sábado, maio 15, 2010

15 de Maio




Oficialmente, em Angola, a estação seca (do cachimbo) principiava - não se se ainda é assim - a 15 de Maio.


O cacimbo anunciava-se antes disso, com a cor das tardes de um amarelo difícil de igualar. Havia, também, lá para as serras, uma brisa, que, de madrugada se transformava em vento gélido, a ponto de, em Junho, as baixas ficarem brancas com a geada que se formava.


Era 15 de Maio de 1965 e a meio da manhã, o meu número foi dito aos altifalantes da Escola de Sargentos Milicianos de Nova Lisboa. Devia dirigir-me à cabine telefónica. Fi-lo a correr, estava à espera de notícias. Do outro lado, alguém me disse: " és pai de um belo rapaz, que nasceu hoje às sete da manhã. Está tudo bem."


Nada disse, larguei o telefone e fui à procura de um sítio onde pudesse estar sozinho e gozar aquela notícia. Finalmente, o meu filho tinha nascido.


E dentro de mim cresceu uma revolta ainda maior do que a que já me enchia o peito, quando o capitão Silva, comandante da 1ª Companhia, não entendeu que aquele fosse motivo para eu poder ir a casa, que ficava a 450 kms. Naquele ano, esses quilómetros demoravam muito tempo a percorrer; não havia asfalto e ter carro era só para gente rica. Eu iria de maximbombo.


Só consegui licença para ir ver o meu filho três semanas depois, princípio de Junho, com o frio a cortar quem se apresentasse desprotegido nas estradas.


O Dionísio, que também andava naquela macacada, tinha um mini. Eu e ele juntámos mais três manos e arrancámos.


Pouco depois da Caconda o carro partiu e eu quase não aguentava a ansiedade. E agora?... Esperamos, foi a resposta unânime. Mas, eu não estava disposto a ficar ali à espera de um qualquer milagre.


Aconteceu, o tal milagre: apareceu o Rui Marques Luís com a sua potente moto e ele todo artilhado: calças e casaco de cabedal, botas, capacete, óculos, luvas, enfim, tudo a que um motociclista a viajar por aquelas madrugadas de cacimbo tinha direito.


Parou e logo lhe foi posta a questão de me dar boleia. Olhou para mim, vestido como quem ia dar um passeio no picadeiro e chamou-me maluco. "Vais morrer enregelado, não aguentas, não penses nisso, etc., etc... e todos os outros (mais três, a repetir o coro).


Que se danassem, eu tinha o meu filho para ver e não houve quem me demovesse.


A viagem foi um verdadeiro tormento com alguns intervalos, quando encontrávamos uma fogueira que aquecia os pastores e por ali ficávamos a aquecer-nos e a falar do frio, das vacas e coisas assim.


Quando cheguei ao Lubango não sentia nenhuma parte do meu corpo. O Rui deixou-me em casa e eu fui directamente ver o meu filho: "oh! pá, chegou o teu pai".


Acho que não consegui dizer mais nada: meteram-me numa cama, rodeado de sacos de água quente, com todos os cobertores que havia lá em casa ( não sei mesmo se não foram pedir alguns ao vizinho) e puseram-me o rapaz ao pé de mim para eu ir olhando.


Para mim tinha começado uma nova vida, eu sentia uma nova responsabilidade e, mesmo quando na tropa tive que suportar provocações de todo o tipo, consegui resistir à tentação de seguir alguns companheiros que, entretanto, se puseram ao fresco noutras paragens.


Aquele menino, a quem foi posto o nome de Mário Rui ( a junção do nome do meu irmão mais velho e meu tio mais novo, praticamente da nossa idade) e a quem, não sei porquê alguém, ou eu mesmo, chamou de Ruca, passou a ser a minha responsabilidade absoluta e a minha saudade permanente, já que passei muito tempo sem o ver...


Com cinco anos ia comigo à caça das perdizes, com sete/oito anos era um craque na bola na Casa dos Rapazes, com dez anos era um "revolucionário"a quem só consegui "impingir" os "Capitães da Areia" do Jorge Amado como leitura entusiástica: "aqui também tem a revolução..." dizia-me todo empolgado.

Aos onze anos chamava-me "reaccionário de novo tipo" e aderiu ao movimento da Jota MPLA que apoiava o Nito Alves.


Com 14 anos juntou-se de novo a mim e apaixonou-se - uma coisa que lhe acontecia muito - mas, desta vez, foi a sério. Com a Vivalda deu casamento. Perguntou-me a uma quinta-feira se eu queria ir ao casamento que seria no domingo seguinte. Disse que não.


Quando as coisas deram para o torto sabia que podia contar com o pai. Voltámos à relação de camaradagem, voltou a apaixonar-se não sei quantas vezes e houve uma outra a sério -a Valentina , na foto aqui com ele.
Levou-a com ele para o Lubango, para a sua Terra, porque as saudades eram muitas. Fui lá visitá-lo. Estava um perfeito lubanguense. Não perdeu o vício da caça e acho que vivia feliz.

Hoje são 15 de Maio e o Ruca faria 45 anos. A última fotografia mostra-o um homem confiante em si. Eu confiava nele.



4 comentários:

Anónimo disse...

Como seria ele com 45 anos?

Anónimo disse...

Como seria ele com 45 anos?

Leston Bandeira disse...

Seria um homem seguro de si, com inlfuência séria na vida política no Sul de Angola, respeitado, pela sua história, pai extremoso, marido "infiel", mas o meu filho, sempre!!!!!

José Sousa disse...

Gostei muito, não só de seu blog, mas também do que escreve. tem muita coisa que me esclarece e que serve para me manter ligado.
Siga os meus, tem de tudo e alguma poesia de minha autoria. Vá para:

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Um forte abração