Organizando fotografias, lendo o que foi sendo escrito no jornal "Africa", deparo, invetivalmente, com recordações, algumas das quais me fazem sentir saudades de algumas pessoas. É o caso do Mário Pinto de Andrade, falecido já há mais de 17 anos.
Conheci este "intelectual africano", como gostava de ser designado - detestava que o classificassem como político - na Guiné Bissau. Era ele ministro da cultura do governo de Luís Cabral. E a verdade é que o sector da cultura estava bem entregue, sempre muito movimentado, com iniciativas que davam a Bissau uma existência no campo da cultura que muito poucas outras capitais africanas teriam naquela altura. Foi na Guiné Bissau, durante este mandato de Pinto de Andrade que tive a oportunidade de assitir a alguns filmes que nem sequer passaram por Lisboa.
Mais tarde, depois do golpe de Novembro de 80, que o levou a desligar-se de Bissau e a procurar Cabo Verde, passámos algumas horas a conversar, sobre a actualidade africana e, muito particularmente, Angola.
Perguntava-lhe eu: "...então, Mário, quando é que temos a História que está por fazer do movimento de libertação...?
Respondia-me ele, com aquele sorriso matreiro e a voz um pouco nasalada: "...sabes como é que começou a Revolta Activa...? Sabes?... foi quando um miúdo, como tu, veio com essa mesma conversa: "... então, mais velho, quando é que nós sabemos a verdade histórica...quando é que esses documentos nos dizem o que esteve e o que está mal...? O resultado foi o que se viu.
A posição dele não era a de um espectador, relativamente a Angola, embora a sua preocupação fosse muito mais ampla, à escala de toda a África.
Escrevia de vez em quando para o África, cuja redacção o entrevistou por diversas vezes. Lembro, por exemplo, uma entrevista que me deu no Mindelo, a propósito das comemorações dos 50 anos da Revista Claridade e em que ele falava da esperança de que o caminho seguido pelas autoridades da Praia fosse seguido, em primeiro lugar, por todos os outros quatro de Língua Portuguesa e, logo de seguida, pelos países da África Ocidental.
De resto, alguns dias depois da conversa, tida no quintal do Hotel 5 de Julho para que ele não desperdissasse uma oportunidade de apanhar Sol, ele seguiria para Dakar, onde, com Maria do Céu Carmo Reis ( outra angolana que não vivia na sua terra), Samir Amin, Houtounndji Benin e outros, iria participar no "Forum do Terceiro Mundo" e onde seria debatida "a dimensão cultural do Desenvolvimento em África".
A sua opinião era estudada com respeito e funcionava, muitas vezes, como conselheiro especial, por exemplo, do Presidente Aristides Pereira.
Se havia alguém que conhecia profundamente as várias peripécias do movimento global de libertação dos Cinco era o Mário Pinto de Andrade, que, de vez em quando, gostava de contar algumas estórias.
Por exemplo,nos primeiros tempos da organização do MPLA, que contava com o apoio activo da Argélia, ele saía, muitas vezes do gabinete de Ben Bella, o então presidente daquele país do Magrebe, com um monte de notas de dólar embrulhadas em jornal.
Foi pena que tivesse insistido na ideia de que a sua visão das coisas, desde o começo, a ser divulgada, não ajudaria muito a solucionar os problemas ,que eram muitos.
A sua última posição política relativamente a Angola era a de que, no interior das forças políticas e da sociedade civil angolanas se encontraria gente para procurar e concretizar um consenso para uma solução. Ao lembrar hoje o Mário Pinto de Andrade, o amigo e o africano de grande valor, não posso deixar de lamentar que o tempo não o tivesse deixado escrever tudo quanto sabia.