sexta-feira, setembro 21, 2007

David Mestre



Nos finais dos anos oitenta eu viajava muito para Luanda, onde, por vezes, ficava por longas temporadas. Nessas alturas, para além de trabalhar para o "África", integrava-me na equipa do David Meste, no "Jornal de Angola", desde a altura em que ele foi nomeado como director. O meu nome, de resto, figurava na ficha técnica. Esta imagem mostra-me ao lado do David no dia em que se comemorou a sua nomeação como director do "Jornal de Angola".

Desde esse dia ficou assente que eu fazia parte da equipa e ele tinha acerca de nós os dois ideias muito definidas.

Dizia ele, com a sua voz meia rouca: "tu é que percebes de política,comigo é a literatura". Dentro desse princípio, nas alturas em que eu estava em Luanda, muitos dos editoriais do JA tinham a minha autoria. Alguns deles provocaram desassoguegos na classe política.


O David era um profissional esforçado, competente, cheio de paciência com a qualidade de alguns dos seus colaboradores e esforçou-se muito por organizar o seu jornal o melhor que lhe permitiam os meios que lhe colocavam à disposição. Ainda como Chefe de Redacção organizou uma exposição sobre o JA em cuja inauguração explicou ao então ministro da Informação, Boaventora Sousa Cardoso, todo o processo de feitura do jornal.

O David Mestre era um excesivo em muitos capítulos da sua vida e ligava pouco à sua própria saúde.

Quando eu estava em Luanda, almoçávamos, normalmente no Hotel Panorama - devo confessar que nunca eram almoços leves -. O Manuel Dionísio e outros jornalistas, de vez em quando, também nos faziam companhia. O jantar era em casa do David. Quem o fazia era a Terezinha, a quem ele, carinhosamente, tratava de "moranguinho".

A imagem ao lado mostra a Terezinha por detrás do David - sempre a tomar conta dele. Tenho pena que a imagem seja má, mas é a única que tenho.

As nossas vidas deixaram de se encontrar porque o "África" fechou e eu deixei de ir a Luanda. Ainda estivémos juntos um dia em que ele veio a Lisboa e fomos O "Pereirinha de Alfama" comer um cozido à portuguesa - uma espécie de obrigação que ele cumpria sempre que vinha a Lisboa.


Depois cansou definitivamente de Luanda e da vida que o rodeava, da mediocridade, da corrupção, dos critérios políticos, da vida das elites e da pobreza do povo. Já nem os jantares de cacusso nos quintalões das Ingombotas lhe alegravam o coração. Veio para Lisboa e um dia deu uma entrevista a uma das televisões. Deitou todo o fel fora. Tinha feito um bypass, mas, a seguir continuou com a mesma vida de excessos. A notícia da sua morte chegou-me já tarde. Que a "Moranguinho" estava em Lisboa - disseram-se. Nunca consegui o contacto dela para lhe dizer o quanto eu sentia a sua perda - que também era minha.
Tenho, verdadeiramente, saudades do David Mestre, cujo nome verdadeiro era Filipe Mota Veiga e cuja vida tinha começado muito mal: aos cinco anos viu o pai matar a mãe.
Para terminar, aqui fica a imagem do poeta e do crítico literário, despido de fatos emprestados. Ele mesmo, o autêntico, o homem que viveu permanentemente insatisfeito, sobretudo consigo mesmo. Uma insatisfação bem retratada na sua poesia, a que os angolanos pouco ligam porque, para eles, o David era apenas mais um branco a ocupar um lugar que não lhe pertencia, apesar de ter doado ao Estado angolano o que lhe coube da herança familiar - que não era tão pouco assim

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostava muito de obter o contacto do Leston Bandeira. Hoje deparei-me com esta homenagem ao meu pai, e senti-me muito feliz. Há muito que não lia algo tão bonito sobre ele, escrito com o coração sem os véus da política.
Bem Haja.
O meu mail é motta-veiga@hotmail.com.
Um abraço,
Patrícia Motta Veiga

Josopar disse...

Também tive a oportunidade de conhecer pewssoalmente este grande poeta! É uma grande perda para Angola e para o Mundo!
A sua Poesia fica para sempre...

Anónimo disse...

Foste tu que me abriste os olhos para o mundo. E, não me deixaram continuar a teu lado.Estiveste e estarás sempre no meu coração e serás onde estiveres o meu protector.
Loelia

Anónimo disse...

Das "recordações" que quero esquecer lembro-me de que quando em finais de 1973 estava preso na RUCA em Luanda, estava lá também o Davide Mestre. Mais tarde reencontrei-o algumas vezes, na década seguinte em Luanda. Gostaria que alguém me confirmasse se ele esteve preso naquela altura, só para minha sanidade mental. Até sempre Davide Mestre!
Seabra