Sentei-me à frente de um microfone para valer numa Estação de Rádio a sério no dia 20 de Dezembro de 1962. Para nada de especial, fazendo o que todos os princiantes faziam: naquela altura apresentávamos os programas de "discos a pedidos". É certo que nos bastidores íamos fazendo outras coisas, aquilo que permitia a uma emissora como aquela, o Rádio Clube da Huíla, funcionar 18 horas por dia.
A paixão pela Rádio não é daquelas que arrefece e se esvai aos poucos;não, aquece e chega a temperaturas insuportáveis, toma mesmo conta de nós, não pensamos noutra coisa. Acho que falo por muitos milhares de noutros "doidos da Rádio".
Fui trabalhando com várias pessoas, fui experimentando outras formas de comunicar: jornais, sobretudo, já que, naquela altura as alternativas se ficavam por aí.
Lembro-me de ter trabalhado com um radialista fabuloso, o Paulo Cardoso, no Rádio Clube do Huambo. Nessa altura também por lá andavam a voz magnífica da Maria Dinah, o peralvilhismo consequente do Aurélio Alves, o servilismo um tanto amedrontado do Fernando Pereira a descontrção do Ribeiro Cristóvão (simultânamete comercial da Cerveja Cuca), a displicência do Congo e muitos outros, cujos nomes agora não me ocorrem.
Nessa Rádio aconteceu um episódio digno de ser recordado e que me permite fazer a ligação ao que pretendo.
O Paulo Cardoso estava na Rádio até às três, quatro da manhã e tinha dias que saía quando a emissão ia reabrir, lá para as seis. Num dia desses, o Paulo estava a caminho do Hotel onde residia, no seu Gordini castanho, a alta velocidade como sempre e com o receptor respectivo ligado. A senhora que abriu a emissão não era profissional, fazia umas horas e proveitava para, enqanto corriam os discos ir fazendo umas peças de tricot. Então, naquele dia, abriu a emissão com o habitual discurso...."bom dia senhores ouvintes....." e quando o acabou esqueceu-se de fechar o microfone e começou a falar com o Orlando, que era o técnico de controlo da emissão e que estava do outro lado do vidro.
A senhora, falando da vida, o Orlando a ouvir e a responder e o Paulo a dar meia volta ao automóvel e a entrar porta dentro do Rádio Clube do Huambo, aos berros, com aquele vozeirão que ele tinha. Disse coisas que mais ninguém diria. A senhora enfiou o tricot na mala, passou de lado junto do homenzinho pequenino que era o Paulo Cardoso e foi para casa. Acho que nunca mais quis ver microfones à frente.
O Paulo Cardoso passava aquele tempo todo à noite no Rádio Clube porque não queria repetir as notícias que toda a gente tinha, provenientes da então Emissora Nacional. Ele queria na sua antena novidades e dava-se ao luxo de, em directo, nos noticiários do Rádio Clube do Huambo, de hora a hora, traduzir do Inglês e do Francês notícias captadas de outras ondas, de outras origens.
Para ele era fundamental ser o primeiro, ser original, ter coisas diferentes para os seus ouvintes.
E tinha. Com o Paulo Cardoso, nós os profissionais da Rádio daquele tempo, aprendemos quase tudo.
Por isso, do ponto de vista profissional, da única realidade que tenho saudades é da Rádio. Muitas saudades.
Mas não são apenas as saudades que me levam hoje a escrever sobre estas coisas. É também a imcompreensão pelo que se passa com a Rádio em Portugal. Todos os postos emissores começam pela manhã a dar - todos - as mesmas notícias, que, ou vão buscar aos jornais, ou à Lusa. Cada um tem os seus comentadores, que comentam, invariavelmente as mesmas coisas; a maior parte das vezes sem grande conhecimento do que estão a falar.
Passa-se de Rádio para Rádio e ouvem-se às mesmas horas, as mesmas notícias, redigidas da mesma maneira, às vezes com os mesmos erros. Hoje, por exemplo, a nomeação de um marmanjo com nome de treinador de futebol para o cargo de governador do banco de Portugal (mais um que nos vai dizer que ganhamos mais do que devemos...) chegou a irritar-me.
Hoje voltei a chegar à conclusão de que os homens e as mulheres (ela agora são mais) que fazem o jornalismo da Rádio se espiam uns aos outros com a intenção de dizerem todos a mesma coisa e da mesma maneira. Nenhum deles se atreve a ir buscar notícias a outras fontes a dar informação e a não limitar-se a ser o eco da frequência do lado.
Hoje, tal como noutros dias concluí que falta coragem aos homens e mulheres que fazem o jornalismo na nossa terra (afinal nas televisões e nos jornais o fenómeno é o mesmo...). Não se atrevem à diferença. Nelas percebe-se, mas neles, falta-lhes "cojones". Tenho que confessar a minha vergonha por ainda me associar, nem que seja apenas pela saudade a este grupo profissional.
3 comentários:
Como me recordo desse tempo Leston!!!
Tenho saudades e tudo está presente.
Beijos de saudades para a família
Boa Noite,
hoje recordei Paulo Cardoso do Rádio Clube do Huambo em Nova Lisboa 1 Tive a felicidade de encontrar este Blogue a falar dele...ele enquanto locutor estava muito para frente ! Tinha frase fantásticas tais como "Ainda não aconteceu...mas já está acontecendo" e muitas outras que eu gostava de recordar. vou continuara a procurar um sitio que tenha a sua foto ! Obrigado e parabéns
Boa Noite,
hoje recordei Paulo Cardoso do Rádio Clube do Huambo em Nova Lisboa 1 Tive a felicidade de encontrar este Blogue a falar dele...ele enquanto locutor estava muito para frente ! Tinha frase fantásticas tais como "Ainda não aconteceu...mas já está acontecendo" e muitas outras que eu gostava de recordar. vou continuara a procurar um sitio que tenha a sua foto ! Obrigado e parabéns
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