segunda-feira, fevereiro 26, 2007

ETERNIDADES

O meu caro editor pode dormir tranquilo:em Luanda havia quem apreciasse o balador. Não eu, confesso, então pouco ligado à Rádio. Por felicidade, não havia tv em Angola e eu podia sair, apressado, pela manhã. Não havia (ainda não tinha) o hábito de escutar a Rádio, nem sequer pelas notícias. O vício de pequenino era o de espreitar os jornais, a «telefonia» era coisa de música. Claro que ia muito ao cinema. Podia dar-me a esse luxo e além do mais nem pagava bilhete.Zeca Afonso chegou-me pelo Joaquim Cabral, que o venerava. Tinha-me, nem sei porquê, habituado à ideia de que não gostava do fado de Coimbra e eu tinha por Coimbra a mesma simpatia que o Leston conservou por Luanda. Eu achava que «eles» tinham a mania e nem me ocorria que a «mania»podia ser minha. Graças ao Quim, o meu muito estimado colega e extraordinário fotógrafo, aprendi a ser menos precipitado nas conclusões. E sempre que passava por casa dele a caminho da reportagem fazia uma pausa para escutar uma faixa do disco.Mas foi no Moxico, no Luso, se faz favor, que «sofri» a lavagem completa ao cérebro. O Quim conhecia o secretário do governador do distrito e nós precisavamos de pedir meios para deslocações afins à reportagem. O governador facilitou as coisas, mas foi o seu secretário que convidou o Quim para que jantássemos com ele.Fiquei meio lixado com a ideia de jantar em casa de alguém que não conhecia, mas o Quim não se conteve:-- É pá! O gajo tem os discos todos do Zeca Afonso!...E tinha! Estar sentado à mesa do poder tem regalias! Foi uma noitada e peras e eu saí de lá lavado de obscurantismo saloio.Mais tarde viria a saber de perseguições e convicções, em Lourenço Marques, por uma amiga que com ele conviveu. Dela me vem à memória a coragem irresponsável, numa tarde na Av, da Liberdade (!), a Céu ostensivamente grávida, a bramir contra a repressão policial, numa manif das que ocasionalmente se levantavam, no pós Delgado!

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