A fulanização tomou conta do noticiário que nos chega de Angola - e tem, quase sempre, a ver com questões ligadas a dinheiro (mal ganho, mal gasto...).
A discussão séria de questões sérias se existe faz-se em círculos muito restritos e não transpira para os chamados meios de comunicação social - todos, ou quase, virados para a crítica muito adjectivada e denunciadora de lutas de interesses inconciliáveis.
Da análise do presente da vida do país, virada ainda para a criação e alimentação de uma burguesia negra, muito concentrada e insaciável na acumulação de capital e meios de produção, não se conclui uma preocupação com a grande maioria do povo que vá para além da atitude simpática em busca de um voto em próximas eleições.
Não se percebe uma especial preocupação com a estrutura do Estado - muito virada para a satisfação de exigências de grupos ou de individuos e, por isso, com uma dimensão que não se percebe.
O Estado angolano pode comparar-se a uma máquina imaginada e criada por um mágico louco que foi juntando peças sobre peças, dividindo-a em blocos, no pressuposto de que cada um deles cumpriria uma função. Só que a troca de peças deu uma confusão tremenda e poucos dos seus membros sabem o que e como fazer.
Para além da ineficácia, há a concentração. Luanda é a capital e é nos corredores das suas luxuosas residências, nos restaurantes caríssimos, ou nas ruas repletas de automóveis de alta gama que se colocam todos os problemas do país, a serem resolvidos, nunca no respeito pelos verdadeiros interesses do povo, mas tendo em atenção a necessidade de reforçar o poder de um grupo ou de um indivíduo.
Pode mesmo acontecer que determinada medida seja tomada para diminuir influências...
Todavia, é possível constatar que determinadas regiões, em determinados períodos, porque governadas por gente, que sem deixar de cuidar bem dos seus interesses pesssoais, não abdicou de partilhar uma parte do poder que lhe coube com os seus concidadãos e promoveu algum desenvolvimento colectivo. Essas regiões são, todavia, poucas, até porque, normalmente, se procede a uma rotação de gestão assente em critérios de compensação ou castigo pessoal e nunca nos da competência e/ou naturalidade.
Este Estado totalitário enorme, concentracionário, ineficaz, propiciador do desenvolvimento de caminhos que levam à corrupção fácil, não tem futuro possível.
Composto maioritariamente por gente do MPLA, de resto a única força política verdadeiramente organizada, no passado, para a conquista do poder e, actualmente, para o manter, este Estado será destroçado no momento em que a força que o sustenta deixar de ter uma liderança suficientemente inteligente para gerir os múltiplos interesses que, entretanto, ao longo de mais de trinta anos, foi criando, dando e tirando.
A pulverização deste Estado mastodôntico proprocionará a disputa séria dos grandes grupos económicos criados neste processo de distribuição da riqueza criada pelo país, acumulada por poucos e, muita dela, exportada para portos mais seguros, no exterior.
A provável implosão do MPLA levará, seguramente, a uma situação perto do incontrolável onde se desenvolverão movimentos políticos, uns oportunistas, outros autênticos, assentes na reivindicação de autonomias para as várias Nações que compoêm este Estado, cujo partido que o sustenta ainda usa o slogan "um só povo, uma só nação", muito útil numa estratégia de comunicação na situação de luta armada - como o foi - , mas completamente desasjutado na actual situação.
De facto, um slogan certo será o que transmitir a ideia de Unidade para "Um Só Estado, Muitas Nações". O tempo para rectificar a diferença de conceitos encerrada por estes dois slogans talvez já não seja muito porque o Estado Angolano, tal como existe, não tem capacidade nem legitimidade política para travar as inevitáveis reivindicações de autonomia das várias nações que o constituem.
Este Estado, que não se entende a si próprio, deveria programar a sua reorganização num Estado federal, à semelhança dos Estados Unidos, reforçando, dessa maneira, a Unidade e não permitindo a desagregação, que, perante uma eventual implosão do MPLA, será inevitável, com o aparecimento dos caciques locais, com legitimidades assentes em divisões tribais e sustentadas pelo poder que o próprio MPLA lhes foi concedendo durante todos estes anos de criação e fortalecimento de uma burguesia apenas virada para a acumulação de riqueza, sem atender à circunstância de que a política tem outros valores bem mais importantes.
Uma regionalização à espanhola seria indesejada porque conduziria, inevitavelmente, à desagregação do território, mas um Estado federal reforçaria o Estado central e proporcionaria a todas as regiões-nações as ferramentas indispensáveis ao desenvolvimento global de um país há demasiados anos transformado em feudo de grupos pouco interessados no futuro.