandas, com o Tó Zé, os Carrancas, o Tony e o Carlos e o Nicolau... mais o irmão Rogério,
Claro que tinha mais gente: o Tareco, o Rui Amaro, o Artur Ferreira, o Trabulo, o meu irmão e tantos outros, cujos nomes não me ocorrem agora (vou tentar juntar a este testo uma fotografia).
O Nicolau era o nosso grande artista - além de um grande defesa no futebol . Todas as noites, ele e o Tareco, na "chama" davam verdadeiros espectáculos que nos entretinham a nós todos e mais as populações que nos recebiam; Mulondo, Calueque, Roçadas, Matala (assim, sem ordem aparente), até fomos à Ganda, porque o Nené tinha (dizia) lá uma namorada. Ninguém a viu.
O Borrelhas ficou a fazer parte do meu universo. Era um amigo fabuloso, sempre disposto a ajudar. Alguns anos depois, na tropa, quando, depois de oito longos meses de recruta, me fui apresentar no RISB, lá estava o sargento Nicolau. Era o mestre de obras do Regimento.
Tínhamos o mesmo jeito de colocar aquela boina horrível; assim como um prato poisado sobre a cabeça. O Comandante andava sempre a fazer obras ( todos sabíamos o que é que isso significava; andava a meter dinheiro ao bolso) e, por isso andava sempre com o Borrelhas à tiracolo. Ele detestava a figurinha do coronel ladrão que também tinha a mania de fazer capoeiras e coelheiras. Um dia quis obrigar o sarg. Borrelhas a levantar o rabo a uma coelha para facilitar a vida a um coelho.
O Nicolau Cambonéu (Borrelhas) saíu disparado e durante uns dias houve ali um problema grave. Até que o Comandante deve ter sentido que a vida podia não lhe correr bem se acontecesse alguma coisa ao nosso sargento Cambonéu.
Nos últimos tempos, o meu filho tem-me dado notícias do "velho Nicolau": que aparece de vez em quando a contar as estórias do antigamente, sempre para uma plateia de jovens interessados. Mantinha o espírito aguçado, mas estava cansado.
Hoje, o meu Sérgio mandou-me a última notícia: morreu o Nicolau.
Numa fracção de segundo a minha cabeça percorreu milhares de quilómetros e algumas dezenas de anos e senti-me, de novo, a ouvir o Borrelhas, mais o Tareco a contarem a enésima versão da estória do sôr cornôr...sôr cornôr. Voltei a vê-lo com o seu ar desengonçado e o seu largo sorriso, que lhe abria o enorme bigode; "então, miúdo, algum problema?"
"Sim. Tem problema, meu parvo, porque é que não disseste que estavas aqui em Lisboa para eu te ver uma última vez? Não perdeste essa mania de que as balas te passavam ao lado... E agora, faço o quê com as minhas recordações?

quarta-feira, abril 11, 2007

BABAR

Estava eu posto em sossego, a folhear o pasquim dominiqueiro, pois, e eis que me entra porta dentro o meu neto, um dos não sei quantos já, entre os daqui e os de lá. Lembras-te,Leston, de uma vez, no «África», estando os dois entretidos a maquinar, me chegou a nova de que a minha filha tinha chegado e me batia à porta. E a casa estava vazia. E eu fui a correr, contigo, que me levaste. Era a Bárbara, de bébé ao colo. Jantámos lá pela Linha. Emprestaste-lhe o carro, para as voltas. Foi este neto que me chegou de novo, mais crescido e de namorada à tiracolo...Dois angolanos enamorados é natural. A menina estuda em Lisboa.- Não estás na Independente?... - perguntei, por deformação profissional. Não! A menina não está ali, Estuda no Liceu Francês, aqui, em Lisboa. O rapaz também estuda, pois então. A onde? Também não acertaria no onde se tivesse perguntado. Estuda, como eu bem sabia, no Cabo, na África do Sul, onde estudam e já estudaram outros netos. A parte chata com os netos é que deixam de ser meninos muito depressa. Nem me posso queixar disso porque ao longo dos anos fui tendo por perto os netos que vieram estudar. Os primeiros por instabilidade social e política e, depois, mais ou menos por desconcerto político e social, que a prosperidade petrolífera não dá para tudo, especialmente se for imprescindível.Os filhos, esses, estudaram por lá. A princípio nos tempos da impiedosa exploração colonial. Acabaram os seus cursos no novo Estado (não confundir com Estado Novo outro, que morreu de velho) sem sobressaltos. A evolução é que evoluiu ao contrário, mas isso já não são contas do meu rosário. Seria de certo pior se o ensino fosse mau por carência de meios, mas como é opção tudo bem, cada qual vai estudar onde lhe sair por sorte.

sábado, abril 07, 2007

As Literaturas e os literatos

A definição de literatura de "expressão" oficial portuguesa ,que, do ponto de vista teórico, levanta discussões insolúveis, tem, afinal, a mesma saída que a classificação, mais aceite, de literatura de "língua oficial" portuguesa. E isto, porque os seus cultores não entram na discussão e aceitam as duas definições.
É gente com mérito - indiscutível - mas um mérito muito gradativo - dependente muito das latitudes de que se dizem provenientes.
Uma grande parte deles, se recusasse a definião de "escritor angolano", "escritor cabo-verdiano", "moçambicano", etc., não teria audiência nem dentro do espaço geográfico que os define. Percebe-se, por isso, uma espécie de barreira que eles próprios criam à sua volta e que os protege, sobretudo do tipo de vida que levam: são "escritores angolanos", ou "moçambicanos", ou de outra matriz qualquer, têm uma temática especial sobre a qual escrevem, mas vivem fora da geografia que a define.
Instalam-se em Lisboa, bons hotéis, boas casas, bons automóveis, boas vidas, ou na "Província": boas quintas,bons ambientes e recusam a integração num movimento global dos escritores em português.
Curiosamente, alguns deles fazem a investigação das coisas de África em Portugal, há anos que aqui vivem, cultivam as ligações políticas que lhes permitem a classificação apertada e, em consequência o nome nas antologias, nos motores de busca, mas há muito que estão desligados das realidades que dizem retratar.
Alguns deles optaram politicamente por determinada ideologia e ,depois, ganharam nome a contestar as práticas resultantes. Mas...sempre com jeito, porque a cobertura política facilita-lhes as viagens, as bolsas, a vida estranha que a maior parte deles tem em Lisboa ou noutro sítio qualquer de Portugal - o alvo preferencial das suas "crónicas de escárnio e maldizer", mas cujos governantes, sempre temerosos dos juízos dos ex-colonizados, lhes vão oferencendo bolsas e facilidades de todo o tipo.
É verdade que também há os que escrevem sobre as ex-colónias e se afirmam como portugueses, viajantes, ex-colonos, o que quer que seja, mas amantes dos povos que conheceram, dos seus costumes e das suas paisagens. Esses, são, normalmente, esquecidos e têm que lutar muito para verem as suas obras publicadas, mesmo aquelas cujos méritos são evidentes.São apenas portugueses.