sábado, março 14, 2009

Portugal/Angola - Bom Senso Só Ajuda

A recente visita de José Eduardo dos Santos a Lisboa em programa encurtado no tempo mas muito expressiva nos objectivos anunciados, trouxe para a ribalta o actual movimento de migração para Angola.
Os jornais angolanos anteciparam a análise a esse movimento e valerá a pena ler com atenção o modo como alguns deles - pelo menos o "Angolense" - o abordam .
Na sua edição de 21 a 27 de Fevereiro deste ano, em texto assinado pelo seu director geral, Graça Campos, o "Angolense" , numa prosa supostamente humorística, aproxima-se do ódio racista contra aqueles que estão a tentar viajar para Angola, partindo do princípio que todos os que fazem as filas às portas do Consulado de Angola em Alcântara, são portugueses.
"Ó Shô Manel, A Bida Está Difícil?" interroga Graça Campos em título para uma fotografia tirada por um telemóvel e em que verifica a existência de uma fila grande de pessoas. A legenda desta fotografia chega a ser grotesca.
Muitos deles serão mesmo angolanos, ou terão nascido em Angola. Podem muito bem ser filhos ou netos daqueles outros portugueses que fizeram fila para - já lá vão mais de trinta anos- fugirem às ameaças, reais ou insinuadas, de que a cor da pele poderia ser um problema. E foi!
Os portugueses foram saindo, em várias levas, de Angola, provocando o vazio e uma paragem no processo de desenvolvimento económico - que em 1974 era dos maiores de África.
Alguns dos "retirantes" foram importantes na luta pela independência, mas, mesmo assim, tiveram que abandonar a "sua terra" e procurar um exílio em terra de brancos.
Ao fazer piada (de mau gosto) com o título: "Ó Shô...", Graça Campos está a cometer um erro que eu classificaria de má fé porque ele sabe - tem de saber - que os candidatos a ir para (ou a) Angola nada têm a ver com os colonos típicos dos anos 50 e 60. Estes representam gente habilitada, com capacidade para ajudar o projecto de reconstrução do país. E talvez até tenham nos genes a capacidade de ganhar amor à terra que vão ajudar a reconstruir e ter um comportamento diferente daqueles outros a quem GC chama de "mãos de vaca".
E quem são os mãos de vaca?
São as grandes empresas portuguesas, sobretudo de construção civil, Soares da Costa, Mota/Engil e Teixeira Duarte, que - diz GC - apesar dos "fabulosos lucros" foram, até agora, incapazes de uma acção de filantropia, como por exemplo doarem um "lote de medicamentos a um Hospital Pediátrico".
A propósito destas empresas, GC diz que "em bom português o que os tugas fazem no nosso país chama-se rapina".
E desta afirmação violenta e como quem não quer a coisa vai falando na atitude das grandes empresas portuguesas relativamente ao apoio aos órgãos da comunicação social angolana: não se vê um único anúncio delas. E não se fica por aqui, faz a comparação com as grandes empresas brasileiras.
Espero que haja em Portugal e em Angola alguém que tenha capacidade para analisar este texto e dar-lhe a devida importância, porque, se por um lado, é injusto e racista, raiando quase o ódio em relação aos homens e mulheres das filas do Consulado de Alcântara, não deixa de ter razão quanto ao comportamento das grandes empresas, algumas das quais estão em Angola mesmo antes da Independência e continuam com a mesma política de não partilhar. Eu acho que são mesmo mãos de vaca.
Mas, a verdade é que se o são têm coniventes -não é verdade GC? - os corruptos com quem eles contam para obter as vitórias nos concursos. Quanto à publicidade: as empresas portuguesas acham que devem trabalhar em África em segredo - basta-lhes distribuir umas gasosas, nomeadamente por aqueles que noutras épocas não aceitaram o amor dos brancos pela Terra Angolana. Nos outros países a estratégia é a mesma: "o segredo é a alma do negócio". Para quê fazer publicidade?
A visita do chefe de Estado de Angola a Lisboa terá sido positiva para ambos os lados, mas "cautelas caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém", pelo que me parece não se dever descurar um certo bom senso no desenvolvimento das relações entre os que chegam e os que estão. As contradições são muitas e elas estão bem patentes no texto do Director Geral do "Angolense"

2 comentários:

Anónimo disse...

Nao Conhecia o Blog. Simplesmente fantastico! Bem escrito! Nos conteudos e assuntos tratados, consigo respirar o bom senso e ao mesmo tempo mastigar palavras que fazem mexer o mundo em que vivemos - principalmente dar voz (pelo menos tentar) ao povo Africano, muito em especial ao povo Angolano, que vivem dentro e fora do Pais. Um bem haja a quem lhe da alma. EC

septuagenário disse...

É pena que sejam os filhos dos retornados, que tenham que "retornar", porque não merecem passar pela humilhação das filas da embaixada.
Mas que os filhos de muitos "anticolonialistas", mereciam retomar o "colonialismo" lá isso gostava de ver.