Apesar dos anos passarem rapidamente, há nomes que não me abandonam no meu dia a dia. Renato Cardoso é um deles. Foi um amigo de que me orgulho particularmente. E continuo a estranhar que os Cabo-Verdianos não assinalem devidamente a sua capacidade de trabalho, a sua inteligência brilhante e as suas lutas para que o país possa hoje orgulhar-se dos caminhos que já percorreu, do presente notável de que desfrutam e as esperanças fundadas de um futuro ainda mais risonho.
Com o passar dos anos fica-se com a impressão de que ainda há quem tenha medo da memória do Renato.
Falo aqui hoje dele porque recebi um e-mail de Alice Sena Mascarenhas, uma colaboradora de Renato Cardoso, sua amiga e sua admiradora porque lhe conhecia as qualidades, já que trabalhava de perto com ele. Pede-me a possibilidade de ler o texto de 20 de Setembro de 2005. Pois ele aqui está reposto. Tem a possibilidade de o comentar. Introduzi o sistema de controlo dos comentários porque houve um tempo em que recebia comentários ofensivos, normalmente anónimos. Não será o seu caso. O seu comentário será muito bem vindo, sobretudo porque perfilho a sua ideia de que o crime que matou o Renato não foi devidamente investigado e há por detrás dessa morte uma premeditação óbvia que tem a ver com a evolução que a política de Cabo Verde teve nos anos seguintes .
Estou pessoalmente convencido de que se Renato Cardoso fosse vivo o MpD nunca teria ganho as eleições de 1991. Para além disso - é a primeira vez que faço referência a isto - o Renato pressentia que alguma coisa lhe iria acontecer por aqueles dias. Ele foi assassinado num Sábado e na quinta-feira anterior tinha-me telefonado, pedindo-me para ir à Praia: queria falar comigo, estava com "medo" depois de uma reunião que tinha tido com o Presidente da República de então, Aristides Pereira.
Como vê, Alice, já somos dois com o mesmo tipo de informação...
Acho que tem razão: teria sido necessário fazer tudo para saber quem está por detrás da morte de Renato Cardoso. Eu acho que ainda hoje vale a pena. Sobretudo os Cabo-Verdianos deveriam exigir que a sua memória fosse respeitada e fizesse parte da galeria dos heróis nacionais.
Gostaraia muito que a Alice Sena Mascarenhas partilhasse connosco o seu poema que fez para o Renato.
Quanto à data do texto, percebeu: foi para assinalar o 15º aniversário do acontecimento. Mas, a verdade é que eu escrevi muito sobre o Renato, sobretudo no "África" e também noutros jornais. Não o esqueci e não o vou esquecer
A seguir publico o e-mail de Alice Sena Mascarenhas e o texto de 20 de Setembro de 2005, em que assinalava os 15 anos da morte de Renato Silos Cardoso.
Olá
Não tive a sorte de ler o artigo que escreveu em 2005 (20 de Julho) sobre o Renato que só hoje me chegou às mãos.
Fui colega do Renato Cardoso no Liceu Gil Eanes e depois como segui para Cabinda (onde vivi dez anos) só em 1975 viria a reencontrar o Paín (assim era ele conhecido por nós colegas e outros daquele tempo - nome aplicado pelo Dr. Baltasar Lopes da Silva, quando o Renato leu em francês le paín em vez de pain (pão).
Sabe, desde que mataram o Renato, digo comigo mesma que se fosse a mulher dele teria que descobrir quem o matou. As várias versões aqui impingidas nunca me enganaram. Eu tive o privilégio de ter trabalhado com o Renato nas vésperas da sua morte e sei, porque ele me disse, que algo que estava a atormentá-lo já tinha sido esclarecido. Tinha tido um encontro sobre isso. Ele prometeu vir beber un Gin tónico comigo no domingo para comemorarmos tb o projecto sobre administração pública que acabáramos de traçar com um expert das N.U, Guido de Weerd . Nunca me esqueço daquela manhã, do toque daquele telefone (eu ainda deitada) e a voz do meu marido anunciando-me o acontecimento. Os meus soluços continuam vivos aqui no meu peito e sinto não poder dar a vida ao meu amigo.Fiz um poema que nunca difundi porque não sou poetisa e tb porque as vozes sonoras não pertencem a todos. Não interessa, fi-lo para ele.
Sei também que o Renato não pode estar feliz pois ele tinha todo um projecto de vida que ele não escondia e que fazia questão de anunciar: eu não pretendo morrer, nem vou imigrar, a não ser que me dêem um tiro e eu não possa fazer nada... foi o que ele dissera quando o técnico lhe disse que o país precisava dele para defender o projecto acabado de assinar...
Tudo isso para lhe pedir: por favor escreva mais sobre o que escreveu, difunda o seu artigo ou então de-nos oportunidade de o comentar.
Mas tb questionei porque só em 2005? Compreendo mas não entendo.
Um abraço
Alice Sena Mascarenhas
CP 43 Praia
Ilha de Santiago,
Republica de Cabo Verde
Fui colega do Renato Cardoso no Liceu Gil Eanes e depois como segui para Cabinda (onde vivi dez anos) só em 1975 viria a reencontrar o Paín (assim era ele conhecido por nós colegas e outros daquele tempo - nome aplicado pelo Dr. Baltasar Lopes da Silva, quando o Renato leu em francês le paín em vez de pain (pão).
