Começou por ser um repto, mas pode transformar-se num desafio, num toque a reunir de uma enorme tribo destribalizada mas sobrevivente, num grito de quem reivindica o direito ao passado e, de raízes ao léu, consegue identificar, lá longe, o sítio aonde pertencem. "Essas raízes não mergulharão noutra terra" - dizia a feiticeira das margens do Cunene
quinta-feira, maio 22, 2008
Vergonha...Vergonha...
Há muitos dias que aqui não venho. Por uma única razão: não tenho bons motivos. África, a minha África, aquela que me viu crescer e onde eu aprendi a amar a Natureza e os Homens está a transformar-se num pantanal, num lodaçal pestilento, onde imperam a ganância, a ambição e o desprezo pelos semelhantes.
África, a Terra que me temperou o carácter, me moldou a coragem para vencer as dificuldades que me foram surgindo na vida, me tornou forte dando-me a conhecer as minhas fraquezas é, nos jornais, nas televisões e nas informações privilegiadas que me vão chegando,um mundo de podridão, onde nem já as imagens de extraordinária beleza da sua natureza privilegiada conseguem atenuar.É uma terra de Vergonha
A África que eu aprendi a amar, cujas histórias me encheram os sonhos de criança, fizeram despontar as utopias de adolescente, me alimentaram o entusiasmo da juventude e me pediram o sacrifício das minhas ambições pessoais, povoou-se de mostrengos e assombra-me as noites com pesadelos repletos de abutres que se multiplicam na mesma proporção das serpentes que se plantam no meu caminho - estreito para os meus chinelos de borracha e dedos de fora.
São as notícias de Lisboa - que falam de África - : a filha do Presidente JE dos Santos comprou no Alto da Barras três casas. Uma para ela, outra para família, outra para o corpo de segurança e a cave de uma delas foi transformada em cofre.
São as notícias que vêm de Luanda: a mesma senhora, filha do mesmo senhor dá uma festa de aniversário milionária, que envergonha as muito faladas festas dos capitalistas (colonialistas) portugueses do tempo da outra senhora, dadas em Cascais.
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A festa da senhora tem como enquadramento exterior uma multidão de pobres, miseráveis, a quem o pai da aniversariante e outros prometeram a abastança, a prosperidade, a felicidade, com casas, escolas e saúde para todos.
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Afinal, as casas e as escolas; a saúde, a prosperidade e a abastança não podem ser para todos, porque, meia dúzia tomaram tudo entre mãos - mesmo os que, noutros tempos, quando se falava na justa luta de libertação estavam do lado dos chamados "exploradores" e se colocaram agora no papel de super-exploradores.
E não apenas estes, mesmos os que eram, de facto, os exploradores, os que fomentavam o trabalho escravo, os que dominavam as fazendas do café e do algodão, os que se serviam do estado colonial e viviam à grande em Lisboa, mandando atirar granadas defensivas sobre trabalhadores descontentes, mesmos esses estão, mais uma vez, e agora de forma ainda mais descarada, a usurpar as escolas, a saúde a prosperidade e a felicidade dos não sei quantos milhões de esfomeados, que há trinta anos acreditaram que teriam uma vida melhor. Eles acreditaram e transmitiram essa esperança aos filhos, aos netos. Alguns já morreram, abençoando a hora do fim...
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...Mesmo esses estão, de novo, instalados, com bancos, com operações imobiliárias, explorando(de novo) o café, metidos nos diamantes, nos negócios dos generais. E, de novo, a assobiar para o lado. Que lhes interessa a miséria que campeia? Eles nem sequer a vêem..
De resto, têm a certeza de que a sua reputação jamais será manchada - tal como noutros tempos . O poder actual está a encarregar-se de montar um sistema de comunicação social insuperável; uma televisão e uma rádio nacionais, dois jornais e duas revistas semanais, um jornal diário e a assistência imprescindível dos donos da intriga em Portugal, os que sabem como se compram jornalistas. Assim, tanto o poder como eles têm "boa" imprensa lá e cá.
Mas, olhando o resto de África ficamos admirados por não ser de Angola que chegam as piores notícias. Elas vêm do Zimbabwé, onde a senilidade de Mugabe serve de campo fértil para os ambiciosos e gananciosos da ZANU, que, na perspectiva de perderem o velho e decrépito ditador, se aprestam a assegurar o futuro deles, esquecendo que transformaram uma dos países mais ricos de África num pântano de desgraças, palco de morte por doença e fome.
Os que fogem à fome e à doença do Zimbabwé e procuram a República da África do Sul, a tal que teve a solidariedade do Mundo inteiro para se ver livre de um regime político injusto porque se servia da cor da pele das pessoas como critério para as dividir, esses mesmos, quando chegam junto dos libertados da segregação, são recebidos com tochas, com balas, mortos e queimados ao som de risos alarves.
Mortos porque acusados de roubarem o trabalho aos que, noutros tempos, no tempo da segregação, sempre o tiveram , bem como saúde e educação.
O mesmo acontece aos moçambicanos que foram em busca de melhor situação no país vizinho, fugindo à ambição e à ganância de todos os guebuzas que por lá existem e noutros tempos implantavam campos de reeducação para os reaccionários. "Eram reaccionários, sim!" - dizia ARMANDO. "basta olhar para eles, são brancos".
Foi este mesmo que há uns meses lançou um grito alarve de contentamento: "Cahora Bassa é nossaaaaa...!!!!" Oxalá saiba cuidar dela.
São também as notícias que chegam do Quénia, com as tribos em pé de guerra, querendo exterminar-se uns aos outros e o horror de Darfour a que nada consegue pôr cobro.
Porque será que os americanos não se preocupam com esta gente do Darfour, que está a ser exterminada só porque tem outra cor e outra religião. Lembram-se do pretexto utilizado para invadir o Iraque e enforcar o Sadam Hussein? Porque havia armas de destruição massiva ( que nunca se encontraram) e porque o ditador atacou com gaz um grupo grande de curdos, seus adversários políticos - e hoje adversários dos americanos.
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3 comentários:
A humanidade é uma só ... brancos, pretos, respondem aos mesmos estímulos e a ganância, a corrupção, o individualismo, os ódios, a inveja, ... são causa das mesmas consequências. É em Angola, no Zimbabué,no Quénia,na África do Sul ( que até parecia uma esperança!). Foi (é?) na Libéria, na Serra Leoa, no Congo, no Ruanda,no Kosovo, na Tchechénia,...
É no Iraque, no Afganistão, no Darfur,no Tibete ... O poder económico dita, o poder político executa, as ideologias e os ideiais de fraternidade já foram ...
Mas é preciso resistir. Até alguns monges budistas sentiram a necessidade de criar movimentos socialmente activos. Com "sabedoria e compaixão", é preciso não perder os ideiais e ir desabafando ... ( por isso comento este seu texto e escrevo às vezes sobre o que me inquieta no blog em que colaboro : www.marquesices.blogspot.com)
Poi é, não é de Angola que vem as piores noticias, mas infelizmente virão um dia.
Foi em trabalho 15 dias a Luanda, mais propriamente a Luanda sul deslocando-me diariamente entre esta e Viana,para quem saiu de Angola em 1971 após o fim do serviço militar fica perplexo com a paisaigem que se lhe depara.
Oxalá que me engane mas penso que a curto prazo a coisa vai dar para o torto.
Saudações
Tenho saudades dessa África que também é a "sua". E tenho esperança, quero ter esperança nas gentes que podem ser capazes de fazer a diferença. Já não devo estar cá para ver mas não faz mal.
Abraço
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