Sabe, desde que mataram o Renato, digo comigo mesma que se fosse a mulher dele teria que descobrir quem o matou. As várias versões aqui impingidas nunca me enganaram. Eu tive o privilégio de ter trabalhado com o Renato nas vésperas da sua morte e sei, porque ele me disse, que algo que estava a atormentá-lo já tinha sido esclarecido. Tinha tido um encontro sobre isso. Ele prometeu vir beber un Gin tónico comigo no domingo para comemorarmos tb o projecto sobre administração pública que acabáramos de traçar com um expert das N.U, Guido de Weerd . Nunca me esqueço daquela manhã, do toque daquele telefone (eu ainda deitada) e a voz do meu marido anunciando-me o acontecimento. Os meus soluços continuam vivos aqui no meu peito e sinto não poder dar a vida ao meu amigo.Fiz um poema que nunca difundi porque não sou poetisa e tb porque as vozes sonoras não pertencem a todos. Não interessa, fi-lo para ele.
Sei também que o Renato não pode estar feliz pois ele tinha todo um projecto de vida que ele não escondia e que fazia questão de anunciar: eu não pretendo morrer, nem vou imigrar, a não ser que me dêem um tiro e eu não possa fazer nada... foi o que ele dissera quando o técnico lhe disse que o país precisava dele para defender o projecto acabado de assinar...
Tudo isso para lhe pedir: por favor escreva mais sobre o que escreveu, difunda o seu artigo ou então de-nos oportunidade de o comentar.
Mas tb questionei porque só em 2005? Compreendo mas não entendo.
Um abraço
Alice Sena Mascarenhas
CP 43 Praia
Ilha de Santiago,
Republica de Cabo Verde
Segunda-feira, Setembro 19, 2005
Faz hoje quinze anos que Renato Cardoso foi assassinado na Cidade da Praia. Daqui, de Lisboa, dedico-lhe o meu pensamento, honro a sua memória e declaro a minha saudade de um amigo bom, de um homem inteligente, dedicado à sua terra e à sua gente.
Daqui, de Lisboa, do mesmo sítio onde recebi a notícia fria da sua morte lamento que um manto inexplicável tenha caído por cima de um assassinato hediondo, cujas razões nunca foram devidamente explicadas. Desta mesma cidade que o viu crescer como jurista de grande conhecimento e sabedoria digo da minha tristeza pelo esquecimento a que os seus votam a sua memória.
De dentro do que mais profundo existe em mim rendo a minha homenagem à sua coragem nas inúmeras lutas políticas que travou e de que resultaram sempre avanços para o progresso do seu povo. Faço vénia ao seu empenhamento na luta pelos ideias da democracia, cujos princípios enunciou antes que outros aproveitassem as ondas internacioinais para se perfilarem num combate pelo poder.
Neste triste aniversário, como seu amigo, sinto-me na obrigação de informar os cabo-verdianos que Renato Cardoso, pouco tempo antes de ter sido abatido por um profisisional que não deixou pistas, tinha sido convidado para trabalhar fora da sua terra, a troco de uma proposta milionária - que ele recusou - porque, como dizia, a sua gente precisava dele.
E precisava mesmo. Só que já passaram quinze anos sobre o som dos tiros assassinos e a sua gente já nem se lembra do dia. Os seus pupilos, aqueles em quem ele depositou as suas esperanças, têm , pelo menos, que honrar a sua memória, a sua honradez de carácter, a sua crença num Cabo Verde para todos os cabo-verdianos.
Faz hoje quinze anos que Renato Cardoso foi assassinado na Cidade da Praia. Daqui, de Lisboa, dedico-lhe o meu pensamento, honro a sua memória e declaro a minha saudade de um amigo bom, de um homem inteligente, dedicado à sua terra e à sua gente.
Daqui, de Lisboa, do mesmo sítio onde recebi a notícia fria da sua morte lamento que um manto inexplicável tenha caído por cima de um assassinato hediondo, cujas razões nunca foram devidamente explicadas. Desta mesma cidade que o viu crescer como jurista de grande conhecimento e sabedoria digo da minha tristeza pelo esquecimento a que os seus votam a sua memória.
De dentro do que mais profundo existe em mim rendo a minha homenagem à sua coragem nas inúmeras lutas políticas que travou e de que resultaram sempre avanços para o progresso do seu povo. Faço vénia ao seu empenhamento na luta pelos ideias da democracia, cujos princípios enunciou antes que outros aproveitassem as ondas internacioinais para se perfilarem num combate pelo poder.
Neste triste aniversário, como seu amigo, sinto-me na obrigação de informar os cabo-verdianos que Renato Cardoso, pouco tempo antes de ter sido abatido por um profisisional que não deixou pistas, tinha sido convidado para trabalhar fora da sua terra, a troco de uma proposta milionária - que ele recusou - porque, como dizia, a sua gente precisava dele.
E precisava mesmo. Só que já passaram quinze anos sobre o som dos tiros assassinos e a sua gente já nem se lembra do dia. Os seus pupilos, aqueles em quem ele depositou as suas esperanças, têm , pelo menos, que honrar a sua memória, a sua honradez de carácter, a sua crença num Cabo Verde para todos os cabo-verdianos.